A FAMÍLIA RESTAURADA
Nestor estava literalmente no fundo do poço. A família destroçava-se a passos largos. Logo ele, defensor ferrenho da unidade familiar, presenciava o desmoronamento galopante daquela convivência que já ia lá para os 30 anos. Magda não parava em casa. As amizades eram as menos qualificadas; Léo, o filho de 19 anos, enveredara por caminhos trilhas que certamente num tempo relativamente breve o levaria, sem sombra de dúvida, a uma morte atroz; Suzi, de 12 anos (corria à boca miúda), só faltavam as penas... O coração dorido e machucado do esposo e pai procurou ajuda onde não devia. Pela orientação (ou desorientação) de um colega, encontra-se um dia num “terreiro”. As coisas pioraram. Outro lhe informa que a “mesa branca” seria a solução. A cada “visita” os relacionamentos iam de mal a pior. A vida de Nestor transformara-se num inferno.
Certo dia, um velho amigo com quem há algum tempo não se encontrava, o vê passando pelo outro lado da calçada e grita:
- Nestor! Nestor!
Nestor pára. Olhar vago, gestos desalentados e uma tristeza que se fazia notar sobremaneira.
- Que é isso meu velho? Morreu alguém? Que cara de velório é esta?
- Ah, Carlos, você não sabe? Minha família está agonizando, está morrendo, está na ante-sala do velório. Ajude-me, meu irmão! Ajude-me, pelo amor de Deus! São quase trinta anos... Onde eu errei? O que foi que não deu certo? Eu vou ficar louco!...
Carlos levou-o até uma praça sossegada, sentaram-se num banco, conversaram um pouco, e por fim Nestor prometeu ao amigo que cumpriria os seus sábios conselhos. Abraçaram-se e cada um seguiu o seu caminho.
Domingo cedinho, lá estava Nestor na Missa. Não perdia a missa dominical, embora a família não participasse nem o acompanhasse. Naquele domingo porém, não sabia porquê, mas o seu coração lhe dizia que a partir dali, daquela Santa Missa, o primeiro passo da restauração iria acontecer. Introspectivo e expectante participou de toda a celebração numa atitude de acolhimento e esperança.
As leituras foram sementes providenciais de Deus e semeadas no seu coração. Não era muito de decorar os livros e versículos da Bíblia, mas guardou uma frase da primeira leitura: “Não faças a ninguém o que para ti não desejas”. Do Salmo ele guardou: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores”. Da segunda leitura ficaram estas palavras: “O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta”. E do Evangelho ribombaram: “Vós sois meus amigos se fizerdes o que vos mando; e o que vos mando é: Amai-vos uma aos outros como eu vos tenho amado!” À maneira de Maria, Nestor guardava todas estas palavras para meditá-las na alma e no coração.
A missa prosseguia. De repente uma frase que já ouvira em todas as missas das quais participara faz eco profundo dentro de si: “Ele está no meio de nós!”; e logo alguns instantes depois: “Eis o mistério da fé!” E a certeza reacende-se em seu coração. Jesus não apaga a chama que fumega, não quebra o caniço rachado... E a partir daquele momento a vida de Nestor foi tocada pelo poder do Espírito Santo, trazendo restauração para ele e para sua família.
Ao chegar em casa encontrou-a vazia. Um bilhete apenas: “Fomos a praia. Não temos hora para voltar. MLS.”
Era a hora da prática. O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Eu amo a minha esposa, meus filhos. É a minha família. E porque amo, desculpo esta atitude deles, crendo de coração que não falta tanto tempo para esta mudança.
Crendo eu espero. Minha esperança não vai desvanecer porque eu sei em quem pus a minha esperança. E mais do que tudo: eu preciso ser o suporte para Magda, para Léo e para Suzi. Dói. Renunciar a mim mesmo dói, é o mesmo que morrer; mas eu tenho que morrer para lhes dar uma nova vida familiar, um novo relacionamento, onde o amor seja a fonte perene e inesgotável de onde beberemos a água pura da restauração e cujo nome é Deus. Amai-vos como eu vos amei! Amai-vos como eu vos amei! Somente assim sereis meus amigos... Meus amigos... E Jesus amou entregando-se.
Era próximo das 18h quando chegaram. Bronzeados, “alegres”...
- Oi meus três amores, que bom que vocês chegaram! A saudade já estrava dando ares de si. A praia estava bonita? O mar calmo? Magda, você está tão linda bronzeada! E aí Léo, tudo numa boa, filho?! E a Suzi do papai? A gatinha linda que o papai ama?
Tomando de relance a oportunidade de estarem quase que coladinhos, de tão juntos, Nestor abraçou-os e beijou cada um. Parecia não ter surtido nenhum efeito. Não demonstraram nenhuma alegria ou vibração com aquele gesto do esposo e pai.
O amor tudo desculpa... O amor é paciente... Se o Senhor não edificar a casa... Eram as reflexões de Nestor na cama, antes de dormir. Certa noite rezou o Salmo 128 com as suas palavras:
Vem Senhor, construir nossa casa!
Somos pedreiros falidos, cansados, desesperançados.
Por mais que trabalhemos com afinco, de sol a sol,
permanecemos estancados, sem sair do canto.
São tristes, e causam uma dor profunda,
os insultos e acusações dos amigos
que meneiam a cabeça quando passam por nós.
Vem Senhor, construir a nossa casa!
Nos cansamos inutilmente;
exaurimos nossas forças já minguadas e,
à semelhança de estatuetas, permanecemos inertes.
O alicerce da nossa casa fragmentou-se,
pulverizou-se, tornou-se pó.
Os tijolos que adquirimos ao longo do tempo
não tiveram o tempo necessário
para o cozimento total,
e esfacelaram-se entre os dedos.
A argamassa salitrada danificou os rejuntamentos,
e o reboco, lentamente, expôs o interior
de paredes carcomidas.
O madeirame apodreceu e a coberta ruir.
Vem, Senhor, construir a nossa casa!
Desses escombros - humanamente falando -
o que poderá surgir?
Mas tu és o Deus do impossível e do impensável,
do inconcebível e do incomensurável.
Para Ti o inimaginável se faz possível,
pensável, concebível e mensurável.
Vem, Senhor, executa o projeto que preparaste
desde antes da fundação do mundo!
Sê o arquiteto, mas também o nosso mestre-de-obras,
para que a nossa família seja edificada
sobre a rocha da tua Palavra!
Que cuidemos mais da nossa vida espiritual
e da vida espiritual dos nossos filhos,
priorizando a busca do Reino de Deus
e de sua justiça,
tendo a maior de todas as certezas:
tudo aquilo de que necessitamos
nos será acrescido,
numa medida cheia, calcada, transbordante.
De que adianta madrugar, deitar tarde, na busca
desenfreada e louca pela sobrevivência,
quando ao que Ele ama concede o pão
enquanto dorme?
Senhor, reconstrói, restaura, edifica
e guarda a nossa família!
Se assim não for, trabalharemos em vão
e seremos apenas sentinelas vencidas
pelo apelo urgente que não se viveu.
Os dias, as semanas passaram. Pareciam sem nenhuma novidade. Mas havia novidade no ar. Nestor percebera o comportamento de Magda. Não saíra mais o quanto saía. Pouco a pouco a delicadeza e a sutileza femininas afloravam outra vez...
O amor é paciente... O amor espera... Alguma coisa estava acontecendo. Deus estava agindo poderosamente no seio daquela família. Cada vez Nestor se conscientizava que Ele está no meio deles, pelo mistério de sua Ressurreição. Era a sua oração. Ele tinha certeza disso: “Tudo pode ser mudado pelo poder da oração”.
Léo e Suzi... Que mudança! Que transfiguração! O relacionamento saudável foi retomado; a dedicação de um para com o outro renasceu; o carinho, o amor, o zelo, o respeito mútuo germinaram e floresceram... Aquela família recomeçava o caminho que leva à felicidade. Recomeço devido ao amigo Carlos que, à semelhança de André (irmão de Pedro), levou Nestor até Jesus; e graças ao Nestor que não se deixou abater nem desanimar diante das vicissitudes, das provações familiares, mas soube de cabeça erguida e pés no chão, vivenciar a experiência de que “Deus só realiza o que não podemos realizar”.
É um processo. O amor não tem pressa. O amor sempre espera. Para voltar ao que eram Nestor suportou tudo. Foi suporte para Magda, para Léo e para Suzi; mas Deus foi o seu suporte. Porque ele não retribuiu o mal com o mal; porque ele deixou que o Senhor restaurasse a sua família; porque ele descobriu que ser amigo de Jesus é fazer o que Ele manda; porque Ele está no meio de nós, a família de Nestor hoje é feliz.
A praia continua sendo o divertimento preferido, mas não antes de participarem da Celebração Eucarística, partilhando juntos, unidos, da mesa da Palavra e do Pão. O Sacramento da Reconciliação reconciliou-os com Deus, consigo mesmo, com os irmãos e com o mundo.
A restauração aconteceu de dentro para fora através dos gestos e ações de um pai e esposo chamado Nestor, gestos que se fizeram sementes, germinaram e floresceram em seus corações. Família reconstruída, família transformada, família renascida, família restaurada pelo amor. Bendito seja Deus que nos reuniu no Amor de Cristo!