O velório

Em cada localidade há costumes e curiosidades a respeito de velórios, atos fúnebres e enterros. Tem gente que não gosta de falar na morte, no temor de ser atingido pela dita senhora. Outros, tentam demonstrar uma intimidade com o fato, na esperança de afastá-lo de seu horizonte. No passado, e especialmente no interior, a coisa era mais dramática. A funerária colocava na porta da casa uma mortalha preta, tipo de uma cortina, para que todos soubessem que ali havia um féretro. O caixão era negro, assim como preta a vestimenta (estola e casula) do padre, dando um fundo mais tétrico ao evento. O velório tinha que ser obrigatoriamente, de vinte e quatro horas, talvez pelo temor de enterrarem o de cujus meio vivo.

E, para ser “velório” mesmo, o distinto era iluminado com velas, criando uma atmosfera com cheiro de cera e fuligem, que perpassava a memória olfativa de alguns por muitos anos.

Tais atos era realizados em casa, na sala principal, com os pés do defunto voltados para a porta da rua, para levar a morte embora. Como havia muitos participantes, a família providenciava café e – não raro - jantar para quem ia passar a noite. Na região colonial as famílias católicas não abrem mão do dobre dos sinos, preludiando a missa “de corpo presente”.

Hoje o negócio é mais pragmático. Primeiro, o tempo do velório é mais curto: morreu pela manhã enterram à tarde. Depois, fazem-se os velórios nas capelas dos cemitérios, onde há local para repouso, sanitários e lanchonetes. Nessas, o brabo é o cara comendo um cheese e recordando a cara demolida do finado.

De uns dez anos para cá, muita gente excluiu a vigília da madrugada. Lá pelas vinte e três horas fecham a capela, abrindo-a só pela manhã, evitando o sofrimento e o cansaço dos familiares.

A cremação deu o toque mais prático aos sepultamentos. A família se despede do extinto e no dia seguinte recebe uma caixinha com as cinzas do próprio. A cremação é prática, higiênica e não encontra ressalva nas Igrejas.

No terreno dos “contos da cripta” há fatos curiosos e inusitados com relação a esses acontecimentos, dolorosos para muitos, mórbidos para outros e meramente sociais para alguns. Não são raras, especialmente no interior, narrativas relativas ao defunto que se mexeu ou mesmo se levantou. Quem conta nunca viu; apenas ouviu falar...

De uma feita fui ao velório de um parente distante. Como era parente próximo do meu pai, fui para dar apoio a ele. Era uma noite quente. O velório ocorreu na casa da família. Junto ao caixão, algumas senhoras rezavam um apressado terço. Da cozinha vinha o alarido que bebiam e comiam massa com salsicha. Não sei porque, mas essa iguaria tem, para mim, cheiro de velório, até hoje. Era impossível dormir. Havia duas camas disponíveis: a do morto, que ninguém ousou deitar, e uma outra de solteiro, que era dividida, de hora-em-hora, com a preferência para os mais velhos. Lá pela madrugada o morto passou a soltar gases, enchendo o ambiente com um odor de carniça reciclada.

O nascer do sol foi uma “ressurreição” para todos.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 04/01/2007
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