A FAMÍLIA E A PAZ
Percorrendo os caminhos dos meios de comunicação social, principalmente aqueles que se referem à mídia televisiva, (onde as imagens nos são mostradas dentro de uma realidade brutal) – e por que não dizer desumana e aética, imoral e amoral? Pasmamos diante de um mundo embrutecido pelas guerras que se sucedem quase que a cada instante.
E o mais deprimente reside no fato de que essas guerras também são desencadeadas no seio das famílias, tornando os seus membros imagem e semelhança do próprio inferno. Guerras onde os campos minados do ódio e do ressentimento deixam rastros de mutilados na fé; guerras onde as granadas da auto-suficiência, da arrogância e da prepotência têm alcance gigantesco, e dizimam, e matam, e destroem a esperança; guerras onde as armas químicas do egoísmo são lançadas como pó, para que cada um possa somente enxergar-se a si., cegando o amor. E tantas outras guerras, e tantas outras armas... Quantas famílias vitimadas por um sofrimento atroz!
Este texto da carta de São Paulo aos Colossences contém um roteiro maravilhoso para as famílias que querem viver em paz, e viver a paz.
Portanto, como eleitos de Deus, santos e amados... É preciso, faz-se necessário que mergulhemos profundamente neste início de roteiro. O que Deus está dizendo através de São Paulo? Dizendo não somente aos colossences, mas a todos nós, a cada um de nós hoje?
_Vocês são os meus eleitos, são os meus escolhidos.
Saibamos nós, pais e mães: Deus nos elegeu. Deus nos escolheu para que constituíssemos, para que fôssemos construtores de uma família santa. E além de santa, amada, porque aos seus olhos somos santos e amados. Temos que aprender a tomar posse daquilo que o Senhor nos fala. Somos eleitos de Deus, santos e amados. É o mistério das escolhas de Deus que não nos cabe sondar, mas acolher. E acolher com júbilo, acolher com alegria. Deus nos ama porque somos santos e eleitos. E-s-c-o-l-h-i-d-o-s e e-l-e-i-t-o-s.
Revesti-vos de sentimentos...
A palavra sentimento vem de sentir. É uma palavra que se relaciona com o que se passa dentro de nós, da nossa alma, do nosso coração. Diz respeito também às nossas emoções. Se um dia nos vestimos dos sentimentos que São Paulo enumera e pelas circunstâncias da vida perdemos estes sentimentos ao longo do caminho, ele nos adverte mais uma vez: “Revesti-vos!” Vesti-vos de novo. Vesti-vos outra vez. Vesti-vos mais uma vez de sentimentos... Porque as pessoas endureceram os seus corações, bloquearam a sua sensibilidade, e sepultaram os seus sentimentos Deus se sente obrigado a mandar este recado: “Revesti-vos de sentimentos...” O ser humano carece, necessita de sensibilidade, pois sem ela corre o sério risco de animalizar-se, brutalizar-se, estatualizar-se como a mulher de Lot nos arredores de Sodoma.
Por tudo isso torna-se urgente uma tomada de posição no âmago das famílias. É preciso descongelar o coração com o fogo do Espírito Santo. É essencial que os pais, as mães e os filhos levem em consideração estas palavras de Jesus: “Eu vim trazer fogo à terra, e como desejaria que já estivesse aceso!” Esse fogo que ilumina, que aquece, que purifica e que consome, é o Espírito Santo. Somente ele é capaz de realizar a obra de Deus no seio das famílias, da sua família, da minha família,. Somente ele tem a capacidade de degelar e sensibilizar corações endurecidos e embrutecidos pelo egocentrismo e pelo desamor. Você que é pai, você que é mãe, você que é filho ou filha, deixe-se docilizar pelo “doce hóspede da alma”. Seja dócil à sua ação renovadora e revivificante, e deixe-se transfigurar, para que a Face de Cristo resplandeça cada vez mais no mundo, recriando as famílias à imagem e semelhança de Deus.
Sentimentos de compaixão e de bondade...
Compaixão significa sofrer com, padecer com. Daí o vocábulo compadecer. Em linguagem mais corriqueira é ter pena, sentir dó, penalizar-se.
A compaixão é o sentimento por excelência do Coração de Jesus. Um coração que se condói com a dor do próximo, independentemente de quem ele seja. “Viu uma grande multidão e tomado de compaixão, curou os seus doentes” (Mt 14,14); “Ao ver a multidão, teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36).
Jesus foi envolvido e revestido de compaixão diante da viúva de Naim que perdera seu filho único. A ela Jesus diz: “Não chores!” (Lc 7,13). As parábolas do Bom Samaritano e do Pai Misericordioso, complementam o sentimento de compaixão com o qual Jesus nutria e alimentava o seu coração divino.
A compaixão é um sentimento de bondade que deve ser exercitado, treinado, vivenciado durante as vinte e quatro horas do dia. Não se desenvolve sensibilidade sem treino, sem luta, sem sacrifício. Esse exercício diário estende-se a todos os membros da família – a começar pelos pais – porque são o espelho através do qual os filhos devem mirar. E se o espelho estiver embaçado, de que maneira os filhos verão as imagens? Urge desembaçar o espelho do nosso testemunho de pais cristãos e responsáveis, recorrendo à Fonte da Misericórdia. É por ela, com ela e nela que a compaixão e a bondade haverão de se transformar no manancial onde jorra abundantemente a força que nos capacita para viver a harmonia familiar. Misericórdia que compreende, aceita, restaura, incentiva, exorta, repreende, corrige, mas acima de tudo suporta (torna-se suporte); e suportando, acolhe; e acolhendo, ama; e amando vivencia em plenitude aquilo que Deus quer.
Sentimentos de humildade e mansidão...
Nessa ocasião os discípulos aproximaram-se de Jesus e lhe perguntaram:
_Quem é o maior no Reino dos Céus?
Ele chamou para perto de si uma criança, colocou-a no meio deles e disse:
_Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus. Aquele, portanto, que se tornar pequenino como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus” (Mt 18,1-4).
Albert Nolan, no seu livro “Jesus Antes do Cristianismo”, à pagina oitenta e seis, explica: A criança é uma parábola viva da ‘pequenez’, o oposto da grandeza, do status e do prestígio. As crianças naquela sociedade não tinham absolutamente nenhum status, não contavam para nada. Mas para Jesus elas também são pessoas e devem ser levadas em conta. É por isso que ele fica indignado quando os seus discípulos as obrigam a se afastar. Ele costumava chamá-las, punha seus braços em torno delas e as abençoava, colocando as mãos sobre as suas cabeças. ‘Porque – diz ele – delas é o Reino de Deus’ (Mc 10,14). Será um reino de ‘crianças’, ou antes: daqueles que são como crianças, porque são considerados insignificantes na sociedade; não têm status, nem prestígio”.
Fiz questão de colocar este texto e o comentário correspondente para que possamos aprender com as crianças o significado da palavra humildade. O seu radical vem de húmus. Húmus é terra, é barro, é pó. As nossas famílias vivem na busca de status, prestígio, poder. Exatamente o contrário de humildade, onde estas três palavras são carentes de significado. Falando de Jesus, João Batista exclamou: “É necessário que eu diminua para que ele cresça” (Jo 3,30). É necessário que dentro da minha família (a começar por mim), eu diminua e até mesmo extermine o orgulho, a vaidade, a intransigência, a maldade, o rancor, o ressentimento, a inveja, as contendas, as discussões, para que Jesus possa crescer em mim; visto que se Jesus crescer em mim, a minha família (esposa e filhos) crescerá e Jesus crescerá também em cada um deles. E à medida que estas desigualdades forem superadas pela graça de Deus e à luz do Espírito Santo, mais Jesus crescerá em mim e em cada um dos membros da minha família, cumprindo-se assim o que ele diz no Evangelho segundo Mateus, capítulo onze, versículo 29: “Aprendei de mim porque sou manso e humilde de coração...”
Humildade e mansidão andam sempre de mãos dadas. O humilde, por si só, é manso; o manso, por si só, é humilde. Há uma complementaridade inerente que precisamos retomar. Esposos humildes e mansos, esposas humildes e mansas, filhos humildes e mansos, famílias onde a humildade e a mansidão revelam a transparência do amor,não encarnariam o terceiro e o quarto versículos das bem-aventuranças: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” e “Felizes os mansos, porque herdarão a terra?” No contexto:
_Felizes as famílias humildes, porque delas é o Reino dos céus! Felizes as famílias que se ornamentam de mansidão, porque herdarão a terra.
Famílias revestidas de humildade e ornamentadas de mansidão possuem uma característica peculiar, fundamento de toda a busca pela paz: a capacidade de perdoar. Sem perdão não há humildade; sem perdão não existe mansidão. O perdão é a medida do amor. Quanto mais se perdoa, mais se ama; quanto menos se perdoa, menos se ama. Dentro da família, o perdão torna-se o fundamento de sustentação na harmonia entre os cônjuges e os filhos. E este fundamento não pode desmoronar, não pode ruir. Não podemos permitir que a ferrugem do amor-próprio e as traças do nosso temperamento, interfiram e danifiquem este fundamento tão exortado e elogiado por Jesus. Perdoar, perdoar, perdoar, sempre, sempre.
Sentimentos de longanimidade...
À primeira vista esta palavra nos dá uma idéia de distância ou de quantidade de anos. Enganamos-nos se pensarmos assim. Longanimidade quer dizer generosidade. Generosidade que se traduz tão bem pela definição dada por Jesus nos Atos dos Apóstolos, capítulo 20, versículo 35: “Há mais felicidade em dar do que em receber”. Em outras traduções da Sagrada Escritura, lemos:“Há mais alegria em dar do que em receber”. E o que é felicidade senão a verdadeira alegria que brota do coração cheio do Espírito Santo? Pois a alegria é um dos frutos do Espírito. Enquanto a cultura do mundo tem como base e alicerce “o toma lá, dá cá”, a família autenticamente cristã tem como alicerce sólido o exercício da partilha. A partilha do amor, do carinho, da ternura, dos risos, das lágrimas, das emoções, dos sentimentos, dos bens materiais... Até a partilha da alma e do coração. Sendo o perdão a medida do amor, a partilha é a medida da generosidade. Pais e mães generosos com certeza colherão a generosidade nos seus filhos. E com firmeza de ânimo e liberalidade, anunciarão ao mundo de maneira correta e vivenciada que, verdadeiramente “há mais felicidade, há mais alegria em dar do que em receber”.
E reine em vossos corações a paz de Cristo... e sede agradecidos.
No domingo da Ressurreição à tarde, Jesus apareceu aos discípulos que estavam trancados por medo dos judeus e os saudou duas vezes: “A paz esteja convosco! A paz esteja convosco!” (Jo 20,19.21). Na quinta-feira santa Jesus definira a paz com que os presenteava: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou” (Jo 14,27). Jesus quer nos dar a sua paz. Ele quer que vivamos em família construindo essa paz a cada instante. Uma paz que não tem o significado de ausência de guerra, mas embora havendo guerras exteriores ou interiores, nada perturbe os nossos corações. Porque esta paz que ele deseja semear entre as famílias é um fruto do seu Santo Espírito. E esta paz enfim desabrochará quando as famílias e o mundo perceberem que é descendo em nós mesmos que a alcançaremos, revestindo-nos de sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão e generosidade. Quando isto acontecer... Demos graças a Deus!