Resposta à carta de um maçom
A CARTA DO MAÇOM
A IGREJA DE ROMA, O INCERTO AMANHÃ
Tão numerosos e generalizados são os medos da Igreja moderna hoje que ela vive num verdadeiro estado de sítio. Mas um medo em particular, por trás de todos, dita e condiciona os outros: “O medo da mudança”, de conceitos.
Por toda a vida até hoje, a Igreja constituiu um edifício único, ostensivamente unificado, monolítico. Uma espécie de autocracia que supostamente preside sua auto definida esfera de espiritualidade. Essa, porém, é a imagem que a Igreja conseguiu plasmar em nossas psiques individual e coletiva. Mas essa imagem resulta apenas de hábitos de pensar. Um tipo de inércia mental.
Por exemplo, pensamos nos EUA como uma única entidade monolítica que parece ter existido desde tempos imemoriais. Tendemos a esquecer que ainda faz 140 anos os EUA estiveram por um fio da fragmentação em dois países diferentes e que há pouco mais de um século nem existia.
Os mesmos princípios, os mesmos processos mentais, governam a maneira como vemos a igreja. Segundo a tradição católica, Jesus voltou-se para Pedro e declarou que sobre aquela pedra construiria sua igreja. Segundo a mesma tradição, Pedro foi o primeiro Papa, o primeiro, numa sucessão apostólica de líderes espirituais que se estendeu numa continuidade intacta e ininterrupta desde a aurora da era cristã até o presente. NA VERDADE HISTÓRICA, PORÉM, TAIS AFIRMACÕES SÃO BOBAGENS.
Até o século IV, a forma de cristianismo que encaramos como “catolicismo ortodoxo” não era nada disso. Ao contrário, era apenas uma das numerosas formas de crenças cristãs cada uma disputando com a outra a supremacia teológica, social e política; e só quando um desses sistemas emergiu como ortodoxia os outros se tornaram, por definição retroativa, “heresia”.
Contudo, mesmo depois que a Igreja de Roma saiu vitoriosa sobre as outras formas de crença cristã, tinha pouquíssima semelhança com a igreja que conhecemos hoje. A designação de “PAPA”, só passou a existir no fim do século IV, quando Siríaco I (384-99) a adotou pela primeira vez. E até meados do século V a igreja romana era a antítese do monolito. Na verdade, era inteiramente descentralizada, e o chamado “Papa” não passava de Bispo de Roma, um, numa multidão de bispos. Na melhor das hipóteses, poderia ser encarado como o proverbial “primeiro entre iguais”, equivalendo a grosso modo a um primeiro-ministro; e os bispos e patriarcas de jurisdições como Antióquia, Alexandria e Constantinopla exerciam uma autoridade comparável.
Mesmo mais tarde, quando o Papa surgiu como centro de poder da igreja, seu status como tal era em grau significativo apenas nominal. Às vezes estando sujeito e subordinado às decisões dos concílios da igreja. Até 1870, sua possível subordinação a Concílios da Igreja podia pelo menos ser discutida, como a demonstram as controvérsias da época entre galicanos e ultramontanos. Só nos anos desde 1870, com a perda de domínio secular da igreja, o papado sob os auspícios de Pio IX impôs e obteve seu poder supremo e autocrático no Concílio Vaticano I e obteve a aprovação do dogma de infalibilidade o que possibilitou formar a estrutura monolítica que conhecemos hoje. (O Vaticano I não foi um Concílio livre. Ao contrário, caracterizou-se por ameaças, intimidação e coerção).
A pedra de toque de uma religião, filosofia ou sistema político está na quantidade de luz que tenham sabido infundir na alma humana; está na proporção em que tenham conseguido tornar melhor o homem.
Com sua rígida adesão ao dogma e sua deliberada indiferença às realidades da civilização contemporânea, essa estrutura monolítica não mais parece adequada a um crescente número de pessoas.
As críticas não vem apenas de comentaristas hostis ou observadores distanciados e desinteressados. Vem dos próprios fiéis da igreja, muitos dos quais sofrem aguda aflição e crise de consciência com os conflitos interiores provocados entre as inevitáveis pressões do mundo em volta e a igreja à qual anseiam por continuar leais, mas que parece indiferente ao seu dilema.
Em muitas esferas, a Igreja parece não apenas fora de contato com as exigências do mundo moderno, mas num bizarro estado de negação psicológica como se seguisse seu próprio programa com a determinação de um robô, antolhando-se deliberadamente, forçosamente, para as necessidades bastante concretas em sua congregação.
São demasiados os casos em que a Igreja parece haver esquecido que possui uma congregação de seres humanos com sentimentos, fraquezas e necessidades humanas e adere com a implacável imperturbabilidade de uma máquina a um programa de “salvação” ingenuamente idealista, que poderia ter sido formulado por um computador.
Mas alguma forma de mudança, parece, será irreversível se não quiser deixar de fazer parte relevante da história tal como ocorreu ao Sacro Império Romano. Em sua face pior, a Igreja constitui, como muitas vezes no passado, uma tirania tão grande, opressiva, nociva e monstruosa quanto a de qualquer tirania secular. Na face melhor, busca oferecer consolo, refúgio, conselho, caridade, apoio, compreensão, por caminhos nem todos necessariamente religiosos, mas que conduzem ao senso sagrado. Mas reivindicar para si, no mundo moderno, o monopólio definitivo da verdade e mais ainda da salvação é uma arrogância tal que justificaria os Cátaros da idade média que viam Roma como criação do demoníaco “Rex Mundi”, expressão última do mal.
Á medida que se aproximava o atual milênio, a Igreja anunciava sua intenção de admitir e desculpar-se pelos excessos do passado. Chegou a haver rumores de que pretendia se desculpar pelos crimes da Inquisição ou, pelo menos, pelas tendências fanaticamente sádicas e piromaníacas demonstradas pela Inquisição nos primeiros séculos de sua existência e que algumas de suas vítimas, como Giordano Bruno, Galileu entre outros seriam reabilitados.
Mas a desculpa, como um mero gesto, muitas vezes pouco mais é que um adjunto da moda, em nossa época, do politicamente correto. Oferecer fáceis pedidos de desculpas por erros e atrocidades do passado tornou-se uma voga em nosso tempo. Há pouco sentido em pedir desculpas pela morte dos Cátaros há muito mortos quando não há ninguém para beneficiar-se. E se a própria Igreja aspirar a parecer “mais limpa”, mais civilizada, mais humana em conseqüência disso, deverá fazer bem mais do que se desculpar. Deverá também arrepender-se e expiar. Esses arrependimentos e expiações devem ter repercussões que se apliquem não só ao passado, mas, também, ao presente.
A Inquisição ou, para citá-la no seu nome atual, A Congregação para a Doutrina da Fé, não é ou não representa o pensamento de toda a igreja pensamos nós. Trata-se de um aspecto da Igreja embora devamos reconhecer que, para muitos, seja a própria Igreja. É a Congregação especificamente, tanto quanto à Igreja em geral, que deve arrepender-se e expiar o passado.
Desde a sua mais antiga cristalização a religião organizada tentou tratar de duas esferas do desconhecido, e explicá-las: - a que está dentro da humanidade e a que está além, no mundo natural e no cosmos em geral. A civilização ocidental evoluiu, o terreno que compreende os dois desconhecidos tem sido cada vez mais bem mapeado pela ciência e pela psicologia e psicanálise Esse terreno não é mais tão desconhecido quanto outrora parecia e a religião organizada tem recuado dele em conseqüência disso. No desconhecido que está além, a religião organizada recuou com relutância diante do aparentemente inelutável avanço da ciência. No desconhecido que está dentro da humanidade, a religião organizada tem sido cada vez mais contestada e jogada na defensiva pela psicanálise e psicologia. Nas duas frentes, a religião organizada tentou efetuar uma retirada tão ordenada quanto possível.
Contudo, apesar das invasões da ciência e da psicologia e psicanálise, apesar da retirada combatente da religião organizada, vastos tratos de território continuam desconhecidos, interna e externamente.
O desconhecido pode parecer recuar fugidiamente para longe, mas é improvável que algum dia desapareça por completo, que algum dia seja inteiramente cartografado. A religião organizada ainda pode ter um papel a desempenhar em nossas vidas, em nossa sociedade, em nosso mundo. Para os milhões que se voltam para ela em busca de alívio, consolo, caridade, compreensão e mesmo sabedoria, a Igreja não precisa ser reduzida à irrelevância ou jogada no obsoleto lixo da história como o antigo sacro Império Romano.
A pedra de toque de uma religião, filosofia ou sistema político está na quantidade de luz que tenham sabido infundir na alma humana; está na proporção em que tenham conseguido tornar melhor o homem e a humanidade. Portanto, parece-nos que a Congregação para a Doutrina da Fé para não cair no obsoletismo, além de fazer um mea culpa pelas ações do passado deverá buscar construir pontes mais novas e mais fortes com os demais credos, com os demais praticantes do bem como a Maçonaria e bem assim a ciência, a psicanálise e a psicologia.
Isto sem nos referirmos às consequências decorrentes dos possíveis contatos de nossa humanidade com seres de outras estrelas o que virá a precipitar a reformulação de um sem número de conceitos sobre os seres viventes e o nosso planeta. E daí talvez decorra um outro olhar sobre todas as religiões.
Mas, o grande desafio do catolicismo e de outros credos constituídos, seu principal desafio será o de, principalmente, respeitar o livre pensar e a busca da verdade, verdadeiro fantasma que os tem assombrado ao longo dos séculos. Acreditamos firmemente que o êxito com esses desafios irá determinar o futuro da fé católica e, porque não dizer, de outros credos em nosso século.
TFA (Tríplice e fraterno abraço)
(o nome do remetente foi omitido, por uma questão de ética).
A RESPOSTA DO TEÓLOGO
Amigo,
Embora eu não o conheça, permita-me chamá-lo de “amigo”. Não sei de que forma, mas numa dessas voltas que o mundo dá, seu texto caiu nas mãos de uma pessoa amiga, um irmão de fé, que ao lê-lo sentiu um certo desconforto por suas palavras contra a Igreja, na qual ele e eu somos batizados, e me pediu que lesse e desse meu parecer, O que faço agora.
Você começa falando em medos e incertezas. Como você deve saber, esses sentimentos de insegurança fazem parte do espírito de todas as pessoas e – de certa forma – são transmitidos às instituições onde elas interagem. Assim, os temores das organizações – e aí se perfilam os medos da Igreja, são reflexo dos medos de seus membros. A moderna psicologia, aplicada às relações humanas, afirma que “o ser humano busca as mudanças do mesmo jeito que as teme”. Procura e rejeita... Você se engana, por desconhecimento ou deliberadamente, afirmando que a Igreja rejeita o contributo das ciências. É sinal que não leu a Encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão) do Papa João Paulo II, 1998.
Temos que ver na Igreja dois movimentos: o humano e o divino. O divino é o poder de Deus, que através do Espírito Santo fundou e preside a Igreja. O humano são as pessoas que nela militam, com seus temores e vacilações, mas também com sua fé e esperança...
Não consegui descobrir em que fundamentos você se firma para dizer – de forma irreverente e até desrespeitosa – que a história da Igreja é “bobagem”.
O ato de Jesus declarar Pedro como “cabeça” da Igreja não ocorreu, como você diz, “segundo a tradição”, mas está contido na Bíblia Sagrada, Novo Testamento, Evangelhos. Pedro, no princípio não foi chamado de “papa”, pois esta expressão ainda não era usada; ele foi reverenciado e obedecido como o primeiro “chefe espiritual” daquela ekklesia (grupo de pessoas reunidas/convidadas para um determinado fim) incipiente que se instaurava, a partir da Palestina, depois de Roma e por fim, do mundo inteiro. Ele foi chamado de Cefas (ou Kefas) que pode ter dois sentidos: “rocha” ou “cabeça”.
Há um erro doutrinário e histórico quando você afirma depreciativamente que o Bispo de Roma era apenas o “primeiro entre iguais”. A partir de Pedro era dele que saiam as ordens, as diretrizes do apostolado e a capacidade de mediar conflitos. Sugiro uma leitura atenta no livro dos “Atos dos Apóstolos”. As portas do inferno nunca lograram sucesso contra o trabalho de Pedro.
A Igreja já era una, santa, católica, apostólica e romana desde os primeiros séculos, atuando sub Petrum (sob o poder do Papa). A expressão papa (papas e patér) tem suas origens no latim e no grego, e ambas apontam para um sentido carinhoso de pai ou papai.
Você se engana redondamente quando alude o surgimento do uso do título “papa” a partir de Ciríaco (séc. IV). Você deve ter confundido Ciríaco com o papa Sirício, um santo anacoreta, em cujo pontificado não há relatos de nomenclaturas.
Na verdade a história eclesiástica ensina que, por instrução do Papa Gregório VII, no século XI (1073), o título Papa passou a ser de uso exclusivo do Bispo de Roma, o Chefe da Igreja. Mesmo assim, a História da Igreja afirma que São Clemente I († 97), já era chamado de “primeiro Pai Apostólico”. Clemente é o quarto na sucessão de Chefe da Igreja (Pedro, Lino, Anacleto e Clemente).
Os patriarcas de algumas Igrejas eram autoridades locais, submetidos hierarquicamente a Roma. Em tempo: É Antioquia e não Antióquia.
Você comete uma série de equívocos ao se referir a “ortodoxia” (no século IV ???) e ao afirmar (sem base histórica) que a “...a Igreja de Roma saiu vitoriosa sobre as outras formas de crença cristã, tinha pouquíssima semelhança com a igreja que conhecemos hoje...”. Sinto-me obrigado a assinalar seus equívocos, cometidos não sei sob que propósitos, pois tais incorreções podem levar algumas pessoas a formar juízos distorcidos. Se você não sabe ensinar a doutrina correta, por favor, não se arvore a mestre de coisas que desconhece! Só os papalvos falam do que não sabem...
Em seu afã de denegrir a imagem da Igreja, você investe de forma furibunda contra o Concílio Vaticano I, afirmando que “o Vaticano I não foi um Concílio livre. Ao contrário, caracterizou-se por ameaças, intimidação e coerção”. Esta é sua visão, particular, sem fulcro e nenhum foro doutrinário ou de senso comum. Não sei de que documento confiável você tirou base para essa afirmação.
Em 1870 (ano do Concílio Vaticano I) vivia-se a época da “cristandade” com o cristianismo como “religião oficial”, não tendo amparo sua afirmação de “perda do domínio secular da Igreja”. Você erra de novo ao aludir ao Santo Padre Pio IX (1846-1878) o desejo de obter – mediante dogma – a credencial da infalibilidade.
Esta era uma idéia que vinha sendo gestada dentro do pensamento da Igreja há vários séculos, baseada nas palavras de Jesus, no sentido de uma perfeição espiritual para a Igreja. A idéia dessa “infalibilidade” já era aventada antes do Concílio, pelo Papa Gregório XVI (1831-1846), Os detratores da “infalibilidade papal” agem às vezes como cachorros uivando para a lua. Fazem-no sem saber por que fazem. Ao contrário do que você afirmou,
O Concílio (Vaticano I) configurava assim uma efetiva reunião da Igreja universal. (in: R. FISCHER-WOLLPERT, “Léxico dos Papas. De Pedro a João Paulo II”. Ed. Vozes, 1991).
Na verdade, a “infalibilidade papal”, instituída pela Constituição Dogmática Pastor Aeternus, (Vat. I, 1870) pode ser exercida pelo Papa quando fala Ex-Cathedra (na cadeira de São Pedro), juntamente com o Colégio Universal dos Cardeais e sob a iluminação do Espírito Santo. A infalibilidade referida aponta sempre para assuntos de fé e moral. Ao Colégio dos Cardeais dá-se o nome de “Sagrado Magistério”. Não confundir essas manifestações com discursos, homilias ou encíclicas papais. Tanto que nos últimos sessenta anos, houve apenas um pronunciamento dogmático nesse sentido, quando o Papa Pio XII (1950) proclamou o dogma da “Assunção de Maria”.
O Santo Padre é infalível, nunca é demais repetir, quando fala “ex cathedra”. Diferente do que dizem nossos detratores, no caso de Galileu Galilei nunca houve um pronunciamento papal “ex cathedra”.
Vou falar agora em alguns “cavalos de batalha” dos inimigos da Igreja: a questão dos Dogmas e da Inquisição.
Primeiramente, vamos conceituar a palavra dogma. O verbete dogma aparece como ponto fundamental de uma doutrina religiosa, apresentado como certo e indiscutível, cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem questionar, como por exemplo, o dogma da Santíssima Trindade
Dogma nem sempre foi uma palavra de trânsito religioso. Seu uso profano, desde a Antiguidade Grega (séc. V a.C.) apontava para “decreto”, “conselho” ou “algo bom que devia ser seguido”. Os gregos diziam que dogma era algo decorrente de uma verdade. Ora, todas as sociedades, religiosas e profanas tem seus regulamentos, ou melhor, seus dogmas. Eu disse que todas as sociedades humanas tem seus dogmas. Antes de prosseguir, você sabe quais são os dogmas da Igreja?
A Igreja Católica tem vários dogmas, exarados através dos tempos, a partir de suas autoridades, agrupados em oito grupos, a saber:
1. Deus (uno e trino → Santíssima Trindade)
2. Jesus Cristo (Deus e homem de verdade)
3. A criação como obra divina
4. O ser humano como criatura à imagem de Deus
5. Os dogmas marianos (a Imaculada Concepção e a Assunção de Maria)
6. A Igreja e o Papa
7. Os Sacramentos
8. A escatologia (vida depois da morte, ressurreição, etc.).
É só a Igreja Católica que tem suas leis (dogmas)? O clube que freqüento tem seus regulamentos, aos quais eu sou obrigado a aderir sob pena de exclusão. O clube de futebol, cujo estádio frequento aos domingos, me impõe um estatuto social, ao qual tenho que me submeter. Isto é dogma!
O islamismo, em menor número possui alguns dogmas que são defendidos com unhas e dentes, como “Deus é o maior” (Allá-ur-akbar) e “Maomé é o seu profeta”. Quem contrariar esses preceitos pode sofrer sérias punições.
Uma vez, em uma conversa, um espírita tentou inadvertidamente, atacar a minha Igreja a partir do que ele classificou de um “absurdo”: os dogmas. Pois eu o fiz ver que também o espiritismo os tem, em número acentuado, como a preexistência dos espíritos, a reencarnação, a lei de causa-e-efeito, as virtudes do Codificador, as três revelações (Moisés, Jesus Cristo e o espiritismo), as “muitas moradas” (outros mundos onde habitam espíritos aguardando para reencarnar) e a comunicação com os mortos, etc.
Como você pode notar todas as religiões, crenças e filosofias tem seus dogmas. Todas? Sim, todas, inclusive a maçonaria. Quais são os dogmas da maçonaria?
Trata-se dos landmarks, que são “as mais antigas leis que regem a maçonaria universal”. Segundo a maior parte das bibliografias maçônicas, os landmarks são vinte e cinco, embora esse número não seja pacífico, pois a loja da Virginia fala em 7, a de New Jersey em 10, a de Nevada em 39 e a do Kentucky em 54. (Fonte: Internet). Dizem algumas fontes que, num passado remoto, quem desrespeitasse os dogmas maçônicos (renegar juramentos, contar segredos das lojas ou abandonar a organização) era perseguido, punido e até morto (in: B. KLOPPENBURG. A maçonaria no Brasil. Ed. Vozes, 1978).
Você atacou os nossos dogmas. E os landmarks o que são? Por definição dos manuais maçônicos eles são “antigos, universais e irrevogáveis”. Onde está a diferença? Vento que venta cá é o mesmo que venta lá!
Em suas álacres críticas à Igreja você chegou a afirmar que “a pedra de toque de uma religião, filosofia ou sistema político está na quantidade de luz que tenham sabido infundir na alma humana; está na proporção em que tenham conseguido tornar melhor o homem”. Ora, meu amigo, faça-me o favor! Em que mundo você vive? Que literaturas você lê?
Devia saber que nesses vinte séculos de cristianismo ninguém contribuiu mais para a iluminação do ser humano do que a Igreja Católica, a ponto de ser chamada de “especialista em humanidade”. Haja vista um sem-número de documentos, exortações e encíclicas sobre família, vida humana, trabalho, liberdade, bioética, verdade, convívio social, comunicação social, política, moral, etc.
Quando a Europa Medieval se viu assolada pelo obscurantismo das invasões mouras, que queimaram escolas e bibliotecas (chegaram a roubar os manuscritos de Aristóteles), foram os Mosteiros católicos que preservaram a cultura, através dos “escolásticos”.
Em face disto, a continuação de sua argumentação “com sua rígida adesão ao dogma e sua deliberada indiferença às realidades da civilização contemporânea, essa estrutura monolítica não mais parece adequada a um crescente número de pessoas” perde consistência e credibilidade.
Suas aleivosias não significam que todos os maçons brasileiros tenham esses sentimentos anticlericais, anti-Igreja, anti-cristianismo. “Muitos são elementos de boa vontade, atraídos para a maçonaria pela camaradagem, o que parece solidariedade, filantropia. Muitos fazem número, dão prestígio à Loja. Mas não sabem todos os segredos. Não entendem a filosofia maçônica. É a esses que a Igreja quer esclarecer” (in: DOM ESTEVÃO BETTENCOURT, OSB. Revista “Pergunte e Responderemos” Nº 425 – Ano: 1997 – pág. 467).
Lá diante você continua disparando seu ódio à Igreja: “As críticas não vem apenas de comentaristas hostis ou observadores distanciados e desinteressados. Vem dos próprios fiéis da igreja, muitos dos quais sofrem aguda aflição e crise de consciência com os conflitos interiores provocados entre as inevitáveis pressões do mundo em volta e a igreja à qual anseiam por continuar leais, mas que parece indiferente ao seu dilema”. A mim me parece que você está divorciado da vivência social das instituições, onde a crítica faz parte de um processo normal e até salutar.
Seguramente o que você escreveu aqui, sofreu (ou vai sofrer) alguma crítica de “irmãos” seus de maçonaria... A propósito: você é batizado na Igreja? Saiba que o Batismo cristão é um sinal indelével que determina um compromisso de fidelidade a Jesus Cristo e à sua Igreja. É a fidelidade ao Batismo que vai conduzi-lo à salvação... O compromisso do Batismo (pais e padrinhos juraram por você) tem mais valor que quaisquer outros “juramentos” que existem por aí...
Você compara a “arrogância” da Igreja Primitiva com o “discernimento” dos cátaros. Quem sobreviveu até hoje? Onde estão os cátaros e suas concepções puristas? A Igreja, ao contrário, está aí há mais de dois mil anos, pujante e “especialista em humanidade”.
Vamos refletir agora sobre a Inquisição? Na verdade, embora a pirotecnia distorcida dos “Discovey Channel” da vida, ela impõe uma reflexão bem mais profunda do que simples, “achismos”, ódios gratuitos ou “não li e não gostei”.
De fato, a Inquisição é uma página negra da história... da qual a Igreja não cansa de reconhecer seus erros e de pedir perdão, deixando viva sua imagem para que aqueles fatos não mais se repitam, tal qual o Holocausto e outros genocídios.
A Inquisição não é um pecado apenas da Igreja. Vivia-se o período da Cristandade, da “religião oficial” do Império, após a subida de Constantino ao poder. Assim, muita desavença, muita inveja e desejo de posse de bens e propriedade foi encaminhado ao julgamento da Igreja, que julgou com os dados que se lhe apresentavam (em geral acusações de blasfêmia, heresia e bruxaria) e devolvia os réus ao Estado para a execução das penas.
O fato – sem que se queira justificar – é que sempre houve, na história da humanidade, “guerras santas” contra os “infiéis”, no resguardo da fé ou de outras ideologias. Na Índia, por exemplo, o Livro dos Vedas nos mostra que 4.000 anos antes de Cristo foi inventada a cruz, como instrumento de tortura e morte contra quem profanasse alguma crença oriunda do vasto panteão hinduísta. Isto é “inquisição”.
Os judeus a partir do Exodo (1400 a.C.) apedrejavam hereges e idóaltras; no Egito emparedavam os réprobos; os muçulmanos, a partir do século VII dC. matavam os infiéis; os protestantes americanos (puritanos ou “pilgrim fathers”) mandaram à forca hereges e bruxas ( veja os filmes “A letra escarlate” e “As bruxas de Salém”, etc.). Isto também é “inquisição”.
E o que dizer, por exemplo, dos ataques de orientação maçônica contra padres, conventos e igrejas no México, século XX? Isto não é também uma forma de “inquisição”? Tais atos apontam para uma intolerância religiosa semelhante àquelas verificadas no passado...
A 5 de fevereiro de 1917, foi aprovada a Constituição do México, maçônica, que permaneceu em vigor até os anos 90. O presidente era o maçom Venustiano Carranza, como todos os demais que se elegeram.
Além disso, o Governo mexicano determinava o número de sacerdotes permitidos em cada localidade e decretava quem estava habilitado ao ministério. Só mexicanos de nascimento podiam ser sacerdotes. A partir de 1926, com a “Lei Calles”, Vera Cruz tinha um sacerdote “autorizado” para cada 100 mil habitantes. Em Sonora, foram fechadas todas as Igrejas. Os sacerdotes sumariamente eliminados. Segundo Fidel Gonzáles, em artigo na revista “30 DIAS” (ago/93), “a violência contra a Igreja era dirigida, sobretudo pelas lojas maçônicas e por um de seus grupos, o de Sonora, que alcançou com Calles (presidente de 1924 a 1928) o controle total do poder”.
Em 1992, o Papa João Paulo II beatificou Miguel Agustin Pro e os 22 sacerdotes mártires mexicanos. Seu crime? Exercer secretamente o seu ministério, confessando os penitentes, ungindo os enfermos e celebrando a Eucaristia. São mártires in odium fidei (por ódio à fé). Mas também o foram in odium Ecclesiae, (por ódio à Igreja).
O objetivo do governo maçom que mantinha o poder no México era não só erradicar a Igreja Católica, mas eliminar da vida nacional o próprio acontecimento cristão. Isto, por acaso, não se trata de uma “inquisição” que combate os adversários (ou inimigos) da ideologia?
Não quero aqui, ao elencar desmandos e crimes da maçonaria em vários países, estabelecer uma compensação de culpa. Em questões de moral não pode haver esse proporcionalismo. Na verdade, a Inquisição, foi uma página negra da história da humanidade, num período em que os desvios da fé (bruxarias, heresias, apostasias, etc.) eram vistos como ameaça ao Estado, já que, na Cristandade, Estado e Igreja eram parceiros, e o prejuízo de um era consequentemente uma ameaça ao outro.
A Igreja, embora haja julgado equivocada e apressadamente alguns casos, ela não executava as sentenças (que nem sempre eram capitais), entregando os “réus” ao poder secular. Joana d’Arc, a libertadora da França, por exemplo, foi considerada herética e blasfema por um tribunal religioso e entregue ao poder civil dos ingleses que a executou na fogueira.
A Igreja e o clero católico do Brasil sofreram nas mãos da maçonaria. Dom Vital, Bispo de Olinda a partir de 1872, escreveu: “A Maçonaria no Brasil quando teve um Grão-Mestre à frente do Governo nacional, julgou oportuno atacar a Igreja” (in: ANTÔNIO CARLOS VILLAÇA, in História da Questão Religiosa no Brasil, pág. 7).
Ainda no século XIX, nesse mesmo período, o Deão Joaquim Francisco de Faria (ex-diretor do Ginásio Pernambucano e chefe do Partido Maçônico Liberal!) organizou uma reunião popular e insuflou a multidão a atacar o Colégio S. Francisco Xavier, dos jesuítas. Móveis quebrados, capela destruída, oito jesuítas agredidos. A seguir, o jornal católico “União” foi invadido e queimado. Isto não foi um ato de inquisição?
Sem perder a firmeza e a dignidade, Dom Vital foi condenado a quatro anos de prisão com trabalhos forçados. A 12 de março, sua pena foi comutada em prisão simples, na Fortaleza de S. João, no Rio de Janeiro (Fonte Internet). Os princípios são incompatíveis...
Em Portugal, no século XVII, a maçonaria é responsável, por conta da ação do maçom Marquês do Pombal, pela expulsão dos jesuítas e missionários católicos.Com a morte de D. José I em 1777 e a subida ao poder de Dona Maria I, o Marquês de Pombal foi processado e condenado. Só escapou à prisão e à morte por respeito à sua idade e saúde debilitada.
Igualmente o Uruguai sofreu os ataques ideológicos da maçonaria. Ele foi descristianizado a partir de governos que seguiam o ideário maçônico, proibindo oa crucifixos em locais públicos e privados, ruas, praças e localidades com nome de santos e papas, extinção de feriados religiosos, etc. O vizinho país se ressente desse ataque até hoje. Hoje no Brasil há movimentos que querem a retirada dos crucifixos de salas de aula, tribunais e prédios públicos. Eu perguntaria a você: Não estaria havendo um dedo maçônico por trás disto?
A minha Igreja não apenas se desculpou, mas por todos esses séculos tem procurado ajudar a construir a sociedade humana sob critérios de justiça, equidade e colaboração. A Igreja santa e pecadora, uma instituição que, por conta das imperfeições de seus membros, está sempre carecendo de conversão.
Não sei se foi por esquecimento ou excesso de generosidade, mas ao elencar os pecados da Igreja você deixou de falar na pedofilia e no homossexualismo. Quanta cortesia e ética de sua parte!
A pedofilia e o homossexualismo fazem parte das desagradáveis estatísticas de toda a sociedade humana. Há ocorrência desses atos em todos os segmentos sociais, como nas Igrejas, nas Forças Armadas, nos Tribunais, na educação, nas artes e até – provavelmente – na maçonaria. Como guardiã secular da moral, a Igreja se insurge contra tais distorções, especialmente entre seus membros e ministros, o que nem sempre, pelas contingências da fraqueza humana, é conseguido. Antes falei em Igreja “Santa e pecadora”... um povo que não tem aqui uma morada definitiva, mas está a caminho de uma pátria futura... Por isso o Concílio Vaticano II garante que ela é, ao mesmo tempo, santa e pecadora.
Santa porque vitalizada pela graça de Deus, e pecadora porque acolhe seres humanos frágeis, que necessitam pedir diariamente perdão, tanto a Deus como ao próximo. A Igreja está sempre a carecer de uma conversão constante
Ela é, enquanto intituição, Santa no seu fundador, na sua doutrina, no seu magistério e na sua tradição e, ao mesmo tempo, pecadora nos seus membros que, formando a Igreja militante que é o Corpo Místico de Cristo, buscam nela a santidade. Santa por causa de Deus e pecadora por conta dos pecados de sua dimensão humana.
Já que esta resposta vai figurar na minha página e circular entre os católicos (seu nome, por uma questão de ética será resguardado), é salutar saber que em 1993, a revista de teologia Atualização (nº 241 e 242) publicou excelente artigo de D. João Evangelista Martins Terra, S. J, sobre a ação da maçonaria no Brasil, que apresenta ricos subsídios para os cristãos. Ali, são lembrados os motivos da incompatibilidade entre catolicismo e maçonaria:
 O relativismo e o subjetivismo maçônico negam todo dogma;
 Exclui-se o conhecimento objetivo da verdade;
 A verdade divina é inatingível, segundo os maçons;
 A maçonaria é deísta, seu “deus” é neutro, impessoal, nada parecido com o Pai e Senhor dos cristãos que se revela, pelo Filho, à humanidade;
 Não se admite nenhuma “revelação” de Deus;
 O conceito maçônico de “tolerância” rejeita o magistério da Igreja;
 Não há lugar para a ação da graça divina no crescimento moral do homem;
 O maçom assume compromissos secretos, para a vida e para a morte, incompatíveis com a liberdade cristã.
O mais recente documento da Igreja sobre o assunto foi produzido pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em 26/11/1983, e assinado pelo Cardeal Joseph Ratzinger, (e chancelado por João Paulo II) que os maçons consideram como seu inimigo figadal. A Declaração afirma:
Permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja, e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave, e não podem se aproximar da Sagrada Comunhão.
É uma falácia dos maçons afirmar que existem padres maçons. No passado talvez até tenha ocorrido. Quem sabe algum tenha ingressado por curiosidade ou interesse, mas depois de avaliar a extensão do que é “pecado grave” tenha se retirado.
Gostaria de lhe dizer que tenho muitos amigos maçons, “aprendizes”, “companheiros” e “mestres”, alguns em graus bastante elevados, das ordens filosóficas, com os quais se conversa religião e maçonaria em alto nível de respeito, isenção e cordialidade. São pessoas de irretocáveis qualidades morais e sociais a quem eu – mesmo não sendo maçom – posso chamar, por conta de suas virtudes, carinhosamente de “irmão”.
Por fim, encontrei na Internet, fragmentos de um documento maçônico que recomenda que “a maçonaria impõe a todos os seus membros o respeito das opiniões de crenças de todos”, instrução esta que me parece não contemplar seu escrito, um tanto quanto leviano, que deu origem a presente resposta. O amanhã da Igreja não é incerto. Tanto assim que o mundo, as instituições e, especialmente os jovens a ela correm, e re-correm, em busca de um consolo e de uma orientação Fique com Deus!
Vou orar por você...
Canoas, dezembro de 2011.
Antônio Mesquita Galvão
Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral