A VISÃO ESPÍRITA DO CASAMENTO

Já explanei sobre o tema em outras oportunidades. Desta vez, é a propósito da conversa de há algum tempo atrás com grande amiga, com quem divido agradáveis reflexões e insights sobre o lado mais espiritual das nossas vivências.

Comentávamos sobre relacionamentos conjugais, e sobre como se torna difícil conviver com a faceta do ciúme, mais evidenciado em algumas relações do que em outras. Evocando experiências particulares e as de que pudemos tomar conhecimento, chegamos a uma constatação em comum: o maior problema do ciúme, fora de um contexto aceitável dentro das convivências amorosas, é a exacerbação do sentimento - melhor dizendo, da ilusão - de posse de um outro ser humano, sob o pretexto do "até que a morte os separe", ou de um conceito distorcido do que seja aquilo que se entende como o "amor eterno", entre as almas gêmeas.

Ora; amor eterno, mesmo entre almas gêmeas, imprescindível lembrar, se dá dentro de um pressuposto irrestrito de liberdade, e, antes de tudo, de respeito pela liberdade daquele com quem interagimos. A afinidade fulminante e a sintonia energética entre as almas gêmeas não é imposta por nenhuma das partes envolvidas - acontece dentro de um ritmo de naturalidade e espontaneidade absolutas, que os aproximam em função da atração existente entre dois seres que querem, prazerosamente, ficar juntos. Isto se dá num contexto completamente diverso daquele sugerido pela oficialização institucional do casamento: a partir do momento em que os cônjuges assinam o contrato nupcial, estabelece-se algo muito distanciado da essência do amor, na sua versão mais sublime, que é, ou deveria ser, a liga mestra de qualquer união - sob o apanágio incontestável da liberdade de escolha. E isto nada tem a ver com assinaturas e com juras verbais pronunciadas durante o momento de embriaguez emotiva proporcionada pelos cerimoniais idílicos do matrimônio.

Amor se nutre de vida - não de juras, e de assinaturas em papéis que, passados dez anos, já estarão rotos, na mesma proporção em que as próprias juras e trocas sentimentais em comum, em não sendo devidamente regadas, em decorrência dos frutos nem sempre doces da convivência e do amadurecimento cultivado com a comunhão das experiências divididas nos reveses, muitas vezes ásperos, do dia-a-dia.

Toda esta ordem de considerações me fez evocar o conteúdo de um dos meus livros, ainda a ser publicado, "Elysium", que descreve os detalhes cotidianos da vida numa das estâncias espirituais acima da crosta material terrena.

Há uma passagem onde a personagem principal, tendo retornado à cidade invisível já há algum tempo, e tendo reencontrado, ali, o seu consorte espiritual, - o verdadeiro: a sua alma gêmea em termos de sintonia e de afinidade evolutiva, esta personagem se vê, então, na eventualidade de visitar o ex-marido, provindo da última jornada material de ambos, quando ainda reencarnados.

O trecho da história descreve a extrema sutileza a que ela (espírito mais esclarecido acerca da amplitude da vida eterna, com todo o seu repertório de vivências, que vêm nos exigir reformulação, por vezes drástica, de conceitos e de atitudes) tem de recorrer para lidar com a estreiteza de conceitos daquele ex-marido, que atravessa os portais da morte contando que, uma vez do "outro lado", ainda terá direitos sobre a esposa, continuando indefinidamente um histórico que se prendia apenas ao aprendizado de uma vida física, não necessariamente tendo que se estender para além dos portais da matéria, a menos que, de comum acordo, houvesse unidade de sentimentos e de propósitos, de ambas as partes, neste sentido.

É passagem que ilustra bem a utilidade prática de, mesmo enquanto ainda com a consciência confinada na faixa mais densa de impressões impostas pelo contexto material da existência, nos inteirarmos, em nosso próprio benefício, da real e vasta riqueza, inerente aos destinos do nosso aprendizado rumo às luzes maiores da vida.

Saber que a família, constituída no período corpóreo, reúne em comum almas empenhadas ativamente no seu próprio burilamento: na resolução de pendências e de desacertos em comum; em trabalho de apoio e assistência mútua, quando nos casos das afinidades naturais, e em esforço de harmonização, naqueles outros em que o que se dá são as antipatias gratuitas, as convivências difíceis; os dissabores rudes entre cônjuges que muitas vezes se perguntam em função de que se deu uma tal união, se tantas são as contrariedades na vida em comum.

Por fim, compreender que, se o estágio terreno é mero capítulo num histórico imenso e repleto de lances, já incontáveis, havidos entre milhares de seres que, no correr da eternidade, estabelecem conosco contatos e vínculos, imprescindível se faz assimilar a noção de liberdade evolutiva máxima para cada participante, nos rumos da trajetória infinda, e a cada novo episódio entre o céu e a Terra - evitando-se, assim, o erro grave de se querer agrilhoar corações, necessitados de alimento novo para o seu avanço no domínio espiritual mais vasto, que a cada um de nós aguarda, e que não se prende, em nenhuma hipótese, às nossas ilusões emocionais e afetivas acerca daquilo que vem a ser o matrimônio físico, e o que é, de fato, o verdadeiro matrimônio - o espiritual. Porque este haverá de se dar para nós, um dia, tão espontaneamente quanto o girassol se volta para a luz do astro rei - acima das convenções mundanas, dos enganos, e das ilusões sentimentais oriundos de uma visão imatura do amor, e de papéis e de juras proferidas naquele momento mágico, em que cada um intui, não de maneira totalmente errônea, que nos estão destinados, nos caminhos tortuosos das vivências conjugais, o príncipe ou a princesa encantados dos contos de fadas...

Com amor,

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 08/01/2007
Reeditado em 08/01/2007
Código do texto: T340167
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