Direitos Adquiridos Por Tempo de Vida
É verdade. Assim como os trabalhadores tem direito a aposentadoria por tempo de serviço, também temos direitos adquiridos pelo tempo que já vivemos. E aqui não estou me referindo a algumas regalias, tais como atendimentos prioritários, transporte público gratuito, meia entrada em locais de diversão, etc. Estas são conquistas importantes que, infelizmente, alguns usam de forma abusiva e constrangedora, notadamente em filas de atendimento, quando, não havendo a indicação de prioridade, alguns idosos invocam seus direitos e passam na frente dos outros, causando uma certa revolta que, certamente, não é o objetivo da primazia. Seria ótimo que tudo isso fosse acompanhado do respeito e do cuidado.
Quero referir-me à liberdade que o tempo nos confere de, adotando um espírito crítico e transparente, sermos sinceros em relação a determinadas situações. Sem grosserias ou agressividade, quando não gosto de uma determinada obra, digo simplesmente: não gostei. O tempo de vida deu-me esse direito. Recentemente li um livro de um amigo onde as palavras escorrem como ribeiros perenes e a narrativa desliza suave e artisticamente construída. Tem ele o dom da escrita. O conteúdo, o tema, entretanto...
É preciso ter a percepção de que, a essa altura da existência, as novidades são raras. O tempo vivido nos fez ver, ouvir e ler muitas coisas e os assuntos começam a ficar repetitivos, o que nos aguça ainda mais o senso crítico, comparativo. É preciso rever as expectativas para não ficarmos frustrados ou excessivamente ranzinzas e rabugentos. Não podemos entretanto abrir mão dos direitos adquiridos. Se algo ou alguém é feio, é feio mesmo e ponto final. Só não precisa ser dito. Não precisamos mais buscar meias palavras, meias verdades ou amenidades, tais como: ele (ou ela) é simpático, tem isso ou aquilo como compensação, etc., etc. Alguém poderia argumentar que esse deveria ser o comportamento em qualquer idade. Realmente, só que ainda não adquiriram direitos.
O tempo vivido dá-nos o direito de interpelar os mais jovens, de aconselhá-los; confrontar, no bom sentido, as autoridades constituídas quanto aos seus atos, exigindo correção. Resgatar o silêncio quando ele precisa ser re-estabelecido e fazer-se ouvir com a experiência adquirida.
Até mesmo pequenos deslizes nos são permitidos. Explico: quem poderá nos negar um pouco daquela deliciosa sobremesa, mesmo que a nossa taxa de açúcar não esteja tão favorável? Ou ainda, quem poderá recriminar-nos por algum esquecimento? Quem sabe a certa altura da vida alguns pecados já não nos são mais imputáveis? Obviamente que não é por aí. No mais, resta desejar que tenhamos sabedoria para usar os direitos que adquirimos pelo tempo de existência.