DAILOR VARELA - FOI-SE UM ARTISTA IRRETOCÁVEL

Numa manhã de 15 de abril, em que tantos aniversariavam, e outros nasciam nesse mundão afora, o poeta Dailor Varela disse tchau. E foi... Era domingo de sol morno aqui na Sampalândia, típico de outono, quando esse mais novo fofoqueiro moderno, o Facebook, aprontou-me essa. Difícil acreditar em faladores soltos por aí mas, como na maioria das vezes, a fofoca procedia: o Dailor se fora.

Como bem disse sua filha, a também poeta Máh Luporini, ele não iria gostar de ficar aí, com parte do corpo paralisada, dando trabalho a quem quer que seja. Dailor, que também era jornalista e pensador "marginal" e genial, que sempre foi independente e contundente ao extremo, realmente não iria gostar de ser fisiologicamente cuidado / paparicado, dependendo que alguém abrisse um livro pra ele, que o colocasse na rede pra balangar, ou então que ligasse o aparelho de dvd para rodar um Antonioni (ou Kubrick, ou Scorsese, ou Tarantino), para que ele pudesse assistir.

Nascido em Goiás, mas vivendo em Natal (RN), desde os três anos, o poeta nunca foi um aluno dedicado, como ele sempre reconheceu. Antes, envolveu-se profundamente com aqueles que estavam propondo uma nova leitura do mundo e das coisas, naqueles conturbados anos 60. Vanguardistas, anárquicos, fleumáticos e inteligentes, os jovens potiguares (Dailor Varela entre eles) queriam também contribuir com os novos ventos que sopravam. Para isso, também indicaram caminhos, entre os quais o mais marcante foi a retomada do concretismo. Mas, como bebiam na fonte de Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Tropicalismo, Cinema Novo, Nouvelle Vague, Neo-Realismo Italiano, Jovem Guarda, tudo isso tomou forma de uma forma muito inusitada e imprevisível: lançaram o Poema/Processo.

O Poema/Processo (cujas bases ideológicas e estéticas foram lançadas quase que simultaneamente no Rio de Janeiro e em Natal), propunha um apropriação da comunicação de massas, um aprofundamento da relação entre forma & conteúdo concretista e uma radicalização no sentido de tirar o signo linguístico da escrita, levando-o a relacionar-se com outras artes, principalmente a pictórica.

Alguns dos nomes surgidos nesse período iriam sendimentar-se nas artes e na cultura brasileira. Cito, de memória, Moaci Cyrne, Falves Silva, Sanderson Negreiros, Marcos Silva, Nei Leandro de Castro, entre outros. Todos muito provocadores, todos muito sagazes, todos muito inspirados.

Passados os primeiros instantes da movimentação em terras potiguares, o Poema/Processo enfrentou um natural refluxo da maré. Na metade da década de 1970, encontramos então Dailor trabalhando em Sampa. Depois de peregrinar pelas redações da Veja, Folha de São Paulo e Diário do Grande ABC, baixou num rasante em São José dos Campos, onde trabalhou no jornal O Vale, entre outros.

Há vinte anos pousou em Monteiro Lobato, cidade bucólica na Serra da Mantiqueira. Incrustada entre São José dos Campos e São Francisco Xavier, e próxima a Campos do Jordão, o pequeno vale verde respira Sítio do Picapau Amarelo no cotidiano. Foi ali, em parolagens com velhos, artesãos, bebedores inveterados e uma fortuna de gente sem pressa desnecessária, que Dailor ouvia histórias que ajudaram a nortear novos horizontes literários. Depois do poeta vanguardista e do jornalista, nascia o cronista.

Também missivista compulsório, que escrevia cartas diariamente para diversos amigos nos mais recônditos recantos do país, Dailor interessou-se também pelas colagens e instalações. Curiosamente, foi adotando a partir daí a prática da poesia escrita, deixando um pouco de lado as pesquisas pictóricas do Poema/Processo. Porém nunca abandonou a "old school". Apenas encontrou na fórmula anterior algumas possibilidades que passou a explorar também.

"A morte é gráfica

Nos sinais repetidos

Que piam como ave

De agouro"

Em 2006, em parceria com Máh, criou o tabloide cultural O Grito. Abrindo espaço para novos e velhos praticantes das artes revolucionárias, preocupado em quebrar as mesmices provincianas que (ainda) dominam a vida literária e artística de São José dos Campos e região, o jornal tornou-se um oásis onde as inteligências vão buscar textos que valham a pena serem lidos, pensados, dialogados, questionados e compartilhados.

O inquieto artista também incursionou por outras veredas. Na década de 1960, participou da campanha de alfabetização de Paulo Freire. Também trabalhou nas pesquisas de campo para algumas obras de Luís da Câmara Cascudo. Teve poemas seus musicados por diversos compositores, entre os quais Mirabô e Quinteto Violado. Alguns poemas/processo estão publicados em revistas no exterior e em diversos sítios virtuais. Também no exterior ocorreram muitas exposições de alguns de seus poemas/processo.

Dailor Varela é um dos citados no livro “Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século” de José Nêumanne Pinto. Tem 13 obras publicadas e duas no prelo (PULS.O.S., de poemas; e outro de ficção, cujo provável título seria Acossado).

Velório e enterro

Assim que se divulgou a nota oficial de que o poeta tinha falecido, formou-se um grande burburinho via Facebook. Seu velório, que aconteceu primeiro em São José dos Campos, na tarde e noite de domingo (15), teve uma homenagem inusual prestada pelos amigos do grupo Bola de Meia, de interações poéticas. O coletivo realizou um "happenning" bem ao gosto do poeta, lendo alguns de seus poemas ao lado do caixão, emocionando a todos, entre os quais familiares, amigos e admiradores de sua obra.

Estiveram em seu velório, entre outras pessoas, Dyrce Araujo, poeta e revisora, e também mãe de seu filho Caio Varela; a vereadora Dulce Rita (PSDB); Fernando Selmer, poeta; Zenilda Lua, poeta; Jacqueline Baumgratz, poeta; Déo Lopes, cantor, compositor e artesão; Eliciane Alves, jornalista; Beth de Souza, poeta e editora do sítio virtual Entrementes (http://entrementes.com.br/); Cesar Pope e Ana Prado, entre outros.

Na manhã de segunda-feira, o corpo de Dailor Varela foi transferido para Monteiro Lobato, onde recebeu novamente as honras do Bola de Meia. Sob o olhar agudo e dolorido do prefeito local, Gabriel Vargas Moreira, e outros moradores que acorreram ao local, seus poemas foram novamente lidos durante o curto velório. Após isso, Dailor Varela foi sepultado na cidade que o acolheu e que ele namorou tão profundamente, divulgando-a constantemente em suas cartas, crônicas e poesias.