O QUE É A POLÍCIA JUDICIÁRIA? POLÍCIA MILITAR É POLÍCIA?
Assim está redigido o artigo 144 da Constituição Federal do Brasil: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis, polícias militares e corpo de bombeiros militares.
Não há melhor tradução para o texto, mas ainda, caso haja qualquer dúvida quanto a interpretação óbvia e inequívoca do documento, a Carta Magna afirma que é dever do Brasil manter e prover a segurança interna; e esta é um direito e encargo de todos. Que a segurança é praticada para o cuidado da ordem pública; e que estas podem agir para manter a isenção da ameaça às pessoas e ao patrimônio de modo genérico, através das instituições também apregoadas pela CF.
O §5º do mesmo art. 144 diz que “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”. Na prática, ser polícia ostensiva, significa que ela não pode se ocultar; que ela tem que se mostrar. Quando o inciso da carta afirma, também, que cabe a esta polícia a cautela, ou prevenção, da ordem pública, ele claramente coloca a polícia militar como guardiã única do carimbo preventivo, não cabendo a ela qualquer incursão no campo investigativo intelectual da criminologia, sobretudo, a moderníssima; porque seus membros não são doutrinados ou exigidos a desempenhá-lo.
Discriminação? – Óbvio que não!
Quando a atual Carta Magna começou a ser elaborada havia um determinado temor que a força auxiliar e reserva do Exército destoasse do rótulo de força, de aparência ou que ela não mais impusesse seu poder visório e panorâmico. Mesmo havendo subordinação aos Governos estaduais, as polícias militares devem também, de certa forma, subordinação ao Exército do Brasil; tornando-a um antigo paradigma de um Poder, não legítimo que sufocou a democracia durante mais de duas décadas em nosso país.
Já no § 4º, a Lei estima e legitima que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
Exercer as funções de polícia judiciária, da mesma forma que a Polícia Federal, coloca a Polícia Civil como guardiã nata da função de apurar as transgressões criminais, e sua autoria; pelos métodos da averiguação. Em tese o delegado de carreira preside um inquérito policial, que em regra, serve de base, apenas base, á vontade de punição, que sempre é legislada pela promotoria de justiça, que registra a ação penal em nome do Estado e a remete, ou não, a justiça. Pode parecer complexo; e muitas vezes o é, sobreveste para quem não possui doutrina nos termos jurídicos.
Bom sempre lembrar que as polícias civis não possuem qualquer subordinação legal com nenhum órgão ou mecanismo de Poder durante o exercício de suas funções legais, nem mesmo com o Ministério Público ou com a própria justiça. A única autoridade constitucionalmente apontada como presidente de qualquer inquérito é o delegado de polícia e ninguém mais. Prova disso é que mesmo que um promotor de justiça requisite qualquer que seja o procedimento para investigar ou produzir provas, se o delegado entender que não é pertinente, ele pode, e deve, rejeitá-las por um despacho simples, e fundamentado, sem que haja qualquer natureza de desmoralização.
A polícia judiciária é a mais antiga polícia brasileira e sua história remonta desde 1619, quando umas espécies de prefeitos da época percorriam as vilas para diligenciarem e prenderem malfeitores; estes prefeitos ou governantes, sempre estavam acompanhados de escrivães que lavravam autos intermináveis narrando todo o desenrolar do processo primário que seria apresentado a um magistrado. Este modelo, mesmo que arcaico de polícia civil, durou até 1808 quando da criação da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Em 1967 as polícias civis do Brasil começaram seus processos de quase sucateamento, por causa do medo dos militares que promoveram a ditadura, de que a inteligência policial pudesse ofuscar o trabalho exercido pelas Forças Armadas. Durante um vasto período ditatorial, o Brasil teve seus trabalhos de polícia judiciária exercido, acreditem, pelas forças militares estaduais.
Estes anos compreendidos entre 1967 e 1988, 19 anos, fizeram das polícias civis meros títeres dos bel-prazeres ilegítimos dos militares golpistas. Apurações das transgressões penais que deveriam ser concretizadas no curso do Inquérito Policial, previsto no Código de Processo Penal brasileiro, simplesmente eram sobrepujadas pela força e ameaça constante do estado democrático de direito.
O inquérito policial necessita ser conduzido de forma “independente” pelas polícias civis e Polícia Federal, que o remetem ao juízo criminal competente após a sua conclusão. O Ministério Público poderá requisitar diligências complementares destinadas a melhor instruí-lo para o oferecimento da ação penal.
Esta polícia denomina-se "judiciária" porque, constitui o procedimento preparatório ao processo penal, auxiliando ativamente o poder judiciário, através da coleta de provas e do esclarecimento da autoria e da materialidade do crime.
Dizer que o inquérito é mera peça informativa, como recheiam alguns doutrinadores do direito moderno, é mais uma oportunidade de se tentar coibir o trabalho de quem, constitucionalmente é a única instituição capaz de coletar provas, realizar perícias e encaminhá-las a quem tem o poder de julgar.
É patente e inquestionável que todo o trabalho da polícia civil e federal, são amplamente aproveitados no processo judicial e orientam o julgador na decisão final, na sentença; um axioma natural dos preceitos básicos de justiça, onde há apontamento de denunciados e inocentes. Sobrepujar esta acuidade manifesta, no meu ponto de vista, constitui em tentar debelar a verdade e perpetrar a impunidade.
Quem opera no Direito e possui uma visão mais ampla de justiça, jamais pode exigir a extinção das polícias militares, pois são elas que dominam de modo acelerado e organizado a ordem pública; mas por persuasão isomorfa, toda ordem pública se torna incontrolável se não houver o fortalecimento e valorização daqueles que são destinados pela Lei para investigar e distinguir preliminarmente a materialidade e a tipificação penal; pontos que se houver alicerce de justiça, também promovem, de certa forma, uma organização igualitária primorosa nos meios sociais.
Com a deflagração do crime o Estado já prova, flagrante, que uma polícia não laborou como lhe aufere a incumbência legal; cabe então a polícia judiciária seguir o curso criminológico para que a sociedade tenha uma resposta inequívoca de sua autoria; e a justiça cabe punir no que determina o nosso código legal, seguindo sempre, o exame preliminar do que lhe foi encaminhado.
De pouco basta haver delegacias arquétipos ou projetos megalômanos que não transpõem os papéis; se delegados, investigadores, inspetores, escrivães e outros auxiliares da carreira policial judiciária não estão preparados para exercê-lo de forma virtuosa e ajuizada. Esta gente, que em geral ganha pouco e estão submetidas ao esquecimento político; que muitas vezes é exigida pelas sociedade e esquecida pela sorte, está cada vez mais distante da carreira, porque até a mercearia que pretende ser supermercado valoriza mais seus colaboradores.
O Estado, mesmo que tardiamente, precisa discernir que a polícia judiciária pode e deve desempenhar um papel ainda mais fundamental para a obtenção do bem estar geral do povo. O arrebatador trabalho policial não só determina quem é o acusado ou o inocente; o bom trabalho policial gera fatores de concórdias entre comunidades; e se bem aplicados, apoiados pelo Estado, pode inclusive, servir como juizados de conciliação; um modelo que já existe e pouco é procurado ou apoiado.
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é autor do Blog www.irregular.com.br