A TRISTE PARTIDA
A cultura nordestina não se cansa de me ensinar. Observando a letra de Patativa do Assaré,“A triste partida”, musicada pelo brilhante a saudoso Luiz Gonzaga, flagrante já se observa um lamento com forte exclamação de protesto; mas o toque de fé, inigualável em meu povo, põe Deus como remédio, aquele que pode tardar em curar a matéria, mas que leva alento a alma!
Patativa começa evocando Deus para pedir ajuda; dizendo que de olho no calendário observou que quatro meses se passaram sem uma gota de chuva ter caído; olha mais uma vez e observa que já é dezembro; e que no dia 13, uma data sem justificativa, o pobre e sofredor nordestino fez uma experiência muito comum por aquelas terras, que é colocar 12 pedras de sal enfileiradas num lugar da casa e esperar para ver quais são as que derretem; segundo a crença, as que derreteram, que eles chamam de “minar”, simboliza o mês que virá chuva; se a número 1 e a número 10 minarem, isso significa, que nos meses de janeiro e outubro haverá chuva.
O poeta afirma que o povo tem medo da peste, que na cabeça deles é qualquer doença que chegue num momento sem água e sem pastagem para o gado, ou sem a menor condição de plantarem o feijão e o milho que reduzem a sensação de miséria. Também afirma que aquele homem que lamenta perdeu sua crença naquelas pedras de sal, porque algumas delas minaram e a chuva não veio...
Volta então sua crença para a barra do natal; a esperança agora é que formações de nuvens que sempre aparecem no final de dezembro possam enfim, trazerem a chuva; mas ele passou pelo alegre natal e nada de chuva. O que o nordestino vê é o sol bem vermelho e o som firme da cigarra, que é outra crença de chuva; mas a decepção é generalizada, porque sequer viu ele a barra se formar no horizonte!
De olho no calendário aquele sofredor enxerga que já passou janeiro e fevereiro; e que o verão assolador não se cansa de matar e castigar o desértico Nordeste. Nesta ocasião, já contando seis meses sem uma gota d’água ter caído, ele começa a pensar que se trata de um castigo; algo que aquele povo tenha feito para merecer esta espécie de ira divina; é a hora de pensar que não choverá mais naquele ano!
Mas tem março chegando, um mês importante para a fé do Nordeste, pois é o mês atribuído ao santo querido, São José. Pelo visto São José também resolveu seguir a fúria divina...
O nordestino começa a pensar diferente e vendo que tudo está sem razão, com a fé abalada, ele reúne a família para dar uma triste notícia. Lhe restando pouca coisa para fazer dinheiro, ele conta aos seus que venderá o burro, o jumento, o cavalo e um galo que restou sem ter ido pra panela. Decisão tomada, o fazendeiro que tinha dinheiro sobrando lhe compra tudo, inclusive as terras, com pouco dinheiro; e com isso ele põe a família na carroceria de um caminhão e todos rumam a São Paulo, decididos a viver ou morrer, porque voltar, isso seria uma tarefa das mais difíceis; e o pouco que lhe restou daquela fé, ele enfatiza que se o destino não lhes forem mesquinho, um dia ele voltará...
Já na carroceria do caminhão, um pau-de-arara, com toda a família junto, o pobre homem vê sumir de suas vistas aquilo que ele trabalhou a vida inteira para construir; nota que aquele pouco, se fosse com chuva, seria sua riqueza, mas a dita chuva, sem vir, os expulsou de sua terra natal; e num último ato, ele dá adeus as suas terras...
Um dia de viagem pelas estradas estranhas, passando frio e fome, cheio de saudades e com lágrimas nos olhos, ele ouve do filho que afirma estar “morrendo de saudades” de seu cão que ficou para trás e tenta perguntar quem irá alimentá-lo? A filha também saudosa diz que seu gato também irá morrer, do mesmo jeito que seu pé de flor e lamenta ter esquecido seus poucos brinquedos.
A família chora, lamenta e o homem pensa como irá conduzir a vida de seus filhos daquele dia por diante, sem qualquer resposta lhe chegar em mente. Finalmente chegam a São Paulo, sem dinheiro, sem conhecer ninguém e antes que haja qualquer outra depressão, mesmo com a família na rua, ele vai procurar emprego, mas o que encontra são pessoas estranhas que sequer lhes dão atenção.
Com muita insistência e perseverança, ele consegue trabalho, nada digno e fica anos fazendo de tudo para juntar dinheiro; o homem quer voltar e recuperar tido que deixou pra trás. O problema que cidade grande a dificuldade é maior e ele deve muito em todos os lugares, porque o salário não lhe basta para cobrir as despesas do mês.
Quando lhe resta alguns segundos e notícias do Nordeste ele consegue ouvir, não se segura e começa a chorar; ele sabe que está cada vez mais distante o dia de seu regresso e o mais provável é que fiquem ali até morrerem. O poeta ainda enfatiza que aquele nordestino isolou-se de tudo, vivendo em sua própria masmorra, aquela que involuntariamente ele teve que construir para não morrer de fome e de sede; decisão difícil não para ele próprio, mas para salvar sua família, porque sua vida, à aquelas alturas da vida, de pouco valia...
Patativa do Assaré encerra seu lamento poético afirmando : “Meu Deus, meu Deus; faz pena o nortista tão forte, tão bravo; viver como escravo no Norte e no Sul”.
É a velha história: se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Na sua terra ele seria escravo da sorte, que poderia lhe prolongar a vida ou ceifa-la de modo trágico; no Sul eles se tornaram escravos de pessoas que os descriminam, não os valorizam e que lhes sugam até a última gota de sangue; e que na televisão lhes chamam de irmãos brasileiros...
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é autor do Blog www.irregular.com.br
Este texto é uma homenagem a todos os meus dignos conterrâneos nordestinos; homens de bem que vivem mal e que jamais perdem a esperança, nem a fé! Dedico também ao meu amigo José Sobrinho (Jota Sobrinho) e meu primo Carlos Mattheus, dois entusiastas pela cultura de nossa terra.