A ÚLTIMA CERVEJA
A ÚLTIMA CERVEJA
Por Aderson Machado.
Meu saudoso e querido velho pai viveu toda a sua longa vida a trabalhar. Mas como ninguém é de ferro, ele costumava, nos finais de semana, tomar umas cervejinhas com os seus amigos e parentes. Nessa história toda só havia um porém: Meu pai só tomava cerveja natural; de preferência, tirada da grade mesmo! Pois podem acreditar.
A explicação pra esse fato é muito simples. Como meu genitor sempre morou e trabalhou na zona rural, numa época em que não havia energia elétrica, as bebidas, de uma maneira geral, eram todas naturais. Quer dizer, não eram geladas. Dessa forma o meu pai se acostumou a ingerir bebidas na temperatura ambiente. Desde criança, evidentemente.
É bom frisar que nem mesmo com a chegada da energia elétrica à nossa casa e, por conseguinte, a disponibilidade da geladeira, o meu progenitor continuou irredutível: não aceitava beber nada que fosse gelado. Nem água! A propósito, ele costumava dizer alto e bom som: “Eu não gosto de nada gelado, e não é agora que eu vou mudar de opinião. De jeito nenhum”. Nesse caso, fazer o quê? Tínhamos que aceitar, de bom grado, essa sua preferência.
Afinal de contas, quando chegou energia elétrica em nossa propriedade, ele já tinha mais de oitenta anos! Então, tornar-se-ia difícil convencê-lo de que o gelado era uma coisa boa, pra não dizer que fazia parte da modernidade.
Diante do exposto, devo dizer que quando eu ia beber com pai uma cervejinha, ao chamar o garçom tinha que fazer dois pedidos: uma cerveja gelada pra mim, e uma natural pro meu pai. É claro que os garçons, a princípio, estranhavam essa atitude. Podiam até pensar que o meu genitor estava com a garganta inflamada ou coisa que o valha. Qual nada. Era esse mesmo o ritual toda vez que nos encontrávamos para saborear a “loira gelada”, pelo menos para mim.
Ainda em se tratando de beber, o velho Firmino costumava dizer que em toda sua vida de bebedeira, o máximo que bebeu foram três cervejas em um dia. Destarte, inferimos daí que ele bebia controladamente, ou melhor, socialmente. Era do tipo que sabia quando começar bem como terminar, e que ninguém insistisse para que ele bebesse mais, que ele não o fazia.
Na verdade, o meu genitor não fazia da bebida um fim, senão um meio de passar o tempo, divertir-se, e jogar conversa fora com os seus pares. Nada mais que isso.
Em se tratando de beber, eu não sei dizer, evidentemente, quando, onde e com quem meu pai bebeu a sua primeira cerveja. Isso não importa nem vem ao caso, até porque ele mesmo talvez não se lembrasse desse fato, deveras remoto, e muito menos os seus detalhes.
No dia 1º de julho de 1996, meu pai perdeu sua fiel esposa, depois de 61 anos de uma boa convivência. Ele tinha quase 96 anos de idade. A partir desse fato, ele perdeu o sentido de viver, ficou desgostoso da vida, e a depressão começou a atingir-lhe.
Apesar desse estado de coisas, no dia da missa de 7º dia do falecimento de minha querida e inesquecível mãe, em 8 de julho de 1996, fomos à beira mar, mais precisamente à praia de Tambaú, e lá ele pediu para tomar uma cerveja. Estávamos apenas nós dois.
Para não fugir à regra, chamei o garçom e pedi-lhe duas cervejas: uma bem gelada para mim, e outra tirada da grade- a pedido do meu próprio pai- para ele, que a ingeriu sem fazer nenhuma careta, como sempre o fazia.
Apesar de ter uma boa saúde, meu genitor foi vencido pela depressão, e com menos de um ano depois, no dia 27 de maio de 1997, faleceu.
Essa foi, a bem da verdade, a sua última cerveja!