Sublimando a libido
Sublimando a libido
A fonte do transcendente
(do cético em mim)
“Todo êxtase espiritual é um orgasmo com nossa imagem do Divino e nossa dissolução Nele”
Todos nós temos uma imagem/conceito de divindade externa ao eu, que nos torna, no melhor dos casos, fragmentos do divino e no pior, matéria por ele rejeitada. O filho pode se sentir parte do Todo familiar ou uma parte separada e rejeitada dos criadores.
O divino, por nossa psique infantil, sempre foi visto como genitor. Basta vermos que as figuras de maior divindade são Pai/Mãe e nós humanos, seus filhos/criação. O re-ligare, desta forma, é uma versão mais elaborada, transcendente e macrocósmica de solução ao complexo de Edipo (percepção de um eu diferenciado da Mãe no ato de desmame, resultando na tentativa de inserção no contexto familiar e cultural e em sua nova relação com os genitores).
Não sejamos demais sexualizados para dizermos que se trata de um desejo de coito, mas de forma mais sublimada, de um conceito de união. Claro que o coito nada mais é que o ato concreto e corporal em busca de união com outro ser, o que óbvio, é impossível em se tratando de abstrações, como é o conceito de divindade. Daí, surge necessariamente o rito, metaforizando a união. A adoração nada mais é que uma corte de sedução ao divino e o êxtase místico, o prazer abstraído desta experiência de “comunhão”.
Antes de acenderem as fogueiras, prossigamos o raciocínio que é complexo e vai depender da imagem do divino adotada por cada cultura. O filho (nós) se identifica com o Pai (em sociedades judaico-cristãs-mulçumanas simboliza o aspecto abstrato/celestial do divino) e recalca um desejo incontrolável pela Mãe (mundo material, sexualidade, etc) o que gera regras morais rígidas, uma submissão e identificação ao poder controlador do Pai, que é adorado. Porém, o material, geralmente associado à Mãe, é fonte recalcada de desejo e como em todo processo de recalque, a rejeição ao material e sua busca se tornam faces da mesma moeda. Talvez por isto estas culturas, apesar de negarem a materialidade e buscarem o celestial, são tão gananciosas e sexualizadas às escuras, sem querer generalizar para todas as pessoas do grupo. Nas culturas onde o culto a Mãe é predominante há maior abertura ao material, pois a Mãe é semelhante à Terra, que gera vida/fruto, assim como a sexualidade, pois é vista como ato gerador. Geralmente as regras morais são mais soltas (o que nem sempre é benéfico socialmente). Diferente das culturas paternalistas (em termos de imagem do divino), nas culturas de culto a Mãe, se percebe, na maioria das vezes, um culto ao “Casal”, pois a Mãe geralmente gera um filho, que vira companheiro e Pai e é adorado junto a ela e portanto, é menor o fato da sociedade tomar partido de um dos lados, demonizando o outro. O catolicismo criou algo similar com a “Sagrada Família” e a adoração a Maria, apesar de manter o recalque sexual, pois ela é tanto Mãe quanto Virgem.
Há de se perceber que além da pulsão de união à imagem do divino, algumas culturas tomaram o material como algo tão distante da divindade que foi necessário um mediador/salvador, através do qual o complexo é resolvido. Nestas culturas, dentre as quais o cristianismo, o filho não é o homem (o homem se vê aqui como o filho rejeitado e não como pertencente à Família Sagrada). O filho “sagrado” precisa mediar e solucionar o complexo, promovendo a união do homem com o Pai (genitor adorado nesta cultura) para redimir a Mãe e as criaturas do Pai. Uma união com o filho é necessária para um encontro com o Pai. A visão da Igreja como a “noiva” do Cristo só reafirma a transcendência e sublimação da libido como base do culto.
A experiência espiritual é um direcionamento da libido ao transcendente, ao sentimento de união que tínhamos quando bebês. Trata-se de um retorno ao tempo em que não diferenciávamos a proteção e a completude (alimentação e demais necessidades) dada pelos pais ou pelo universo de nós mesmos e sentíamos tudo como um em nós ou, em outras palavras, nos sentíamos tão contextualizados dentro de um Todo que pensávamos ser Ele.
*O texto retrata da imagem do Divino na mente humana e não da divindade em si. Não é um texto com teor teológico, mas psicológico.