BONI - O ARTÍFICE DA REDE GLOBO
Capa do "Livro do Boni"
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, nasceu na cidade de Osasco/SP em 1935, numa época em que somente os Estados Unidos, a Inglaterra e mais alguns poucos países do mundo eram industrializados. Quando estava com 16 anos, sonhava em trabalhar no rádio, e conseguiu. Aí, sonhou em trabalhar na televisão, sonho este que também alcançou. Por fim, transformou-se num dos maiores executivos do Brasil – quiçá do mundo – no setor de mídia.
A nova geração talvez não saiba, mas a Rede Globo é o que é hoje devido, em grande parte, a esse profissional inteligentíssimo que veio ao mundo para ser um líder contumaz. E olha que a Globo já foi muito melhor do que é hoje. Na sua época, as coisas eram diferentes, umas mais fáceis e outras mais difíceis. Porém, tendo sempre a seu lado profissionais altamente competentes e obcecados por qualidade – além de contar com a simpatia e o respeito de Roberto Marinho, o dono da TV Globo –, conseguiu chegar ao ápice profissional e criar uma das maiores redes de TV do mundo durante os aproximadamente 30 anos em que lá permaneceu (começou em 1967).
Boni deixou a Globo em 1998 e, segundo ele mesmo conta em seu livro, sua saída se deu porque novas pessoas entraram na emissora e o baixo grau de conhecimento delas em relação à televisão era assustador. E acrescenta: “Se não tivéssemos montado uma máquina eficiente e superpreparada, o desastre da Globo teria sido inevitável”.
Boni é um mito. Correm muitas histórias a seu respeito sobre a maneira de tratar os colaboradores, sobre seus temidos e terríveis memorandos, além da impaciência e intolerância com a repetição de erros: “É preciso tolerância para o primeiro erro cometido por um colaborador, mas de absoluta intolerância em relação ao segundo”, diz ele em uma de suas frases mais famosas. Não é à toa que, em sua época, os problemas na Rede Globo não duravam mais do que dois dias. Hoje, o excesso de parcimônia e tolerância de quem tem o comando, leva muitas empresas literalmente para o buraco (a própria queda de audiência da Globo é um exemplo).
Boni tinha uma plaquinha em sua mesa com a frase THINK BOLD. Com isso, ele esperava que todos levassem a sério tal proposta e não o decepcionassem. E conseguiu isso muitas e muitas vezes.
Foi também o criador de muitas novidades na televisão. Uma das que se tornaram mais conhecidas foi a implantação de avisos quando dos intervalos comerciais nos filmes e seriados importados. No início (ainda em preto e branco) era um “bip-bip” associado a um diafragma que se fechava na entrada dos comerciais e que se abria no retorno do filme. Depois, por sugestão do músico Luiz Paulo Simas, o “bip bip” foi substituído pelo “plim plim”. O “plim plim” pegou, ajudou a definir o que era filme e o que era comercial e ainda virou uma marca registrada da Globo. Sobre essa inovação, o designer Saul Bass quando esteve no Brasil e visitou a Globo, disse o seguinte: “É a coisa mais ética que já vi na TV”. Segundo o próprio Boni, essa foi a melhor síntese que conseguiu realizar em sua carreira na publicidade (ele possui formação publicitária).
Pesa sobre ele ainda (no bom sentido) a implantação da TV por assinatura no Brasil, lá pelos idos de 1994, com a entrada no país do sistema a cabo, através da pioneira Multicanal. Sua ideia, porém, era nobre, e não o que se vê hoje em dia, com uma profusão de lixo nacional e internacional sendo veiculado por diversas emissoras, além do desrespeito ao consumidor pelo excesso de intervalos comerciais.
Escrever sobre Boni em apenas um breve texto é tarefa impossível. Particularmente, sempre tive grande admiração pelo seu trabalho, a ponto de me interessar muito pela televisão de seu tempo. Hoje, se ele ainda estivesse na Rede Globo, certamente alguns programas jamais seriam exibidos e alguns “artistas” jamais pisariam lá. Isso é algo que ele deixa bem claro na obra “O Livro do Boni”, lançado em 2011 pela Editora Casa da Palavra, do Rio de Janeiro.
Hoje, ele está ligado à Rede Vanguarda, que pertence a seus filhos e seu primo. A sede da empresa fica em São José dos Campos, no Vale do Paraíba/SP. A Vanguarda, que retransmite a programação da Globo, cobre 46 municípios do Vale do Paraíba, Vale Histórico, Litoral Norte Paulista, Serra da Mantiqueira e a região Bragantina, num universo de mais de 2,5 milhões de espectadores.
Finalizando, eis algumas de suas frases e ideias que bem mostram o porquê de seu grande sucesso, associado ao desenvolvimento alcançado pelas empresas onde trabalhou:
• Quem quer ser criativo não pode ter medo de errar; quem quer ser eficiente, não pode tolerar o erro.
• Criar expectativas é produzir frustrações.
• A maior parte do público não tem ideia do que está fazendo em frente da TV.
• O perfil do telespectador brasileiro é triste. A massa é desinformada, portanto fácil de iludir.
• A tolerância não era regra, portanto não poderia ser oficializada.
• É rindo que se corrigem os costumes. Esta é a tradução ao pé da letra da frase atribuída ao poeta francês Jean de Santeuil (1630-1697) e, para alguns, criada por Voltaire (1694-1778). O sentido é o que importa. O riso é sempre uma forma forte de crítica. Ridicularizar os costumes, a moral e o autoritarismo é a melhor maneira de mudar o estabelecido.
• A meu ver, é preciso que se entenda que fracassar faz parte de qualquer jogo. E o fracasso é um passo decisivo para o sucesso.
• Um produto ruim, sofrível ou um desastre nunca significou para mim que quem o tivesse produzido fosse realmente ruim, sofrível ou um desastre. Só considerava irrecuperável quem persistia no erro. Isso me dava o direito de dizer “isto está uma merda”, sem, no entanto, dizer: “você é um merda”. A maioria das pessoas entendia essa posição e assim podíamos arriscar e corrigir os erros, sem deixar de estimular a criação.
• Não há problema. Faça o dever de casa estudando mais o assunto que você domina e nunca mais deixe isso acontecer. (Colocação feita a Galvão Bueno após erro deste numa transmissão de corrida de Fórmula 1).
• Eu consagrei o direito ao erro quando se procurava o novo, mas estabeleci regras para a punição e demissão imediata em relação ao desleixo, à falta de atenção e à repetição de falhas.
• A mentalidade da tolerância zero se implantou na empresa de forma automática e não imposta. E tolerância zero não significa que tudo seja perfeito, mas que se busca a perfeição. Para mim, não há busca de perfeição quando se tem qualquer tipo de tolerância. É preciso querer 100% para conseguir 80 ou 90%. Sempre fui um intolerante, no rádio, na publicidade, nas emissoras em que trabalhei antes da Globo e, principalmente, na Globo.
• Daniel Filho seria capaz de demitir a si mesmo, com memorando e tudo, se descobrisse que tinha sido relapso em alguma questão.
• Quando jovem procurou a companhia dos mais velhos. Quando velho deu poder aos mais jovens. (Numa citação de Pedro Bial a Roberto Marinho).
• As redes sociais continuarão crescendo, revelando, cada vez mais, um suicídio coletivo da privacidade. Entende-se por rede social aquilo que chamávamos no início da internet, de sites de relacionamentos, onde os participantes obrigatoriamente se relacionam, embora só se interessem por si mesmos e por seus grupos.
O “Livro do Boni” contém 460 páginas de puro deleite e merece ser conhecido. Lá, ele faz um apanhado geral sobre a união da Globo com o grupo norte-americano TIME-LIFE, além de contar muitos fatos e histórias sobre Walter Clarck e Joe Wallach (executivo da TIME-LIFE), além de outros protagonistas que também fizeram parte dessa história. Sobre este último, Boni declara: “Sem o Joe Wallach teria sido impossível fazer a Rede Globo”.
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