PORTUGAL E O DESMATAMENTO NO BRASIL
Na história da preservação ambiental no Brasil, verifica-se que, diferentemente do que passou a ocorrer no século XX, principalmente na segunda metade do século, quando se acentuou o processo de desmatamento das florestas brasileiras, sempre assistimos ao surgimento de determinações e actos governamentais cujo teor tinha por objectivo a manutenção das riquezas florestais do território brasileiro.
Apesar das agressões ao meio ambiente, verificadas em grande parte do território brasileiro e mais acentuadamente na região amazônica, o país ainda mantém 64,9% de suas florestas primitivas, o que ainda lhe dá autoridade bastante para rebater as críticas que lhe têm sido formuladas pelos defensores das políticas anti-desmatamento e em particular pelas instituições internacionais que lutam pela preservação do meio ambiente.
Em recente artigo, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, o Dr. Evaristo Eduardo de Miranda, Chefe geral do projecto “Embrapa Monitoramento por Satélite”, acaba por nos trazer uma série de dados históricos sobre como, desde o descobrimento, Portugal sempre adoptou medidas governamentais visando a preservação das florestas encontradas, além das medidas de plantação de novas espécies de vegetação, algumas das quais, passaram, desde há séculos, a fazer parte da paisagem do “habitat” brasileiro.
Desde o século XVI, foram as Ordenações Manuelinas e Filipinas que primeiro estabeleceram regras e limites para exploração de terras, águas e vegetação. Havia listas de árvores reais, protegidas por lei, o que deu origem à expressão “madeira de lei”. O Regimento do Pau Brasil, de 1605, estabeleceu o direito de uso sobre as árvores, e não sobre as terras. As áreas consideradas reservas florestais da Coroa não podiam ser destinadas à agricultura. Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau-brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina. Ao contrário do que muitos pensam e divulgam, a exploração racional do pau-brasil manteve boa parte da Mata Atlântica até o final do século XIX e não foi a causa do seu desmatamento, que ocorreu muito tempo depois. Os manguesais foram protegidos por um alvará real de Dom José I, expedido em 1760 e em 1797, uma série de cartas régias consolidou as leis ambientais: pertencia à Coroa toda mata à borda da costa, de rio que desembocasse no mar ou que permitisse a passagem de jangadas transportadoras de madeiras. O surgimento dos Juízes Conservadores, aos quais coube aplicar as penas previstas na lei, foi outro marco em favor das florestas. As penas variavam podendo ser de multa, prisão, degredo e até pena capital para os incêndios dolosos. Também foi criado o Regimento de Cortes de Madeiras, que estabeleceu regras, bastante rigorosas, para a derrubada de árvores, além de outras restrições à implantação de roçados.
A primeira unidade de conservação, o Real Horto Botânico do Rio de Janeiro, foi criado por D. João VI em junho de 1808, possuindo mais de 2.500 hectares, hoje reduzido a apenas 137 hectares. Uma Ordem, de 9 de abril de 1809, deu liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil e um Decreto de 3 de agosto de 1817, proibia o corte de árvores nas áreas das nascentes do Rio Carioca. Em 1830, o total de áreas desmatadas no Brasil era inferior a 30 mil km2. Hoje se corta mais do que isso a cada dois anos. Em 1844, o então ministro Almeida Torres propôs desapropriações e plantios de árvores para salvar os mananciais do Rio de Janeiro. Por Decreto Imperial, em 1861, do imperador Dom Pedro II, foi dado início ao plantio da Floresta da Tijuca.
Essa política florestal da Coroa portuguesa, continuada pelo Império brasileiro, conseguiu manter preservada a cobertura vegetal do território até ao final do século XIX, sendo notório que o desmatamento brasileiro se iniciou no século XX, começando por São Paulo, Santa Catarina e Paraná, estendendo-se numa marcha para o oeste, atingindo assim e aos poucos quase a totalidade do território nacional.
O que fica absolutamente claro é que, enquanto Portugal geria o território brasileiro, sempre houve uma política voltada para a preservação ambiental, antecipando-se à política recentemente implantada pela maioria dos países, de estímulo à manutenção das florestas e do meio ambiente.
A verdade é que essa política colonial é a principal razão por ter o Brasil, hoje, 28,3% das florestas mundiais, podendo em breve, desde que observadas e devidamente fiscalizadas as políticas ambientais vigentes, vir a ter cerca de 50% de todas as florestas primárias do planeta, tal é o nível de desmatamento que se observa em todos os continentes.
Eduardo Neves Moreira
Presidente do Elos Clube do Rio de Janeiro
Vice-Presidente da Academia Luso-Brasileira de Letras