ELA ERA PRINCESA

Quando alguém cita o termo “princesa” nos dias de hoje, raramente está se referindo a nobreza Real da mulher aludida. Muito antigamente e ainda em alguns países, príncipes e princesas são pessoas briosas, sublimes; os quais as pessoas, via de regra, os súditos, lhes atribuem o sangue azul, como forma diferenciada das demais hierarquias sociais.

A expressão “sangue azul”, que aliás, é uma incógnita para muitos, vem de tempos remotos ao nosso. Depois que os mouros sobrepujaram a Península Ibérica, no século 8, os espanhóis – originalmente de pele bem branca, passaram a ter filhos mais escuros, como a maioria de sua população atual, devido à miscigenação com os invasores. A aristocracia, no entanto, orgulhava-se de não ter se misturado àquele povo de pele quase negra e apontava para as próprias veias, onde parecia correr sangue azul, como se isso fosse prova de uma superioridade mais briosa. De fato, o sangue humano tem aspecto azulado se visto através da superfície da pele, ainda mais se esta for clara, acentuando o contraste de cores. Daí em diante, a expressão "sangre azul" percorreu o planeta como sinônimo de nobreza. Pelo menos, foi esta a versão do inglês Michael Quinion, o papa da etimologia moderna.

O Brasil teve a sua corte instalada somente depois da chegada de Dom João VI e sua controversa esposa, Carlota Joaquina. Foi a primeira vez que o povo brasileiro teve a oportunidade de conviver de tão perto com esta gente tão diferente; e no nosso caso, tão feia e esquisita.

Dom João VI, pelas pinturas de época era um sujeito completamente desprovido de qualquer beleza física e completamente desditoso de capacidade intelectual. Casou-se com uma dragão espanhol por puro interesse da expansão dos reinos de Portugal e Espanha. Há relatos de época que descrevem o casal Real como uma quase aberração da natureza. A Carlota Joaquina, que tantas vezes traiu o Rei com todo tipo de gente, livrou alguns de seus filhos (e não dele) da maldição da feiura da casa Real portuguesa, mas alguns destes príncipes eram filhos de Dom João, como dizem ser o nosso primeiro imperador Dom Pedro I e 28º Rei de Portugal.

Dom Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, o Pedro I, sempre foi pintado em telas que o retratavam como viril e possuidor de distintos galardões. O Libertador, como ficou conhecido aqui e lá, na terrinha, era também conhecido por ter gene da mãe. Ele gostava de cortejar as moças de dentro e fora da Corte e até hoje não se sabe ao certo quantos filhos colecionou durante sua vida; mas de seu casamento oficial com a Arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena, a Dona Leopoldina, uma gordinha de face bonita e que trazia consigo as características dos nobres mais puros da Europa.

O casal Dom Pedro I e Dona Leopoldina teve 7 filhos, cada um com uma história marcante e alguns com abreviação devido a catástrofes. Dona Maria II se tornou a 30ª monarca de Portugal e morreu de seu 11º parto sem ter completado 35 anos de idade. Dom Pedro II foi nosso segundo e último imperador; e este todos nós conhecemos bem a sua história. Dona Januária Maria de Bragança morreu na França em 1901 sem ter participado de eventos históricos da Corte; quase ninguém a conhece até hoje. Dona Paula Mariana de Bragança morreu aos 9 anos e era considerada a mais feia de todas. Dom Miguel de Bragança morreu sem ter completado 1 ano; e Dom João Carlos, outro que não completou 1 ano de idade.

Os filhos de Dom Pedro I sempre foram descritos como feios e exóticos; tinham algo que lembravam os avós. A considerar a única pintura conhecida de Dona Paula Mariana, podemos dizer que eram dignos de pena. A pobre criança, pintada em 1830, um ano antes de sua morte, parecia ser um cruzamento entre o ET de Varginha e a Cuca do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Mas uma delas conseguiu se salvar no quesito de beleza, pelo menos é o que nos conta os relatos de época. Dona Francisca Carolina Joana Leopoldina Romana Xavier de Paula Micaela Rafaela Gabriela Gonzaga de Bragança foi o filho de número 4 de Dom Pedro I. Foi princesa do Brasil, Princesa de Joinvile e Infanta de Portugal. Ela nasceu em agosto de 1824 no Rio de Janeiro, no Palácio de São Cristóvão.

Teve uma infância árdua, porque perdeu a mãe ainda muito jovem e viu seu pai, o Imperador, casar-se novamente e partir para Lisboa com suas irmãs, deixando-a sozinha aos cuidados dos nobres no Brasil. Teve educação com extremo rigor e foi educada para ser uma soberana culta, inteligente e bonita.

Em 1837 conheceu o príncipe de Joinvile, filho do Rei de França com a Rainha de Nápoles. Seis anos mais tarde o Príncipe retorna ao Brasil em 1843; eles casaram-se no mesmo ano e ela seguiu com seu amado para a França.

Dona Francisca Leopoldina terminou de se educar na Corte francesa e logo ganhou destaque entre todos que estavam ao seu lado. A princesa brasileira se tornou uma das mais populares que tivera passado pela Casa Real de França e recebeu o apelido de La belle Françoise. Ela ainda viu a extinção da Monarquia francesa e tratou do assunto com a máxima altivez; negociou com os republicanos a saída da Família Real para o exílio. Seu irmão Dom Pedro II a tratava de “mana chica” e foi através dele que ela negociou suas terras no Brasil para driblar as dificuldades financeiras do exílio.

Mulher combativa e de lutas, defendia ferozmente a monarquia do Brasil e em suas muitas cartas ao irmão Imperador, ela desabafava em contrário as notícias do crescimento republicano.

A bela princesa brasileira que viveu nos palácios franceses morreu aos 73 anos em Paris, em 1889 sem ter retornado ao Brasil, um ano antes da implantação da república brasileira. Sua ligação dinástica com o Brasil se encerrou em 1908 quando seu neto, Pedro de Alcântara, já sem nenhum posto na República, renunciou a qualquer direito dinástico ao trono do Brasil; documento assinado em Cannes.

A história de Francisca de Bragança pode ter se encerrado na lápide da Capela Real de Dreux na França, mas os historiadores mais emotivos, sobretudo os que pesquisaram a vida das poucas mulheres belas e valentes que estiveram na Corte brasileira, a descrevem como um ícone diferente de seus irmãos. Inteligente e de convicções sempre afloradas, Dona Francisca viveu em nome de sua causa; esqueceu muitas vezes dos interesses dos brasileiros, mas o fez assumindo publicamente aquilo que pensava e que lutava, contrário de muita gente que ainda diz amar o país e que pratica atos muito piores do que os praticados pela princesa.

Há quem afirme que do pai nada herdou; o homem que o Brasil ainda insiste em tê-lo como herói...


Carlos Henrique Mascarenhas Pires

7 anos depois, depois da intervenção brilhante da leitora Eugênia Zerbini, a quem agradeço e aplaudo!
CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 22/01/2012
Reeditado em 08/03/2019
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