Ajudando turistas do PAN-2007
Alo turista amigo que estará chegando ao Rio em julho de 2007 não só para assistir às atividades esportivas. Também conhecer as maravilhas que a Natureza implantou aqui e que não sabemos preservar com orgulho. Nem para arrecadar divisas para a pátria.
Com certeza você pretende desembarcar sob um belo dia ensolarado desejando encontrar saudáveis corpos dourados em suas vestes mínimas. Perdoe-nos a aparente maldade, mas desejamos que seja numa época chuvosa para que você pense ter descido no meio do Rio Amazonas ou Tietê. Fique calmo: há barcos para todos.
Como helicópteros estão reservados para autoridades, infelizmente você terá de passar pela Linha Vermelha que na sua terra deve ser descrita como trilha faroeste. Logo você vai descobrir que o controle da via não está nas mãos das autoridades legais. Mesmo que seu veículo seja dotado de vidros bem escuros e com vídeo para distrai-lo será possível observar as pobres e cheirosas construções ao longo do trajeto.
Passada a angústia do trecho, o guia vai lhe anunciar a bela paisagem da lagoa Rodrigo de Freitas após o túnel Rebouças. Peça-lhe para dar duas voltas na “lagoa” da Praça da Bandeira. Pelo menos nesta, não há registro de mortandade de peixes por falta de oxigenação (limpeza) das águas. E ainda podemos encontrar alguns objetos úteis boiando.
Certamente darão uma parada no Jardim Botânico para apreciarem as lindas flores que ornamentam o local. Peça para visitar o Campo de São Cristóvão ou a Praça da República para conhecer nosso folclore. Divida sua atenção entre a arquitetura e os pivetes, que estão de olho em sua câmera digital. E no seu tênis com luzes no calcanhar.
No hotel de frente para a praia de Copacabana, Ipanema ou Barra, vão lhe oferecer a bela piscina iluminada e aquecida. Peça para dar um mergulho na praia de Botafogo ou Flamengo. Mas leve sua roupa de mergulho para não se contaminar com as fezes que bóiam no local e com os “ratos” de areia. Melhor ficar dentro do veículo tirando fotos. E se for assaltado por um pivete de 17 anos e 11 meses de idade, não reaja: ele é “di menor” e não pode ser tocado. Você vai pegar um baita processo se tentar impedi-lo de subtrair sua sacola.
Se o convidarem para visitar alguma escola de alto gabarito na Rua São Clemente, peça para fazer uma visita de surpresa na FUNABEM, para observar como é conduzido o programa de “recuperação” dos seus habitantes. Dê uma passada nas instalações abandonadas da UERJ e UFRJ. Você vai ficar deslumbrado com o sorriso estampado nas faces dos professores devido ao justo salário que recebem. Os alunos não são mudos. Apenas ainda não aprenderam línguas estrangeiras. Nem mesmo o hino da própria pátria.
Passando na frente de algum banco onde haja alguma extensa fila, certamente o guia vai lhe anunciar que estão abrindo concurso para 200 vagas na generosa instituição financeira. Mas observe com atenção se 98% dos membros da fila possuem cabelos brancos, pele enrugada, boca quase sem dentes e roupas esfoladas. Isto mesmo: são nossos aposentados que teimosamente sobrevivem para receber a “merreca” de quase 2 SM por mês, depois de pagarem 35 anos para receberem dez! Ou compram remédios ou alimentos.
Se o convidarem para alguma recepção onde estejam presentes autoridades locais de qualquer esfera, sugira uma noitada numa segura gafieira da Lapa. Se não puder ser atendido, coloque sua carteira de notas num bolso com zíper, velcro e botão. Nunca se sabe, né?
Se você está pretendendo desistir da viagem por causa deste curto relato, lembre-se que nós passamos por isto todos os dias há dezenas e apesar dos impostos em dia, não temos quem garanta nossos direitos mínimos. E você não ficou sabendo nem da metade de nossos problemas! Será que você não tem fôlego para esta emocionante aventura só por uns 15 dias?
Fique tranqüilo: até o final da competição teremos 5.000 policiais nas ruas (pelo menos nas que você usar) além da “força nacional” (?) ostentando seu obsoleto armamento. Contamos com algum pacto de irmãos entre o “estado paralelo” e as autoridades (?) para reduzir atritos horrendos que possam lembrar semelhanças com o Iraque. Depois do evento, você quase não encontrará policiais nas ruas após 20 horas, pois eles escondem-se nas delegacias com receio dos covardes ataques dos marginais enfurecidos e bem estruturados.
Com certeza você ficará deslumbrado com as instalações da vila olímpica e com a estrutura à sua volta, que a todo instante será exibida na mídia mundial. E vai pensar: isto de ter custado caro! E custou mesmo. Nada faltará aos atletas e outros participantes. Nossas escolas públicas estão sem material básico: giz, quadro, papel, canetas, clips, elásticos, carteiras, merenda, sabão, papel higiênico e similares. Nossos hospitais também: um internado para receber curativos, precisa que algum parente leve éter, álcool, gaze, algodão, esparadrapo, luvas, seringas e comprimidos diversos. Mas isto NÃO será exibido na mídia.
Por enquanto, tenha 90% de certeza de que tudo foi feito para recebê-lo bem. Na verdade, é um evento similar ao que foi realizado há 14 anos, batizado de ECO-92, com soldados a cada 10 metros nas ruas da Barra. Naquela oportunidade, foi projetado com o intuito de promover políticos e servir de ponto de apoio para o faturamento de centenas de empresas, que passaram a se intitular defensoras do meio ambiental. Suas vendas aumentaram bastante, depois que passaram a desenhar arbustos verdes nos rótulos de alguns de seus venenosos produtos. Até derrubadores da Mata Atlântica se tornaram vigilantes das florestas. E muitas pessoas acreditaram nisto.
Que sua estadia seja memorável. Ficaremos com saudades de você e de sua fisionomia de espanto a cada descoberta realizada. Quando for embora, leve o prospecto que a agência de viagens lhe forneceu e ao lado de cada bela foto exibida, anote um resumo de parte da verdade que você vivenciou. No futuro você poderá orientar um parente que tenha intenção de nos visitar. Ou até mesmo escrever um livro sobre o assunto. Neste caso, envie um exemplar grátis para nossa embaixada.
Boa sorte e volte vivo para sua terra para encontrar seus familiares.
Algo que nós não temos certeza de acontecer quando saímos de casa pela manhã.
Haroldo P. Barboza – Matemático, Analista de computador e Poeta.
Autor do livro: BRINQUE E CRESÇA FELIZ!
Vila Isabel/RJ - jan/2007