Complexo de Edipo sob ótica macrocósmica
Este texto surge como um aprofundamento do texto “Sublimando a Libido”
O Complexo de Edipo sob ótica macrocósmica ou cultural / religiosa, não existe dentro dos moldes psicanalistas tradicionais, ao menos, pelo que conheço deles. Trata-se apenas de uma analogia pessoal como tentativa de me aprofundar na construção da imagem do divino dentro da mente humana e friso aqui a palavra “imagem”. Portanto, o expresso a seguir não trata de Teologia, da divindade em si, somente de sua imagem psíquica.
Como dito no texto anterior, a construção da imagem do divino, paralelamente ao surgimento do Complexo de Edipo, dependerá de um contexto cultural, então, me focarei nas sociedades paternalistas, onde a figura do Pai é projetada na imagem do divino. Nestas sociedades, a figura da mulher é associada ao lar, ao sustento, no sentido de fornecer o alimento (apesar deste ser “doado” pelo Pai, o provedor) e dar suporte emocional e devocional ao homem. O Pai é o provedor e o regulador, pois é ele quem interfere no apego do filho para com a mãe e passa a educa-lo e a inseri-lo no contexto das regras sociais fazendo-o perceber que a mãe, sua visão de mundo, não é uma extensão de si. A figura do Pai se funde, assim, com a figura do detentor do poder. Nada mais natural que associar ao divino a imagem considerada como mais poderosa em uma cultura e assim, surge o Deus Pai, que afinal, é senhor até mesmo da Mãe, de quem parece dono, neste contexto cultural.
Assim como a mãe, tão associada às necessidades básicas, está submetida ao Pai, por analogia a seus padrões religiosos, a criança percebe que o mundo material e a satisfação de suas necessidades estão submetidos ao Deus Pai. Podemos dizer até que os desejos da criança pela mãe tem uma correlação com seu Id, enquanto a figura do Pai surge como uma projeção do superego, senhor das regras morais. Não há saída para a criança, exceto reconhecer o poder do Pai, recalcar o desejo pela mãe e querer ser o Pai, ou ao menos, ser como ele, ter seu apoio e afeto, pois só assim saciará suas necessidades. Daqui retiramos os mitos de destronação dos deuses pais, como Urano por Kronos, este por Zeus e outros correlatos como uma forma de tomar o lugar do Pai e no mito de Jesus Cristo, o fato de ser um com ele, ter sua aprovação, por cumprir suas leis. Claro que a projeção da imagem do Pai na imagem do Divino promove um certo sentimento de castração, de impotência diante das regras do Pai/divindade, o que é bem claro em religiões paternalistas, refletindo numa total submissão para ter acesso ao suprimento de suas necessidades, ou a mãe. A inserção do culto a Maria, no catolicismo, devolve aos órfãos a ternura materna, sem contudo, deixar de implicar todo o poder ao Pai, de quem a mãe é serva, o que garantiu a estrutura do patriarcado. Em outras doutrinas cristãs, o Espírito Santo, devido a sua maior abstração e associação ao mundo dos sentimentos, transfere a afetividade para uma imagem masculina etérea, suprindo esta lacuna.
Há de se ressaltar que, talvez por disputa entre o patriarcado e o matriarcado tribal, o poder da mulher foi muito abafado e arrancado pelas raízes: a demonização do sexo e da sedução, fazendo da mulher serva do marido, de quem era propriedade, maior sacralidade dos ofícios pastorais e de trabalhos realizados por homens, reduzindo a correlação dos frutos da terra com a figura materna, dentre tantos outros.
Hoje, pouco mais de meio século após a emancipação feminina, vemos o patriarcado desmoronar e com ele, uma crise enorme nas religiões ocidentais baseadas na projeção da imagem do Pai na imagem do divino. Alguns tentaram retomar um culto ao matriarcado, mas decerto, só sobrarão poucos seguidores em ambos os lados. O cristianismo, cada vez mais se foca na figura do filho, visto como Jesus (basta ver a crescente onda evangélica) e uma corrente não menos numerosa de ateus, assumem para si o papel do filho, destronando totalmente o Pai. No último caso, a única preocupação é quanto de si um ser humano consegue projetar na figura do divino. A imagem do divino permanecerá vazia, no ateísmo, será uma abstração, ou será projetada nela a imagem do ego, criando uma sociedade totalmente narcisista, destituída do par funcional imagem de Pai / superego e tomando a imagem da mãe como serva? Somente a hipótese da projeção do ego na imagem do divino me preocupa, principalmente por causa de algumas formas de criação de filhos totalmente destituídas de senso ético. A abstração filosófico-moral da imagem do divino pode ultrapassar a imagem física do par funcional Pai / Mãe, mas deve manter a ordem racional e a base sentimental do divino, para impedir o narcisismo e egoísmo exacerbados, pois o ego é frágil demais para suportar tamanha pressão. Uma melhor imagem de filho deve ser gerada: um herói, uma meta, uma imagem representativa da centelha divina individualizada ou do homem ideal, para manter a coesão do sistema psíquico, mas como internalizar isto sem a adoração/devoção? Como integrar Pai e Mãe no filho, agora, homem e Deus?