O ESPIRITISMO SEGUNDO COELHO NETO

O ESPIRITISMO

SEGUNDO

COELHO

NETO

“Ainda que eu duvidasse, com toda a minha incredulidade, havia de convencer-me tais eram as referências, as alusões que a pequenina voz do Além fazia a fatos, incidentes da vida que conosco vivera o corpo da qual ela fora o som”.

Coelho Neto

Vamos cuidar, agora, da surpreendente conversão do saudoso imortal Henrique Coelho Neto ao Espiritismo, segundo a entrevista que fez época, divulgada pelo “Jornal do Brasil”, de 7 de junho de 1923, conforme vamos transcrever:

“Sim, tem razão – respondeu Coelho Neto ao repórter. Combati, com todas as minhas forças o que sempre considerei a mais ridícula das superstições. Essa doutrina, hoje triunfante em todo o mundo, não teve, entre nós, adversário mais intransigente, mais cruel do que eu.

Em casa, onde a propagada, habilmente insinuada, conseguira fazer prosélitos, todos temiam-me, apesar da minha conhecida tolerância em matéria de fé, porque eu não deixava passar um só dos livros de preparação e opunha-me, com energia, às tais sessões reveladoras. Mas que queres?

Não tiveram os cristãos inimigos mais acirrado do que Saulo até o momento em que, na estrada de Damasco, por onde ia para a sua campanha de perseguição, o céu abriu-se em luz e uma voz do Alto o chamava à fé. E de inimigo que era tornou-se, desde logo, o tapeceiro de Tarso, o mais fervente e abnegado apóstolo do Cristianismo, saindo a pregar a Palavra suave ao gentio pagão? Pois, meu caro, a minha estrada de Damasco foi o meu escritório e, se nele não irradiou a luz celestial, que deslumbrou São Paulo, soou uma voz do Além, voz amada, cujo eco não morre em meu coração.

Sabes, que, depois da morte da pequenina Ester, que era o nosso enlevo, a vida tornou-se sombria. A casa, dantes alegre com o riso cristalino da criança, mudou-se em jazigo melancólico de saudade. Passei a viver entre sombras lamentosas.

Minha mulher, para quem a netinha era tudo, não fazia outra coisa senão evocá-la, reunindo lembranças: roupas que ela vestira, brinquedos que a acompanharam até a última hora, entre as quais a boneca, que foi com ela para a cova, porque a pobrezinha não a deixou até expirar.

Júlia ... coitada! Nem sei como resistiu a tão fundos desgostos; seis meses depois do marido, a filha.

Pensei perde-la. Todas as manhãs lá ia ela para o cemitério cobrir o pequenino túmulo de flores, e lá ficava horas e horas, conversando com a terra, com o mesmo carinho com que conversava com a filha. Ia depois ao túmulo do marido e assim vivia entre os mortos, alheia ao mais, indiferente a tudo.

Propus mudarmo-nos para Copacabana. Opôs-se. Insistiu em ficar na casa em que ora feliz e desgraçada, mas onde perduravam recordações do seu tempo de ventura. Temi que a seduzissem para o Espiritismo, que a lançassem ao turbilhão do mistério em que se agitam as almas do nosso tempo, como endemoninhados da Idade Média corriam ao Sabbat, nos desfiladeiros sinistros. No estado de abatimento moral em que ela se achava, seria arriscado perturbar-lhe a razão com práticas nigromânticas.

As minhas ordens, dadas em tom severo, foram obedecidas. Júlia passava os dias no quarto, que fora da pequena, e de fora ouvíamo-la falar, rir, contar história de fadas, exatamente como fazia durante a vida da criança.

Tais ilusões dolorosas eram bálsamos que mitigavam o sofrimento da alma, como a morfina alivia as dores. Cessada a ilusão, o desespero irrompia mais acerbo. Era assim.

Uma manhã, porém, com surpresa de todos, Júlia apareceu-nos risonha, posto que os olhos ainda conservassem lágrimas como as rosas conservam orvalho na corola, ao Sol.

Interroguei-a, sorriu. Interroguei minha mulher. Nada. Confesso-te que cheguei a pensar na .... volta da primavera.

Lucílio tornara-se mais assíduo nas visitas, aparecendo-nos duas e três vezes por semana e o amor, bem sabes renova; o amor é como o Sol que abre flores nas próprias covas.

Já começava a fazer-me a tal ideia quando uma noite, minha mulher entrou-me pelo escritório, lavada em lágrimas, e disse-me, abraçando-se comigo, que a filha enlouquecera.

- Por quê! – perguntei.

- Está lá em baixo, ao telefone, falando com Ester.

- Que Ester?

- A filha....

Encarei-a demoradamente, - prossegue Coelho Neto – certo que a louca era ela não Júlia.

Como se compreendesse o meu pensamento, ela insistiu:

- Lá está. Se queres convencer-te, vem até a escada. Poderás ouvi-la. Fui.

Como sabes tenho dois aparelhos: um no “hall”, outro, em extensão no meu escritório. Ficamos os dois, minha mulher e eu, junto à balaustrada do primeiro andar. Júlia falava baixo, no escuro.

Por mais esforço que fizéssemos não conseguíamos ouvir uma palavra. Era um sussurro meigo, cortado de risinhos. O que me pareceu, por que não dizê-lo? Foi que a conversa era de amor.

Tive ímpetos de violar o segredo de minha filha, mas o escrúpulo do meu cavalheirismo conteve-me.

- Por que dizes que ela fala com Ester?

Perguntei à minha mulher.

- Por quê? Porque ela mesma me confessou e não imaginas com que alegria.

Fiquei estatelado, sem compreender o que ouvia. De repente, numa decisão, entrei no escritório, desmontei lentamente o fone do aparelho, apliquei-o ao ouvido e ouvi.

Ouvi, meu amigo. Ouvi minha neta. Reconheci-lhe a voz a doce voz, que era a música da minha casa.... Mas não foi a voz que me impressionou, que me fez sorrir e chorar, senão o que ela dizia (grifo é nosso).

Ainda que eu duvidasse, com toda a minha incredulidade, havia de convencer-me tais eram as referencias, as alusões que a pequenina voz do Além fazia, a fatos incidentes da vida que conosco vivera o corpo da qual ela ora o som (o grifo é nosso).

Mistificação? E que mistificador seria esse que conhecia episódios ignorados de nós mesmos, passados na mais estreita intimidade entre mãe e filha. Não! Era ela, a minha neta, ou antes: a sua alma visitadora que se comunicava daquele modo com o coração materno, levantando-o da dor em que jazia para a consolação suprema.

Ouvi toda a conversa e compreendi que nos estamos aproximando da grande era, que os tempos se atraem – o finito defronta o infinito, e das fronteiras que os separam, as almas já comunicam.

E eis como me converti, eis porque te disse que a minha estrada de Damasco foi o escritório onde se não fui deslumbrado pelo fogo celestial, ouvi a voz do Céu, a voz do Além, da outra Vida, do mundo da Perfeição...

-Ouviste-a ao telefone .... E porque não a ouves no ar, como a ouviu ... São Paulo, por exemplo?

Por quê? Porque o espirito precisa de um meio em que se demonstre. Para viver conosco, encarna-se. O próprio Espírito de Jesus encarnou-se. O lume precisa de um combustível para arder e o lume é luz, eternidade: o som precisa de um órgão para vibrar. Todo o material carece de um veículo para agir.

- Uma pergunta apenas: Como consegue D. Júlia pôr-se em comunicação com o espírito da filha? Não me consta que a “Companhia Telefônica” tenha ligação com o Além.

- Respondo-te. Quando Júlia – disse-me ela própria – deseja comunicar-se com a filha, invoca-a, chama-a com o coração, ou melhor: com amor e ouve-lhe imediatamente a voz. Falam, entretêm-se, continuam a vida espiritual. A que lá está em cima é feliz na Bem-aventurança e a que ficou na orfandade já não sofre porque o que era esperança tornou-se certeza....

- Certeza de quê? – interrogou o repórter.

- De uma vida melhor e maior, de vida puramente espiritual, como a claridade, vida sem dores, sem os tormentos próprios da carne, que não é mais do que um cadinho em que nos depuramos em sofrimento para alcançarmos a Perfeição”. Assinado: - Coelho Neto.

Extraído da admirável obra - Os Simples e Os Sábios

Pedro Granja

Pedro Prudêncio de Morais
Enviado por Pedro Prudêncio de Morais em 03/10/2011
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