SANGUE NOS OLHOS E NAS MÃOS
Se tiver uma parte do mundo que sinaliza não ter jeito, esta é o Oriente Médio. Os governos totalitaristas ainda pensam e agem como se estivéssemos vivendo há pelo menos um século atrás. Os maiorais que comandam algumas nações, como a Síria, ignoram o avanço tecnológico e o flagrante crescimento do intelecto humano, mas esquece-se que o povo não ignora nada disso; ao contrário, assim como a notícia, ele se adolesce cada vez mais!
O barril da pólvora mais volátil do planeta tem início na Somália; quem segue pela linha africana em direção ao Mar Vermelho passa ainda por inúmeros infernos como Djibuti, Eritreia, Sudão e Egito. Contornando pelo Mar da Arábia e o Golfo de Aden, mais campos minados como Iêmen e Omã; e daí em diante é só pedreira. Paquistão, Afeganistão, Irã, Iraque, Palestina, Israel e finalmente a bola da vez, Síria...
Não há ONU, Liga Árabe, China ou Venezuela que faça o ditador Bashar al-Assad largar de um osso cheio do melhor tutano, o petróleo; nem que isso o faça matar seu próprio povo servil e que suje ainda mais o mapa da região de muito sangue. Assad que já se mantém no Poder desde os tempos de seu pai, Hafez, outro ditador; no seu calendário o quesito “poder” é algo imprescindível desde 1971; já são 41 anos a base de saques aos cofres do país para o sustento de muito luxo e mortes aos milhares para manter-se perpetuando o medo entre os seus.
Para entender, ou tentar, o que a Síria vive hoje, precisamos atingir (ou tentar), o que a Síria foi ao passado. A criação da nação síria remonta de uma época tão antiga quanto à história egípcia, nos tempos em que os mesopotâmios e os faraós guerreavam por esta faixa de terra espremida entre a Turquia e o Iraque com saída para o Mediterrâneo. Ainda no Século I AC ela sofreu intervenção Romana e daí em diante, passou a ser uma das mais fortes influências do islamismo e cultura árabe. Mais tarde foi território francês e assim ficou até 1936; e como uma nação árabe precisa passar por várias provas de fogo, esta independência franca foi contestada por outras duas vezes até 1946 após a Segunda Guerra.
A população atual é de pouco mais de 20 milhões; deste volume, 17 milhões são muçulmanos, sendo 74% sunitas. Os cristãos e judeus não somam muito nesta nação, mas existem e com certa influência regionalizada. Os 20 bilhões de dólares que a Síria produz anualmente fizeram com que a família Al-Assad se mantivesse entre palácios e luxos desde 1970; é também o grande motivo de Bashar não querer largar o osso, aliás, o filé!
40 anos de atrocidades são suficientes para criar duas gerações de insatisfeitos; o povo de hoje viu seus pais sofrerem horrores nas mãos dos asseclas de Assad e agora, pelo advento da Primavera Árabe deflagrada no norte da África, quis dar também o seu grito de liberdade. Eles sabiam que a situação seria bastante diferente dos problemas egípcios, tunisianos e líbios. No caso da Síria, Assad sempre possuiu um controle absoluto de todo o país e vasto poderio bélico; este último, muitas vezes endossado pela própria ONU.
A Revolução de Jasmim chegou à Síria em janeiro de 2011 e agora, pouco mais de um ano, segundo fontes da oposição, mais de 15 mil pessoas já perderam a vida depois de intensos combates entre os revolucionários mulçumanos e o Governo, também mulçumano.
Os combates foram iniciados como uma mobilização social e midiática, demandando maior liberdade de imprensa, direitos humanos e uma nova legislação. A população do país afirma que a Síria tem permanecido em estado de emergência desde 1962, que efetivamente, suspende as proteções constitucionais para a maioria dos cidadãos. Os protestos começaram de forma tímida em frente ao parlamento sírio e a embaixadas estrangeiras em Damasco; o presidente Bashar al-Assad sempre afirmou que seu país está imune a todos os tipos de protestos em massa como os que ocorreram no Egito.
Ao contrário da Líbia, nenhuma cidade importante é gora foi tomada pelos revolucionários, mas também ao contrário da Líbia, o Governo não mede esforços para matar e promover ainda mais terror pelos quatro cantos do país. Pelo sangrento rio já formado até agora, ainda não sabemos como este povo consegue resistir e permanecer combatendo.
Os primeiros grupos de oposição na Síria foram formados em 2005, em protestos contra o atual regime. Em 2011, com a implantação de protestos antigovernamentais, começaram a firmação de grupos numerosos de oposição. Para a formação do Conselho Nacional da Síria (CNS), que foi lançado oficialmente na Turquia, em 23 de agosto de 2011, centenas de pensadores sírios, muitos residentes no Líbano, tiveram apoio internacional. São estas pessoas que o Presidente Assad afirma ser de uma rede terrorista ligada a Osama Bin Laden.
Chega-se a falar em intervenção militar internacional em outubro de 2011, mas o presidente do CNS, o analista político Burhan Ghalioun, que vive na França, rejeita a proposta de intervenção militar estrangeira. Em seu discurso, ele temia que Assad dizimasse a população síria, caso houvesse mobilização militar que o ameaçasse deixar o Poder. A mídia da época divulgou que o líder rebelde apenas pediu proteção internacional para a própria oposição.
O CNS pediu um apoio maior das potências estrangeiras, sugerindo uma pequena zona de exclusão sobre o território sírio, proposta esta negada pelo Conselho de Segurança da ONU.
Deste início de revolução acabou nascendo alguns grupos importantes na luta armada contra Assad; a Irmandade Mulçumana Síria, alguns dissidentes curdos, vários independentes dissidentes sírios e os chamados "Comitês de Coordenação Locais" foram alguns dos principais grupos envolvidos que também se envolveram na organização e coordenação das manifestações contra o governo.
O Exército pela Libertação da Síria, sob o comando do coronel Riyad al-Asad, formado por centenas de soldados desertores do exército nacional, foi fundado em 29 de julho de 2011 e passou a ser o braço armado da oposição.
Do lado de Bashar Al-Assad conta-se 10 milhões de aptos ao serviço militar e a maior parte do poderio bélico sírio foi comprada da Rússia e China, seus maiores aliados atualmente. Alguns países como os Estados Unidos da América insistem em fazer o mesmo a Assad que fizeram com Kaddafi, mas os aliados sírios que mantêm assento no Conselho de Segurança da ONU, inclusive o Brasil (que não tem uma cadeira, mas é consultado), insistem numa retórica de solução diplomática.
Nos atentados a bomba (fato inédito no país), que ocorreram hoje, mais de 100 pessoas morreram, a maioria crianças vindas da escola; o Governo acusa a oposição de tramá-lo, já a oposição afirma ser o Governo o mentor de mais estas mortes. Certo mesmo é que quase 500 pessoas foram vitimadas, entre mortos e feridos; e isso pôs ainda mais combustível no fogo deste conflito entre um Governo tirano e uma comunidade extremista que anseia derrubá-lo, por mal ou por mal!
Aquele povo deve torcer muito para que a Síria não seja ainda mais terrível com Assad e desprezível sem ele, ou vice e versa...
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é autor do Blog www.irregular.com.br