A Cultura Comunitária Virtual no Contexto da Sociedade em Rede: Elementos para uma caracterização da Sociedade da Informação e do Conhecimento em Portugal

“A Cultura Comunitária Virtual no Contexto da Sociedade em Rede: Elementos para uma caracterização da Sociedade da Informação e do Conhecimento em Portugal”

Trabalho realizado no âmbito da disciplina

“Gestão da Informação”

do curso

“Mestrado em Estudos de Informação e Bibliotecas Digitais”

sob a orientação de Prof. Doutor Maria Joaquina Barrulas

André Correia

ISCTE, 18 de Abril de 2006

andrecorreia_@hotmail.com

Abstract

No artigo de Yoneji Masuda “Computopia” escrito em 1986, o autor antevê uma sociedade da informação onde indivíduos com objectivos comuns têm a liberdade de formar comunidades que nascem voluntariamente com o intuito de fomentar uma participação activa e criativa da sociedade civil (MASUDA, 1986). Volvidos 20 anos da futurologia de Masuda, assistimos à emergência de comunidades virtuais que, no contexto do ciberespaço, reúnem indivíduos que constroem diariamente a sociedade em rede. Este artigo pretende ser uma revisão teórica da noção de cultura comunitária virtual, ao mesmo tempo que se debruça sobre a geografia da Internet no contexto mundial, europeu e português para dar conta da divisão digital de acordo com a realidade socio-económica das diferentes zonas do globo. Procede-se depois a uma análise da sociedade da informação e do conhecimento em Portugal para, finalmente, retratar a cultura comunitária virtual dos internautas portugueses.

Revisão das noções teóricas sobre cultura comunitária virtual

A cultura da Internet na Sociedade em Rede está, segundo Castells, dividida por quatro hierarquias sobrepostas: A cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura comunitária virtual e a cultura empreendedora (CASTELLS, 2004). A cultura comunitária virtual desenvolve-se com base nos fundamentos tecnológicos das culturas tecnomeritocrática e hacker e acrescenta uma dimensão social e cultural de cooperação à Internet. Castells considera o valor da comunicação livre e horizontal, a característica essencial das comunidades virtuais, bem como a conectividade auto-dirigida que permitem ao indivíduo escolher o espaço de informação e de sociabilidade que frequenta no contexto on-line (cit in CASTELLS, 2004).

Na história recente da teoria sobre a cultura comunitária virtual, as primeiras reflexões sobre as comunidades virtuais podem ser vistas como profecias de um futuro tecnológico, dominado pela galáxia da rede. John Perry Barlow, co-fundador da Electronic Frontier Foundation, lança o manifesto para o que considera ser o espaço de liberdade da comunidade virtual:

“Estamos a criar um espaço no qual as pessoas deste planeta possam manter um (novo) tipo de relação comunicativa: quero ser capaz de interagir plenamente com a consciência que está a tentar comunicar comigo.” (CASTELLS, 2004).

À margem das utopias da sociedade de 3ª vaga, a cultural comunitária virtual começa a registar as primeiras reflexões de carácter indutivo, à medida que o espaço tecnológico da rede é ocupado pelos seus primeiros ciberhabitantes que aí criam novas normas, valores a atitudes.

Howard Reinghold escreve em 1993 a obra pioneira “Virtual Communities” em que, num tom autobiográfico, relata as suas experiências em contexto on-line. O autor define o conceito de comunidade virtual do seguinte modo:

“Social aggregations that emerge from the Internet when enough people carry on those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relationships” (RHEINGOLD, 1993).

Da definição de Rheingold tiram-se várias conclusões. A primeira é que a Internet gerou novas formas de sociabilidade como a comunicação mediada por computador que, por sua vez, deram origem a grupos ou agregados sociais. Depois, percebemos que as comunidades virtuais exigem a permanência e vontade de indivíduos unidos por objectivos comuns. Por último, o autor dá a entender que a comunidade virtual proporcionou a criação de territórios que, mesmo que existam apenas no plano virtual e simbólico, viabilizam a existência de redes de relações sociais.

Com o acesso generalizado, embora que relativo como iremos ver no caso da sociedade portuguesa, dos computadores domésticos e adesão cada vez maior à Internet, os utilizadores desse novo meio de comunicação passaram a usufruir de um meio de comunicação personalizado onde, ao contrário da filosofia de programação dos meios de comunicação massificados, não são apenas receptores de informação. Os self-media como os computadores pessoais e telemóveis estão a criar novas formas de comunicação e processos de enculturação onde o indivíduo é simultaneamente consumidor e produtor de informação no ciberespaço. A comunicação mediada por computador gerou, neste sentido, uma cultura e um espaço virtuais on-line que se confundem com a realidade off-line.

Convém, no entanto, não converter o espaço da cibercultura numa realidade em si e explicar que este depende da vida física social. A esse respeito, Tim North, autor de uma tese sobre a Internet e Usenet, procurou saber se os utilizadores da rede formavam uma sociedade independente com uma cultura própria. O autor conclui que as redes telemáticas não podem ser vistas como sociedades independentes, pela simples razão de que não fornecem elementos essenciais de uma sociedade como a alimentação ou abrigo. O ciberespaço pode, no entanto, ser definido segundo as palavras de Tim North como:

“(...)uma sociedade superstrutural que entra em contacto com várias sociedades reais e que depende destas para a continuação da sua existência. Mesmo herdando certos traços das sociedades que engloba, o ciberespaço tem uma cultura específica.” (NORTH, 1994).

O debate sobre a cultura comunitária virtual assistiu, como refere Barry Wellman no artigo “The Global Village, Internet and Community”, a uma discussão que alternava entre a utopia e a dystopia (WELLMAN, 2004). De um lado, teríamos uma utopia, para todos os que, como John Perry Barlow, acreditaram que seria possível construir um mundo moldado pela fronteira electrónica onde a tecnologia da rede, o meio, determina o mundo comunicacional e a cultura de uma aldeia global, livre e igual em direitos. A perspectiva da dystopia, remete-nos para os autores catastrofistas que olharam para o ciberespaço como se de um universo paralelo se tratasse, que aliena os indivíduos numa caverna virtual de relações de sociabilidade com alter-egos imaginários que substituem a sua realidade física.

No entender de Wellman, ambas as visões comungam de um determinismo tecnológico que coloca, a rede à frente das pessoas que constroem a cultura comunitária virtual com base no seu universo quotidiano off-line. Segundo o autor, este tipo de pensamento, que surge em simultâneo com a febre da nova economia digital e do fracasso das dotcoms, é característico do entusiasmo ou desânimo inicial que acompanham o aparecimento de uma nova tecnologia.

O determinismo tecnológico está, no entanto, a dar lugar progressivamente a uma análise mais terrena, à medida que cresce o número de utilizadores na Internet e as linguagens on-line multimédia são apropriadas por grupos e comunidades virtuais. Como refere o autor:

“With the explosive growth in Internet use, scholars, governments and research funding agencies began moving in the late 1990s toward analyses of computer-mediated communication. Social scientists have done surveys and ethnographies; they have studied the language people use online and mapped communication and networks of conversations and links between websites” (WELLMAN, 2004)

Anterior ao seu artigo de síntese sobre a aldeia glocal, Barry Wellman desenvolveu, entre 1998 e 1999, conjuntamente com Keith Hampton, um estudo em que são avaliados os impactos sociais da introdução de um sistema de banda larga sobre uma comunidade residencial na zona de Toronto. Netville foi considerada a primeira comunidade residencial interactiva investigada, e foi um local que permitiu que se chegasse a algumas conclusões relativamente ao uso da Internet. A utilização da Internet potenciava as relações sociais dentro e fora da comunidade. Fez, também, com que a população estivesse mais informada, tanto de ponto de vista global com a nível local. A rede veio reforçar laços sociais on-line, que tiveram depois uma repercussão na realidade off-line. (CASTELLS, 2004)

A reflexão e os estudos de Barry Wellman lançaram hipóteses do domínio das ciências sociais que merecem ser transpostas ao longo do seguinte artigo para o contexto da sociedade em rede em Portugal, no sentido de avaliar de que forma a população portuguesa adoptou a Internet e alterou o significado da sua cultura e sociabilidade em função da fronteira on-line e off-line.

Caracterização da Sociedade da Informação e do Conhecimento em Rede em Portugal no contexto Mundial e Europeu

Se é através do estudo da cultura comunitária da Internet que conseguimos entender o modo como os indivíduos, grupos e comunidades têm vindo a construir diariamente o património digital, não podemos deixar de ter em conta as iniciativas do domínio político e dos serviços de telecomunicações que determinam a organização e o funcionamento da sociedade da informação e do conhecimento. Iremos, neste sentido, abordar a análise da geografia da Internet no contexto mundial, europeu e português, para depois nos centrarmos numa caracterização da sociedade portuguesa.

O conceito de geografia da Internet aparece na obra de Manuel Castells “A Galáxia Internet – Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade”. Segundo Castells, a geografia da Internet possui uma lógica própria, composta por locais onde os pontos e os nós da rede e fluxos de informação são determinantes para uma nova configuração espacial das cidades e regiões. (CASTELLS, 2004).

Área de estudo que conta com já com um corpo teórico de investigação por parte de vários autores, a geografia da Internet permite perceber de que modo a infra-estrutura de telecomunicações das redes opera a nível da estrutura social, económica e cultural das sociedades contemporâneas. Podemos, no entender do autor, dividir o estudo da geografia da Internet em 3 dimensões de estudo centrais: A geografia técnica da Internet, a geografia dos utilizadores da Internet e a geografia económica da Internet. (CASTELLS, 2004)

No que se refere à geografia técnica da Internet a nível mundial, Castells afirma que, embora existam um conjunto de rotas possíveis na conectividade global da rede, o Norte da América tem dominado as ligações do mapa da Internet Mundial, como podemos ver na figura 1 recolhida no site da Telegeography sobre o tráfego da Internet a nível mundial. Como refere o autor:

“Acontece, com alguma frequência, que as ligações entre duas cidades europeias ou asiáticas, para não falar das africanas ou latino-americanas, sejam direccionadas em primeiro lugar, através de um nó norte-americano. Contudo, segundo a empresa Telegeography, a situação está a mudar, à medida que a largura de banda aumenta noutras zonas do mundo, especialmente na Europa.” (CASTELLS, 2004)

Figura : Largura de Banda Inter-regional em 2005

Fonte: Site Telegeography (www.telegeography.com)

No site da empresa Telegeography, especializada na geografia telemática da Internet (www.telegeography.com), é possível encontrar igualmente o mapa com um indicador sobre os diferentes níveis de largura de banda per capita a nível internacional. No geral das sociedade europeia, norte-americana, Austrália e alguns países da América do Sul, podemos observar uma média ligação de banda larga que oscila entre os 10 e 100 Mbps nos países da periferia e os 100 e 400 Mbps nos países mais ricos. Já nos países em vias de desenvolvimento das regiões da América do Sul, África, Médio Oriente, Ásia e Sudeste Asiático, as ligações apresentam uma ligação per capita que não ultrapassa entre o intervalo entre 1 e 10 Mbps. Nalgumas zonas do continente africano, Médio Oriente e Ásia a largura de banda apresenta uma média inferior a 1 Mbps ou é inexistente.

Figura 2: Mapa Internacional da Internet segundo a largura de banda per capita

Fonte: Site Telegeography (www.telegeography.com)

Os mapas do tráfego e largura de banda internacional apresentados pela Telegeography têm, de resto, uma correspondência com o mapa sobre os utilizadores on-line em 2004, apresentado pelo geógrafo da Internet Mathew Zook que se tem dedicado ao mapeamento da economia digital. O fosso da divisão digital entre países ricos e países pobres torna-se mais nítido com a cartografia de Zook.

Figura 3: Utilizadores da Internet On-line no Mundo em Setembro de 2004

Fonte: Site Zooknic, Internet Intelligence (www.zooknic.com)

Se nos focarmos apenas no continente europeu, e de acordo com a figura 3 e o quadro 1 sobre a conectividade das cidades europeias ligadas por servidores e o seu ranking, verificamos que figuram, sobretudo, as grandes cidades europeias do centro e norte da Europa com elevado nível de desenvolvimento socio-económico e cultural como Londres, Frankfurt, Estocolmo ou Paris.

Poderemos, neste sentido, concluir que a Internet e a sociedade em rede existem com maior incidência nas áreas metropolitanas de cidades globalizadas? Segundo Castells, a Internet não tem sido, como alguns autores apontaram, uma oportunidade para as zonas rurais ou menos desenvolvidas, o que explica em certa medida o atraso das infra-estruturas e fraca utilização da Internet em África onde a fome e a saúde dos seus habitantes são problemas prioritários. O autor entende, neste sentido, que o predomínio das actividades económicas no sector terciário em zonas urbanas, bem como a concentração demográfica e de actividades sociais e culturais, faz com que as áreas metropolitanas sejam o lugar por excelência da sociedade em rede. (CASTELLS, 2004)

Figura 3: Mapa da rede europeia de servidores

Fonte: Site Telegeography (www.telegeography.com)

Rank City Number of Providers

1 London 33

2 Frankfurt 32

3 Paris 24

— Amsterdam 24

5 Stockholm 20

6 Vienna 19

— Brussels 19

— Berlin 19

— Hamburg 19

10 Copenhagen 18

— Düsseldorf 18

— Madrid 18

13 Prague 16

— Munich 16

— Zürich 16

16 Milan 15

17 Lyon 13

— Budapest 13

— Rotterdam 13

— Oslo 13

— Warsaw 13

22 Helsinki 12

— Marseille 12

— Strasbourg 12

— Stuttgart 12

— Bratislava 12

— Barcelona 12

— Geneva 12

No contexto português, o último diagnóstico político “Ligar Portugal” do XVII Governo Constitucional remete-nos para conclusões que vão ao encontro da ideia de Manuel Castells sobre a concentração da geografia da Internet nas áreas urbanas e em cidades dispersas.

A nível da infra-estrutura de serviços de banda larga, como se pode ver na figura 4, o documento indica que as infra-estruturas de banda larga atingiram quase a totalidade dos concelhos do país (90%), embora o raio de alcance das centrais de comutadores digitais da Portugal Telecom não chegue, nalguns casos, a áreas rurais mais remotas. (Ligar Portugal, 2005)

Figura 4: Cobertura do território do Continente por infra-estruturas de banda larga em 2004. (Os triângulos indicam localização dos comutadores digitais da PT que estão equipados para poderem oferecer acesso ADSL).

Fonte: ANACOM cit in Ligar Portugal

Contudo, se olharmos para a percentagem de lares com infra-estruturas de banda larga, a realidade digital de adesão à Internet espelha a situação socio-económica do país e uma geografia com níveis desiguais de desenvolvimento. Observa-se um contraste acentuado entre as zonas urbanas de cidades de grande e média dimensão do litoral que apresentam uma adesão média que oscila entre 44% a 74% e os máximos de 119% a 144% nas áreas metropolitanas como Lisboa e Porto. No interior do país e pequenas cidades ou zonas rurais a taxa de penetração dos lares cablados situa-se, em regra, entre os intervalos dos 0 – 28 % e 28 -44 %.

Desde 1997, com a publicação do Livro Verde para Sociedade da Informação, que o Estado português instituiu que “… a Sociedade da Informação pode contribuir para a melhoria do bem-estar dos cidadãos, em virtude de facilitar a construção de um Estado mais aberto, a inovação no ensino e na formação profissional, o acesso ao saber, o desenvolvimento de novas actividades económicas e o aumento de oferta de emprego com níveis de qualificação mais elevados, entre outros contributos positivos” (Livro Verde para a Sociedade da Informação, 1997). Elaborado segundo uma visão plural dos sectores da sociedade portuguesa, o documento traça objectivos ambiciosos e visionários no campo da modernização da administração pública, na investigação científica, cultura e educação, no plano da justiça e no sector empresarial que têm sido concretizados com iniciativas como a Rede de Escolas Internet, Cartão do Cidadão ou Rede Pública de Bibliotecas Digitais.

No ano 2000, e como vem referido no programa Ligar Portugal, a iniciativa eEurope parece concentrar o seu plano de acção num conjunto restrito de metas com uma proposta de redução dos preços da Internet e incentivo ao uso generalizado da ligação de banda larga (Ligar Portugal, 2005). O Plano de Acção eEurope de 2002 continua a considerar a banda larga como um objectivo político central para a sociedade da informação e do conhecimento da União, embora procure também orientar o uso da Internet para os sectores da saúde, administração pública, aprendizagem e comércio electrónico.

No último Conselho Europeu da Primavera de 2005, o conhecimento e inovação são vistos como grandes motores do crescimento sustentado e considerados essenciais para o “desenvolvimento da sociedade da informação inclusiva, baseada na utilização generalizada das Tecnologias da Informação e Comunicação no serviços públicos, nas empresas e nos agregados familiares” (Ligar Portugal, 2005).

Em síntese, a generalidade das estratégias dos governos europeus continua a centrar-se nos mesmos objectivos. Acesso generalizado para o uso dos serviços de banda larga para as populações e aumento do crescimento económico e produtividade das empresas e do Estado. A aposta e preocupação da União Europeia reflectem, neste sentido, a constatação de Manuel Castells que posiciona os E.U.A. no domínio do tráfego da Internet Mundial.

Que balanço podemos fazer da iniciativa para o uso da Internet de banda larga e do uso das tecnologias da informação e comunicação em Portugal, face à vontade demonstrada no plano político e nacional? Que portugueses aderiram ou estão à margem do uso da Internet e que valor atribuem à rede para as suas necessidades e interesses pessoais?

No que se refere ao contexto Internacional da adesão aos serviços de banda larga, Portugal apresentava no final de 2004 uma taxa de apenas 8,2% per capita, situando-se na média dos países da OCDE, mas com valores inferiores à média da União (Ligar Portugal, 2005). A taxa de crescimento tem, no entanto vindo a subir a um ritmo de 71% entre 2003 e 2004, ritmo mais acelerado do que a taxa da OCDE. O valor é, contudo, inferior ao crescimento anual de países da União Europeia como o Luxemburgo, República Checa e Eslováquia que têm registado valores superiores a 100%.

O principal entrave ao uso da Internet, apontado pelos agentes políticos, tem sido a política de preços por parte das operadoras, nomeadamente no que diz respeito aos tarifários da Portugal Telecom, líder no mercado das telecomunicações nacionais que pratica dos preços mais altos da Europa. No indicador que relaciona o valor das mensalidades por de ADSL de 512 Kbps com o poder de compra dos países da U.E., verifica-se que Portugal ocupa, como se pode ver na figura 5, a 4ª posição do país com tarifários mais elevados de acesso à banda larga, à frente de países como a França, Reino Unido ou Suécia.

Figura 5: Custo dos tarifários de serviço de ADSL relacionado com o poder de compra dos países da União Europeia

Fonte: Documento Ligar Portugal (www.ligarportugal.pt)

Ao nível dos inquéritos nacionais sobre o uso da Internet por parte da população, os dados do documento Ligar Portugal indicam que 25% dos portugueses utilizam regularmente a Internet, valor inferior à média dos 41% da União Europeia. A Suécia ocupar primeiro lugar do ranking, ao apresentar uma taxa de 75% de utilizadores regulares

Relativamente ao retrato da população que usa a Internet, segmentado por escalões etários e níveis de instrução, o documento Ligar Portugal considera que os níveis de info-exclusão se situam sobretudo na população com mais de 25 anos e com níveis de instrução inferiores ao 9º ano e corresponde a cerca de 5 milhões de portugueses entre os 25 e 74 anos (Ligar Portugal, 2005). Os info-incluídos podem ser identificados na sua generalidade com a população com formação secundária e superior, entre os 16 e 54 anos que apresenta valores ao nível do resto da Europa.

Figura 6: Percentagem de utilizadores de Internet e população, por escalão etário e nível de instrução

Fonte: Documento Ligar Portugal (www.ligarportugal.pt)

Como principal objectivo até 2010, o documento Ligar Portugal foca os seus esforços políticos no universo de população info-excluída, como o principal problema a ser solucionado pela sociedade portuguesa e que se propõe combater através das seguintes metas que enuncia no documento:

 Duplicar os utilizadores regulares da Internet, que deverão ultrapassar 60% da população portuguesa, até 2010

 Triplicar o número de agregados familiares com acesso à Internet em banda larga para mais de 50% até 2010 (17% no final de 2004);

 Multiplicar o número de computadores nas escolas, de forma a atingir a proporção média de um computador por cada 5 estudantes até 2010

Cultura Comunitária Virtual na Sociedade em Rede em Portugal: Práticas comunicacionais e redes de sociabilidade entre os utilizadores da Internet em Portugal

O presente artigo começou por introduzir a noção teórica de alguns autores sobre o conceito de cultura comunitária virtual, tendo por intuito transmitir que a lógica de interactividade da Internet deu origem a espaços de sociabilidade self-media onde indivíduos partilham interesses em grupos e comunidades de significados simbólicos, partilhados no espaço da rede. A Internet não representa, contudo, uma virtualidade, independente da realidade física e social. A sua infra-estrutura constrói-se, como vimos pela análise da geografia técnica e distribuição espacial dos seus utilizadores, a partir de iniciativas políticas que diferem em função da realidade socio-económico, cultural e educacional de cada país e zona do globo.

A cultura comunitária virtual dos utilizadores da Internet em Portugal apresenta já alguns dados, embora que maioritariamente de carácter estatístico, que permitem traçar uma caracterização genérica e quantitativa das práticas comunicacionais e das redes de sociabilidade dos internautas portugueses. Utilizaremos o inquérito da UMIC (Unidade de Missão e Inovação para o Conhecimento) sobre o uso das TIC pela população portuguesa de 2004, bem como o Inquérito Sociedade em Rede de 2003 do CIES (Centro de Investigação de Estudos Sociológicos do ISCTE) do livro “A Sociedade em Rede em Portugal” para dar conta de um retrato da cultura comunitária virtual dos internautas portuguesas.

No que diz respeito ao local off-line privilegiado para a utilização da Internet, o inquérito da UMIC revela que este se situa no espaço da casa (63%), seguindo-se o trabalho (41%), a casa de amigos ou familiares (23%), a escola e universidade (20%) e locais públicos gratuitos como as bibliotecas e museus (15%) (UMIC, 2004). De notar, que a casa é o local por excelência de aprendizagem do uso do computador e da Internet, o que evidencia uma importância significativa da penetração das tecnologias da informação e comunicação no espaço doméstico. Um dado significativo do inquérito da UMIC demonstra também que a aprendizagem mais decisiva da Internet ocorre quando o indivíduo está sozinho (55%), contra os indivíduos que responderam que aprendem com amigos ou familiares (30%) ou cursos e acções de formação (15%) (UMIC, 2004).

Em relação ao período em que os portugueses começaram a Internet, apenas o inquérito do CIES fornece dados. Os resultados apresentados aparecem divididos por hierarquias de antiguidade. Verificamos, assim, que existem cerca de 14% de utilizadores designados “Veteranos” que utilizam a Internet desde 1997. 47% Dos indivíduos que responderam ao inquérito, considerados os “Com experiência”, utilizam a Internet desde 1998 e o ano 2000. Os utilizadores “Recentes” que utilizam a Internet desde 2001 constituem 26,9% da amostra. 12,3% Não soube ou não quis responder. (A Sociedade em Rede em Portugal, 2005)

No que diz à periodicidade do uso da Internet, os dados do inquérito do CIES revelam 36% de utilizadores que têm um uso diário da Internet, 44,6% que usa a Internet semanalmente e 19,4% que são frequentadores ocasionais. Os dados sobre a intensidade de utilização da Internet dizem-nos que 37,9% está on-line entre 2 a 7 horas semanais (intensidade média), 35,1% liga-se até 2 horas semanais (intensidade baixa) e 27% usa a Internet por mais de 7 horas semanais (intensidade alta) (A Sociedade em Rede em Portugal, 2005).

As actividades realizadas pelos internautas portugueses foram, igualmente, objecto de avaliação em ambos os inquéritos. O inquérito da UMIC divide as actividades pelas seguintes categorias: Trabalho e Estudo; Procura de Informação; Comunicação; Comércio; Entretenimento; Contacto com sites da Administração Pública.

No quadro das actividades mais realizadas, o uso de e-mail aparece referenciado como a actividade de comunicação mais praticada, com 75%. A segunda prática relaciona-se com os jogos on-line e download de jogos, música e vídeo que se situa nos 49%, o que se explica em parte pela forte presença dos escalões etários de jovens internautas entre 15 e 29 anos. As actividades de trabalho e estudo têm um valor aproximado, com 48% dos inquiridos a referir que utilizam a Internet para actividades profissionais e 47% para actividades de estudo ou formação. A procura de informação sobre bens e serviços é escolhida por 41%, embora isso não se traduza numa prática de comércio electrónico com uma grande percentagem, já que apenas 11% referiu comprar e encomendar bens e serviços pela Internet. No que se refere à leitura de jornais e revistas on-line, 39% afirma fazê-lo pela Internet.

A informação da administração pública electrónica é procurada por 37% dos utilizadores. Se nos referirmos, no entanto, às práticas de interactividade de governo electrónico, os indicadores traduzem uma fraca participação da sociedade civil dos internautas portuguesas. Com efeito, apenas 14% diz submeter e fazer o download formulários e declarações on-line e 10% utiliza os sites da administração pública para emitir sugestões e reclamações. Apenas 4% participam em fóruns de discussão pública.

As práticas comunicacionais e de pesquisa de informação no contexto da sociedade em rede não andam muito longe da análise do estudo da Pew Internet “The Mainstream of On-line Life” sobre as actividades dos internautas norte-americanos, como se pode ver na figura 7. A análise do estudo refere, aliás, uma frase que resume bem as actividades que ocupam a vida das pessoas no espaço on-line e que pode, de alguma forma, ser transposta para o contexto português:

“Even as internet use has grown exponentially, the hierarchy of metaphors that describe it has remained constant: The internet is most of all a mail pigeon, then a library, then an amusement park, then a shopping center.” (Pew Internet, 2005)

Figura 7: Actividades On-line dos internautas norte-americanos em 2000 e 2004

Fonte: Site Pew Internet (www.pewinternet.org)

No que se refere às redes de sociabilidade, o inquérito do CIES apresenta dados interessantes que o estudo da UMIC não aprofunda. O estudo demonstra que 39,8% dos inquiridos participa em chats ou newsgroups. 23,5% Diz contactar com os amigos pela Internet quando está desanimado e 23,3% utiliza o espaço virtual para combinar ou marcar saídas com os amigos. 18,8% Transmite cartões electrónicos para felicitar os amigos ou familiares em determinadas ocasiões especiais e 14,6% transmite fotografias suas ou da família. (A Sociedade em Rede em Portugal, 2005).

A questão de Barry Wellman de determinar em que medida a utilização da Internet potenciava ou diminuía as relações sociais dentro e fora da comunidade do indivíduo encontra, igualmente, algumas respostas no inquérito do CIES.

Em relação às redes de sociabilidade com os progenitores, o estudo revela que os portugueses mantêm uma relação muito próxima com os seus pais que têm nas conversas telefónicas o meio de comunicação privilegiado para manter o contacto à distância. A Internet ocupa neste contexto um papel secundário, sendo utilizado por apenas 2% dos utilizadores.

As redes de sociabilidade com os restantes familiares ocupam, igualmente, um papel central na vida dos portugueses. O inquérito demonstra que estes preferem os encontros pessoais para se relacionarem com os seus familiares do mesmo concelho, doutro concelho do mesmo distrito. Apenas em duas situações o uso de um meio de comunicação ultrapassa os contactos pessoais. Quando usam o telefone para contactar com familiares de outro distrito e familiares residentes no estrangeiro. No que toca a familiares residentes no estrangeiro, note-se que o uso da Internet é tão elevado como os contactos pessoais.

Nas redes de sociabilidade com os amigos, o estudo revela que os utilizadores da Internet apresentam uma rede de amizades mais ampla do que os não utilizadores e que mantêm mais contacto com os amigos do que com os familiares e nalguns casos do que com os progenitores. No que toca aos meios de comunicação utilizados para as relações de amizade, o telefone vê o seu uso aumentar à medida que aumenta também a distância geográfica. Já o uso da Internet diminui, embora seja nos relacionamentos com os amigos de outro distrito ou residentes no estrangeiro que os internautas portugueses utilizam mais o espaço virtual como meio de contacto. (A Sociedade em Rede em Portugal, 2005).

Conclusões

Com novecentos e quarenta milhões de ciberhabitantes que constroem diariamente uma representação da vida humana, a Internet originou uma nova fronteira: A fronteira on-line e off-line. Espaço que depende de infra-estruturas de telecomunicações, a rede das redes configurou uma nova geografia que é determinante na organização e desenvolvimento socio-económico das sociedades da informação e do conhecimento. A sociedade em rede passou também a representar a divisão digital entre os países, instituições e comunidades de pessoas que tiveram a oportunidade de aderir ou não às novas tecnologias da informação e da comunicação.

Em Portugal, os utilizadores regulares da Internet representam 25% da população. Contudo, a maioria da população de não utilizadores está condicionada pelos tarifários elevados da principal operadora nacional e apresenta níveis de info-exclusão que se prendem com o facto de a população entre os 25 e 74 anos ter baixos níveis de instrução e não ter adquirido competências para usar a Internet.

Podemos, no entanto, falar de uma cultura comunitária em Portugal, na medida em que alguns estudos de cariz quantitativo, nos provam que os internautas portuguesas aderiram a ferramentas básicas de comunicação como o e-mail, grupos de discussão e consultam e adquirem cultura através das potencialidades de interactividade da Internet.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARDOSO, G., FIRMINO DA COSTA, F., CONCEIÇÃO, C., GOMES, M.

2005 – A Sociedade em Rede em Portugal, Lisboa, Campo das Letras

CASTELLS, M.

2004 – A Galáxia Internet, Reflexões sobre a Internet, Negócios e Sociedade, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian (2001).

MASUDA, Y.

1986 – Computopia, in Forester, T. “The Information Technology Revolution”, Basil Blackwell, Oxford.

REFERÊNCIAS ELECTRÓNICAS

NORTH, T., 1994, The Internet and Usenet

Global Computer Networks, http://www.scribe.com.au/timn/thesis/ , (consulta, Fevereiro 2003)

RHEINGOLD, H., The Virtual Community, http://www.rheingold.com/vc/book/

(consultado, Outubro 2003)

WELLMAN, B., 2004, The Glocal Village: Internet and Community, http://www.chass.utoronto.ca/~wellman/publications/ideas_global-village/ideas%20-%20%5Bnetlab%5D%20global%20village.pdf

Inquérito à Utilização das TIC pela População Portuguesa, UMIC, 2004: http://www.umic.pt/NR/rdonlyres/61FC26C8-8301-4AF4-82F8-168C9D6D0512/3208/OIC_2004_IUTIC041109.pdf

Internet: The Mainstreaming of Online Life, Pew Internet and American Life Project, 2005: http://www.pewinternet.org/pdfs/Internet_Status_2005.pdf

Ligar Portugal, Um programa de acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade de Informaçãoe do Conhecimento, 2005: www.ligarportugal.pt

Livro Verde para Sociedade da Informação em Portugal, Missão para a Sociedade da Informação, 1997: http://www.posconhecimento.pcm.gov.pt/documentos/pdf/LivroVerde.pdf

Telegeography: www.telegeography.com

Zooknic, Internet Intelligence: www.zooknic.com

André Correia
Enviado por André Correia em 04/01/2007
Código do texto: T336356