AS INTERFERENCIAS RELIGIOSAS NA ATUACAO DO TRADUTOR INTERPRETE
AS INTERFERENCIAS RELIGIOSAS NA ATUACAO DO TRADUTOR INTERPRETE
Olmo, Katiuscia Gomes Barbosa
É fato que a história dos interpretes, no Brasil, está diretamente ligada às Instituições religiosas onde interpretes começaram sua atuação através de voluntariado, com uma visão de filantropia, muitos interpretes serviram de amigos íntimos, provedores e defensores dos surdos. E, que em muito as instituições religiosas contribuiu para a formação de interpretes, a difusão e da Língua de Sinais, na socialização dos surdos, contribuiu para seus estudos, em sua auto estima, dentre outros aspectos.
“No Brasil, em meados da década de oitenta surgiram os primeiros trabalhos de interpretação em Língua de Sinais desenvolvidos em instituições religiosas e nas relações familiares e de amizades com surdos, conforme assinala Santos (2006). Nessa época, os intérpretes não tinham o status profissional que hoje possuem... A questão das igrejas, das religiões, da família e dos espaços empíricos como um dos primeiros meios de atuação é algo frequente na área da interpretação/tradução...” (Massutti, 2007)
Sabe-se que muitos dos profissionais que atuam hoje nos diversos campos, clínico, judiciário, mídia televisiva e educação, dentre outros, são frutos desses trabalhos religiosos, e que esses profissionais tiveram, ou têm, que aprender a atuar em outra realidade, se utilizar de outros repertórios lingüísticos e, ainda mais ter uma postura profissional.
Mas, o que acontece quando esse profissional, atuante de uma determinada Igreja, não consegue separar sua atuação profissional de sua crença religiosa?
Para compreender essa interferência religiosa na atuação do tradutor interprete da Libras recorro ao texto base dos estudos da Disciplina de Tradução e Interpretação da Libras ll, de Audrei Gesser (Florianópolis, 2011),
“...o processo de interpretação apresenta características complexas, marcado por uma natureza singular e evanescente. Por isso, várias “barreiras” amplificam o árduo trabalho do intérprete na intermediação do discurso entre dois idiomas: bagagem cultural, conhecimento de mundo, formação educacional, dentre outras.”
O pesquisador Daniel Giles, através do seu Modelo de Esforços (déc. De 80), busca compreender o processo tradutório a partir dos “erros” e “omissões” que ocorrem durante o ato do profissional do interprete da Língua de Sinais.
Giles (1999), enfatiza que os erros e omissões interferem e comprometem o ato tradutório e que este modelo se refere ao modelo teórico de processamento, que se baseia nos Conceitos relacionados à Ciência Cognitiva.
Pegando o gancho, sobre os “erros” e “omissões” quero propor um olhar sobre os erros e omissões conscientes por parte do interprete, um olhar que se difere do caminho apresentado por Giles que foca nas dificuldades relacionadas aos esforços, às técnicas utilizadas no trabalho do interprete. Meu olhar é sobre o interprete que opta por não realizar esforços para interpretar algo que vá de encontro a seus valores religiosos, ou seja, os valores do intérprete se colocam como a principal barreira em sua atuação. Esse interprete não se sente a vontade para interpretar uma informação na qual não acredita, pois em seu pensamento é como se estivesse comungando, reafirmando aquele assunto.
Segundo Massutti (2007) “Muitas situações geram constrangimentos e traumas pela sensação de impossibilidade de representar a fala do outro.”
No entanto, no caso do interprete em questão a “impossibilidade” está diretamente relacionada à sua crença religiosa e, não da “impossibilidade” apresentada por Massutti, que seria relacionado aos aspectos culturais das línguas envolvidas, repertório linguístico, dentre outros.
Há, um tabu, no uso de alguns sinais e expressões de certos profissionais ligados à determinada religião, essa forma de atuação demonstra a dificuldade do interprete em perceber-se como um profissional, demonstra seu sentimento de posse sobre o sujeito surdo. Penso ser ainda mais ofensivo por sugerir que esse sujeito (surdo) seria incapaz de tirar suas próprias conclusões.
Essa negação do contato do surdo entre o que, na visão do interprete, seria o certo ou errado, o sujo ou o limpo, o puro ou impuro, o sacro ou o profano, eleva o interprete a um Ser Divino, um Ser Supremo, aquele que determinara o que deve ser dito ou não dito, o que deve ser informado ou não. Segrega o surdo da cultura, da tecnologia, da linguagem, das crenças, e acima de tudo da criticidade.
Não quero, eu, defender aqui todas as crenças a que estamos submetidos nos dias atuais, e, a todas essas músicas, que na minha particular visão, são uma ofensa as nossas crenças e valores, uma enxurrada de palavras e frases de duplo sentido e vulgar. No entanto, ao expor meu particular conceito, revelo que ser exposta a essas informações me estimularam a pensar sobre o assunto, sobre minha índole, sobre minhas crenças, sobre os termos (linguagens) utilizadas cada vez mais em nossos dias, e então, ter uma postura critica sobre tudo isso. O que defendo, então, é que o surdo como qualquer outro sujeito tem o direito de ser exposto às mesmas situações a que somos todos os dias. Nem mesmo, nossos filhos, que procuramos defender do que achamos imoral e impuro no mundo, conseguimos segregá-los de tal situação, então, faz-se necessário um repensar sobre nossa visão sobre o sujeito surdo: Como o vejo? O vejo realmente como sujeito? O vejo como objeto? O vejo como alguém irracional?
Não temos o direito de colocar alguém em uma redoma de vidro, nem mesmo aos nossos filhos quanto mais àqueles que deveríamos ter como clientes. Essa atitude se parece muito com a de super proteção, que é uma atitude freqüentemente encontrada nos relacionamentos entre pais e filhos. Seria paternalismo “religioso” por partes de tais interpretes?
Rodriguez (2001), apud Massutti (2010)
Estos “intérpretes” trabajaban para el bien de la comunidad sin recibir ningún pago a cambio. Sus funciones sobrepasaban en cierta medida las propias del profesional de La interpretación tal y como se entendien hoy en día, ya que en la mayoría de los casos actuaban también como guías o asistentes, aconsejando y apoyando a las personas sordas, lo que, en muchos casos, conllevaba situaciones de sobreprotección. (RODRÍGUEZ, 2001,p.18)
O interprete em sua atuação faz escolhas, mas suas escolhas devem ser sobre os procedimentos tradutórios, sobre em como deixar o público alvo mais próximo do seu objeto de tradução e, não, nunca sobre o que deve ser informado ou não. Penso ser antiético, egoísta e uma afronta à potencialidade intelectual do surdo. O interprete tem o direito de fazer uma pré - seleção do que o surdo deve ou não ter acesso?
A revisão de procedimentos daqueles que se valem de seu trabalho é fundamental. Questionar se a respeito de como é possível contribuir no jogo complexo da tradução/interpretação faz parte de uma desconstrução que tanto surdos quanto ouvintes precisam fazer, o que pressupõe um aspecto importante da ética na relação com o outro. (Massutti, 2007)
Quadros (2004: 28), apresenta alguns papéis referentes aos preceitos ético do intérprete. Apesar da importância de cada papel que a autora apresenta, gostaria de destacar o da “fidelidade”:
“...e) fidelidade (a interpretação deve ser fiel, o intérprete não pode alterar a informação por querer ajudar ou ter opiniões a respeito de algum assunto, o objetivo da interpretação é passar o que realmente foi dito).”
A fidelidade na interpretação deve estar ligada as relações existentes entre os elementos desse processo. Ainda, conforme Quadros (2004:75-78), o processo seria:
Mensagem original > Recepção e compreensão > Análise e internalizarão > Expressão e avaliação > Mensagem interpretada para a língua alvo
Enfim, contribui Quadros (2004: 76), apud Gesser (2011) o intérprete é visto como transmissor de informações.
REFERÊNCIAS
MASUTTI. Mara L. Tradução cultural: descontruções logofonocêntricas em
zonas de contato entre surdos e ouvintes. Tese de Doutorado: Universidade
Federal de Santa Catarina, 2007.
GESSER. Audrei. Tradução e Interpretação da Libras II. Florianópolis, 2011.