A salvação diante das câmeras

Igreja adventista derruba o preconceito contra a televisão e investe no mercado televisivo como ferramenta evangelística

O calor daquela noite em Belo Horizonte não deixava Beatriz dormir. Impaciente, a mulher saiu do quarto e sentou-se no sofá da sala diante do televisor. Ela ligou o aparelho, selecionou qualquer canal e, pela primeira vez, começou a ouvir só o áudio de um programa adventista, pois seu aparelho estava captando mal. Depois daquela noite, Beatriz não conseguiu mais parar de assistir aos programas. Batizou-se no ano passado.

A vida doméstica em Cuiabá sempre deixou Gilva insatisfeita. Em uma tarde, revoltada com os deveres do lar, ela abandonou as panelas e decidiu assistir televisão. Evangélica, Gilva procurou um programa que fosse de acordo com suas idéias, logo encontrou o canal adventista. Não bastou mais de um programa para a primeira visita à igreja. Oito meses depois daquela tarde, Gilva se batizou.

Esses e outros casos se tornaram a razão pela qual a Igreja Adventista do Sétimo Dia abandonou as críticas e censuras em relação ao uso da televisão. Enquanto há décadas os meios de comunicação eram visto como a “caixa do demônio”, hoje, já exorcizados, são utilizados como ferramentas para a pregação do evangelho. Segundo o pastor e apresentador do programa Lugar de Paz, Jobson Santos, a Igreja está mais preocupada com a salvação das pessoas do que com os veículos que elas são alcançadas. “Se for salva uma alma, qualquer trabalho já valeu a pena”, declara.

Para a maioria dos membros da igreja não há problemas ou preocupações quanto ao uso dos meios de comunicação no trabalho evangelístico. Quem afirma isso é o professor de estudos em religião de Joinville, Érico Tadeu Xavier, doutor em Teologia Ministerial. “Existe uma grande aceitação por parte dos membros leigos da igreja com respeito ao uso da mídia para a pregação do evangelho”.

Entretanto, o professor Sérgio Klein, bacharel em Comunicação Social, contesta aos argumentos de Xavier mencionando que há divergências nas opiniões dos membros devido à questão cultural. Klein diz que muitas vezes os critérios de desaprovação dos veículos estão mais baseados na resistência financeira do que propriamente no uso da mídia. “Para muitos é mais próprio investir dinheiro na construção de uma igreja, que vai atender a uns 200 membros, por exemplo, do que investir o mesmo dinheiro em uma rádio, ou um programa televisivo, que vai divulgar a igreja a milhares de pessoas”, revela.

Santos analisa o evangelismo pela televisão como uma das ferramentas mais eficazes de pregar o evangelho. “Vejo que a televisão pode ajudar a fortalecer a fé das pessoas”, assegura. Ele conta ainda que o preconceito com os meios de comunicação de massa já existiu, mas com o avanço da tecnologia vem desaparecendo. “Como profissional de TV nunca fui destratado ou desrespeitado. Os programas sempre foram bem aceitos pelo público”, revela o apresentador.

O editor de notícias da Revista Adventista, Michelson Borges, diz que a Igreja parou de criticar a televisão a partir do momento que percebeu que o instrumento em si é neutro. Ele afirma que o mal está em quem o utiliza. “O aparelho é inofensivo. A TV não é o problema; a internet, idem. O problema são os programas vinculados por meio dele”, declara. Borges acredita que a responsabilidade de transformar o veículo numa ferramenta positiva é do telespectador. “A recomendação da igreja, baseada na Bíblia, é que analisemos tudo e fiquemos com o que é bom. Embora se saiba que a maior parte da programação televisiva seja "alimento de má qualidade", garimpando bem ainda se pode encontrar algum conteúdo aproveitável”, propõe.

Analisando o preconceito da Igreja com os meios de comunicação de massa, o professor Ruben Holdorf, mestre em Educação, afirma o seguinte: “Quem teima em indicar como inventor da TV, do rádio e da internet é o diabo, encontra-se ao lado dele, desprezando a sabedoria divina”. Segundo Holdorf, o inimigo do homem não cria nada, apenas deforma, por isso, a mídia não deve ser taxada de demoníaca. “As pessoas fazem um redemoinho, mesclando a pobre e ridícula programação artística – novelas, filmes, talk shows, programas de auditório, humor negro e sensacionalismo policial - com a busca pela verdade promovida pelo jornalismo sério”, explica ele.

Luz, câmera e evangelismo

Outro fator que serve de estímulo para o uso da mídia é sua característica de alcance imediato. O número de pessoas atingidas pelas mensagens televisivas é significativamente maior que pelo método convencional. “O evangelismo pela mídia é caro. Mas é mais eficaz que o tradicional, especialmente se levarmos em conta o grande número de pessoas a serem atingidas”, defende Klein.

O comunicador crê, ainda, que a produção televisiva adventista trabalha para mostrar as pessoas que a sua mensagem é superior aos índices de violência, doenças letais e problemas de relacionamento familiar. “O conteúdo da programação adventista ensina que conhecer e viver com Deus é uma excelente proposta de vida”, garante.

Desde 1863, quando a Igreja Adventista foi organizada pela primeira vez, todos os meios de comunicação que existiram foram usados. De acordo como o jornalista Siloé de Almeida, departamental de comunicação da Associação Paulista Central, a modernização das mídias – TV, rádio e internet – causou medo de secularização para os que vivenciaram o processo de evolução, e para muitos ainda hoje. “Os homens no passado chegaram a ter medo dos meios de comunicação. E, alguns têm medo até hoje. Em resumo, a igreja como organização sempre buscou a vanguarda da comunicação”, lembra.

No entanto, Klein relata que a Igreja ainda é muito crítica quanto aos veículos e sua programação, precisando oferecer aos seus membros mais programas de qualidade, a fim de mantê-los longe daquilo que considera permissivo. “A Igreja não apresenta uma proposta que substitua a programação já existente. Se só sabe criticar, mas não é capaz de produzir algo que seja atrativo as pessoas, mesmo tendo o melhor de todos os “produtos”, que é Cristo e os evangelhos, então está fazendo um trabalho falho, pois a vida cristã deveria ser por si só um apelo a vida das pessoas”, opina.

O resgate

Os veículos de comunicação de massa, na maioria, servem como emissores de valores e ideologias prejudiciais à sociedade como um todo. Apesar disso, o papel da igreja, que se autoproclama a Igreja Remanescente, não pode parar ou deixar de existir. “Se a mídia transmite mensagens não apropriadas em grande quantidade, a igreja deve fazer o mesmo com mensagens que edificam e que salvam”, sugere o teólogo Érico Xavier.

Xavier ainda apóia os investimentos da Igreja em mídia. Ele justifica sua posição citando que todo o trabalho é plausível desde que o foco permaneça no evangelismo. “Apóio os projetos da Igreja por meio da mídia. E, acredito que precisamos usar todos os meios e métodos possíveis – desde que sejam lícitos – para a propagação da mensagem para esses últimos dias da história do mundo”, declara.

“Tenho certeza que Deus não precisa dos recursos da mídia para evangelizar todas as pessoas”, confessa Almeida. “Mas, se os recursos da mídia estão aí é porque Deus os providenciou por sua infinita sabedoria”, completa o jornalista, indicando a mídia como instrumento divino para a pregação do evangelho.

Segundo o jornalista Ivan Schmidt, o trabalho evangelístico seria mais difícil sem os recursos da mídia universalizada. Porém, não impossível. “Sabemos que essa obra conta com força superior à vontade humana”, confia. Schmidt reconhece que os meios de comunicação de massa são vitais para a conclusão da última profecia bíblica. “Ao comparar os resultados obtidos pelos grandes evangelistas do passado com os que podem ser alcançados atualmente, não há como desmerecer ou descartar o apoio dos meios de comunicação modernos. Felizmente, os dirigentes da IASD compreenderam a necessidade de usá-los”, ressalta.

Cabreira

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Enviado por Cabreira em 07/01/2007
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