Brasil: leis, sangue e paradoxos

Há uma lei no Brasil que impede que uma pessoa que chegou aos 70 anos seja doadora de sangue!

De acordo com os dicionários, o termo “paradoxo” é classificado como contradição acentuada, algo que foge ao senso comum. Assim, na esteira dessa definição técnica, podemos dizer que tal enfoque ajusta-se como uma luva ao Brasil, um país, infelizmente, marcado por inúmeras contradições.

Tais desajustes tornam-se mais evidentes no campo das leis, pois temos muita legislação, mas nem todos seguem à risca o que a justiça determina e, para tornar a situação mais obscura, muitos artigos são contraditórios. Só para citarmos um exemplo, vamos analisar o caso dos idosos no país do carnaval.

Durante um bom tempo, as pessoas da terceira idade foram vítimas de muitas injustiças, perseguições e preconceitos. Graças a um trabalho de conscientização desenvolvido pela mídia brasileira de que os velhos também são filhos de Deus e igualmente merecem um lugar ao sol, a situação de uma amenizada.

Hoje, o idoso tem lugar privilegiado nas filas dos bancos, pode andar de ônibus sem pagar tarifas, isso no que tange ao transporte urbano, já que quando nos referimos às linhas intermunicipais, o problema ainda está confuso, afinal, muitas empresas de ônibus se negam a cumprir o que já foi sancionado pela Presidência da República e também é reconhecido com um direito daquele que durante mais de sessenta anos deu a sua parcela de contribuição para o progresso da terra do futebol.

Mas, apesar dos avanços, ainda há certos paradoxos que precisam ser vencidos. Um deles é simplesmente kafkiano e beira o ridículo, pois há uma legislação em curso que impede que uma pessoa que chegou aos seus honrados 70 anos seja doadora de sangue.

Gostaríamos de saber de onde partiu tamanho despautério, uma vez que tal determinação soa-nos com um simples preconceito gratuito contra aqueles que já são tão vítimas do descaso da sociedade. Sim, pois isso nos lembra a novela “Metamorfose”, do brilhante Franz Kafka, no qual mostra que o ser humano só útil à sociedade enquanto está ativo, produzindo. Quando perde sua capacidade de produção, o ser humano é encostado num canto, como se fosse uma ferramenta obsoleta.

Isso quando não é internado numa clínica geriátrica, na verdade, sutil eufemismo para “depósito de velhos”. Pois bem, acreditamos que as autoridades precisam esclarecer à população idosa do país porque não uma pessoa que está “na melhor idade” não pode se doadora. Se podemos votar, por que não podemos doar?

O leitor pode estar indagando a razão pela qual defendo esse posicionamento crítico. A questão é simples, há algumas pessoas que trazem dentro de si o espírito de solidariedade e que desejam participar ativamente do processo de contribuição de uma sociedade mais justas. Além disso, outros são doadores desde a juventude e acabaram desenvolvendo um hábito que, devido à avançada idade, acaba sendo tolhido por uma decisão judicial.

Assim, perguntamos: o sangue de uma pessoa de idade avançada é inferior ao de um jovem? Há riscos de se transmitir alguma doença da terceira idade aos futuros beneficiados com esse sangue não tão novo? Mas, em tese, não há de se levar em conta que uma pessoa que chegou à casa dos 50 anos não tem uma vida mais equilibrada, mais centrada e, também, detentor de uma alimentação equilibrada, além de cuidados com os excessos com o álcool, ao contrário de um jovem que está no furor da vida, que gosta de correr mais riscos e não pesa as conseqüências.

As contradições se acentuam quando lemos freqüentemente na mídia sorocabana notícias de que há falta de sangue nos hemocentros da cidade. Às vezes, somos surpreendidos por um pedido explícito de socorro que parte de alguém que sofreu um acidente grave e necessita urgentemente de determinado tipo de sangue para que possa sobreviver.

Sabemos que muitas pessoas morrem nos hospitais por falta de uma ação solidária, um gesto humanitário de doar sangue, prática que sempre mantivemos em nossa vida e que, agora, estamos sendo impedido por conta de uma lei absurda.

O problema do desrespeito às leis existe justamente porque muitas das legislações em vigor foram impostas à sociedade, sem que o povo fosse consultado. Não fazem uma análise sobre suas conseqüências. Assim, os necessitados de sangue continuarão clamando, enquanto o egoísmo e leis equivocadas reterão o sangue bom nas artérias das boas intenções.

Douglas Lara é o idealizador da Semana do Escritor de Sorocaba - (douglara@uol.com.br)

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Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 29/12/2006
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