O suicídio do Pequeno Príncipe
Gosto de viver entre livros, entre letras, leituras e leitores. Por isso escrevo. Tenho um irmão que é ilustrador de livros infantis. Já ilustrou para textos premiados e outros textos que estão sendo adotados nas escolas daqui de Brasília. Acho interessante a realidade encoberta das literaturas infantis. O fato de passar uma mensagem que atinge diretamente o imaginário infantil de uma forma diferente de que se atinge o imaginário adulto. Viajo nos textos de Saramago e Kundera de uma forma diferente que viajo nos textos de Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Eva Funari.
Faz pouco tempo reli "Os suicidas", de Antonio di Benedetto, e novamente fui entregue às imagens e pensamentos dos suicidas. Vi o quanto são frios e egoístas na tentativa de fuga ou resolução de um problema. Feuerbach escreveu que os suicidas são pessoas que já estão mortas. Fiquei refletindo ainda por alguns dias como Benedetto explanou bem, através de suas palavras, o suicídio nesse romance. E fiquei pesado com tantos depoimentos de suicidas, sangue e depressão. Então, para descontaminar meu pensamento de sentimentos depressivos, reli, também, "O pequeno príncipe", de Saint-Exupéry. Pensei, antes de ler, em rever a imagem da rosa orgulhosa, da raposa, e do amigo piloto de avião. Mas, para minha surpresa, encontrei um menino triste, melancólico e doentio. Não tive o encanto inicial da primeira leitura. Na verdade, vi um garotinho morto em busca do chão. Sem esperanças, sem motivos para viver... E, vejam só, é um clássico da literatura infanto-juvenil.
Não precisa ir muito longe para perceber a melancolia estampada neste livro. Um garotinho, reflexo do autor que quer passar sua experiência como visão infantil, que vive sozinho num planeta distante de todos os outros. Para passar o tempo, ele fica retirando mudas de baobás e remexendo seus vulcões. Quando termina os afazeres fica sentado no chão, contemplando o pôr-do-sol. Pôr-do-sol é símbolo nostálgico-depressivo. Chama à contemplação, aos sentimentos de saudade e uma tristeza mansa. De fato, é lindo. Mas o nascer do sol, que contêm as mesmas cores em sentido inverso, traz sentimentos mais vitoriosos, mais alegres. Digo, é a noite que se despede para dar lugar à luz. O principezinho poderia contemplar o nascer do sol e viver mais feliz. Iluminado. Mas sua preferência pelo pôr-do-sol já supõe sua tendência depressiva.
Ele decide, depois que conhece uma rosa orgulhosa que brota sozinha em seu planeta, a seguir viagem em busca de outros planetas. Na verdade, em busca de amizades, ou melhor, sentido para continuar a viver. Encontra pequenos planetas habitados por uma só pessoa e, os habitantes de cada planeta, com personalidade particular. Um é beberrão, outro geógrafo, outro é acendedor de lampiões, outro, ainda, é contabilista, um outro é rei, e assim por diante. Interessante é aquela frase já conhecida por nós: “cada ser é um mundo”, mote também utilizado por Exupéry para expor a busca de um amigo. Até que, enfim, chega à Terra.
Primeira paragem: num deserto. Que só incentiva a imagem de solidão e a quem encontra? Uma serpente, que julga ter o remédio para a sua solidão.
O texto se desenrola na busca de um “chamar a atenção para si”. Como se percebe nas perguntas feitas pelo menino e que não são negadas uma resposta, ou pelo seu querer, quando pede um pouco d’água. É o reflexo de uma tristeza interior muito intensa. De alguém solitário e que não encontra sentido para viver. Vive de busca.
O final do livro, para quem o ler criticamente, já seria previsível. Ele reencontra a serpente e aceita seu veneno como alívio para sua solidão. Repito, ele aceita o veneno. Não é picado por acidente, nem luta contra o seu veneno. Podendo concluir num caso de suicídio.
Fico pensando. Por que Antoine Laurent de Saint-Exupery escreveria um livro infantil com um tema tão forte desses? E, por ser trágico, é tão lido e sempre atual, como aquele clássico suicida shakespeariano, Romeu e Julieta. E me veio outra dúvida: como Exupéry morreu? Suicídio.
Pensei que eu iria variar o tema, mas vieram tantas lembranças de autores que trabalharam o suicídio. Até da nossa Ana Cristina César que, testemunho de vida, ou melhor, de morte, preferiu virar pássaro depois que poetizou a vida.