PERVERTIDO E ABERRANTE

Roma é até hoje um eterno palco de conhecimentos, aventuras, histórias, belezas e muitos mistérios. Ninguém, por mais que conheça, jamais desvendará todos os mistérios enterrados da Roma antiga, no tempo dos Césares; a Roma que foi um dos berços da democracia e justiça. É também sempre bom lembrar que o Império Romano nem sempre praticou a democracia e a justiça que ventilam nos livros de história, principalmente quando se fala de seus imperadores.

O garoto Gaius Julius Caesar Augustus Germanicus que nasceu em 31 de Agosto de 12 DC, talvez ninguém o conheça pelo nome de registro, mas se falarmos em Calígula, aí sim todos vão pelo menos se lembrar do Imperador Romano que se tornou rótulo de perversão; aquele que ficou retratado como uma aberração sexual, um homem que não imaginava que era um Deus; ele tinha certeza...

Sabemos bem que Calígula foi extremamente esdrúxulo, excêntrico e no auge de sua insanidade, chegou a praticar atos de natureza sádica, empregando aos seus palácios todo tipo de cena fora do comum. Textos de escritores de época afirmam que ele não respeitava sequer seus parentes mais próximos; quando se sentia insaciado de seus delírios passava a utilizar qualquer um que passasse por seu caminho e nem sempre se tratava de seres humanos.

O nome Calígula que recebeu por alcunha, se traduzido do latim da época para a língua portuguesa, significa “calçado pequeno”. As sandálias dos legionários romanos eram chamadas de caligae e o pequeno Julius Augustos costumava andar mascarado de legionário e usando pequenas sandálias ainda quando criança. Os soldados de seu pai achavam graça das cenas provocadas pela criança e lhe deram este apelido que se tornou sua marca registrada.

O garoto Julius Augustus era filho do General Nero Claudius Drusus Germanicus, membro da Família Imperial e conhecido universalmente como sendo um talentoso da arte da guerra e generoso com quem solicitasse seu auxílio. O garoto Augustos cresceu sabendo de sua importância, afinal de contas era sobrinho do Imperador Tibério. Sua mãe era ninguém menos que Agripina, neta de Cesar Augusto, primeiro Imperador de Roma. Calígula tinha em seu sangue a nobreza tão requisitada pelo povo de Roma para seus líderes; estava acostumado aos luxos palacianos e as conquistas provindas das batalhas.

Depois que seu pai morreu em Antioquia, Calígula retornou ao seio Romano com sua mãe e seus quatro irmãos, mas ao invés de ser recebido com o louvor esperado, conta à história que Tibério ficou incomodado com a presença de sua família e mandou prender sua mãe por medo dela se casar novamente com algum de seus rivais. Relatos afirmam também que muitos membros da família de Calígula foram mortos misteriosamente e que ele acreditava que se tratasse de obra de Tibério. Ele consegue depois se reconciliar com Tibério, mesmo tendo sua mãe sob o regime de cárcere. No leito de morte Tibério ordenou que o império fosse governado em conjunto por Calígula e por Tibério Gamelo, seu neto legítimo; mas Calígula tratou de fazer Gamelo sumir do mapa e praticamente da história.

Mais velho e completamente escolado pelo pai, Calígula primeiro tratou de anular o testamento de Tibério, alegando insanidade quando determinou que uma criança governasse a importante Roma. Em seguida Calígula caiu doente e quase morreu; quando se recuperou mandou matar Gamelo após acusá-lo de rezar pela morte do Imperador. Era o início de todas as histórias atrozes que fizeram deste personagem um dos maiores vilões de que temos conhecimento.

No início do Governo de Calígula verificou-se uma crescente onda de pujança; Roma passou a desfrutar de uma estabilidade interna jamais vista. Sua gestão ficou marcada no início como sendo ética e altamente incorruptível; mas esta bonança foi somente no início. Após poucos meses de governo Roma mergulhou em uma grave crise econômica e os pagamentos das crescentes dívidas já não davam sustentabilidade a Calígula como um bom governante. A situação ficou tão grave que ele acabou pedindo dinheiro à plebe para salvar o império.

Na questão militar o insano Calígula não ofereceu nada de importante a seu império; não fosse a indexação da Mauritânia após matar seu governante em uma de suas visitas a Roma, nada mais ele conseguiu fazer ou manter. Acordos visivelmente desfavoráveis para Roma foram assinados com Herodes em Jerusalém concedendo vantagens para o amigo. Calígula sempre desejou ter uma estátua sua no centro da cidade sagrada para que fosse cultuada por todos os povos do lugar.

Há controvérsias sobre as histórias mais aberrantes envolvendo o monarca Calígula, mas historiadores afirmam que ele fez sexo com suas irmãs e não achando pouco, as obrigou a praticarem prostituição para se beneficiar dos honorários torpes.

Uma das tantas curiosidades envolvendo Calígula é a construção do obelisco que adorna o centro da praça principal do Vaticano, a Praça de São Pedro. O megalítico imponente começou a ser construído no Egito por ordem direta de Calígula e acabou chegando a Roma para ser um dos destaques do hipódromo da província.

No ano 40 Calígula despencou de vez com o juízo; ele que já era o Comandante Mor da maior força militar e política da época, Roma, pretendeu ser Deus. Calígula passou a desenvolver ações que reuniam estratégias de conjunturas entre o Governo e a Religião e aproveitando-se do furor ocasionado com suas ordens e idéias passou a se apresentar travestido de Hércules, Mercúrio, Vênus e Apolo. Começou a fazer referência a ele próprio, nas aparições no Senado, como se fosse um Deus de fato. Documentos recuperados de sua época provam que Calígula assinou oficialmente como Júpiter. Mandou também erigir três monumentos em sua homenagem como Deus e já no final de seu governo passou a aparecer para o povo também vestido de Deus; ainda insatisfeito ele exigiu que o povo e o Senado lhe rendessem culto em vida...

Filon de Alexandria e até mesmo Sêneca afirmavam que Calígula era um psicopata irascível, debochador, volúvel e enfermo sexual. Era comum ouvi-lo dizer que transava com as mulheres de seus súditos, por bem ou por mal; também era comum ouvi-lo gabar-se de que matava por prazer e por mera diversão. Seutônio o descreve com sendo alto, corpo enorme, de pescoço e pernas delicadas. Olhos fundos, fronte larga e sombria e cabelos raros e no alto da testa desguarnecida. Tinha corpo cabeludo e rosto horrível e repelente, e ele procurava torná-lo cada vez mais feroz, ensaiando diante de um espelho, para inspirar terror e espanto. Mas o que todos os escritores da época descrevem de mais aberrante foi de Calígula desejar que seu cavalo Incitatus pudesse se tornar Cônsul e Sacerdote.

O reinado e a vida de Calígula não poderiam durar muito com tanta extravagância e reunindo tantos inimigos. Do jeito que ele tratava qualquer outra pessoa que não fosse ele próprio já poderia lhe dar uma espécie de prenúncio de como terminariam seus dias. Seus próprios guardas, os Centuriões Pretorianos liderados por Cássio Quarea e tendo outros membros emblemáticos de Roma por trás, trataram de organizar uma conspiração para matá-lo.

Seu algoz Quarea foi por inúmeras vezes chamado de afeminado e inútil pelo próprio Calígula; talvez isso o tenha feito criar um ranço e um ódio mortal por seu imperador, mas a história também nos revela que senadores e outros altos servidores do império atendiam aos anseios do povo que suplicava pela saída de Calígula; então tramaram a morte por assassinato do homem que pensou ser Deus.

No dia 24 de janeiro de 41 DC, quando Calígula saía do quarto palaciano para prestigiar um grupo de atores Quarea e membros da Guarda Pretoriana o abordaram e desferiram-lhe inúmeros golpes de punhal por todo o corpo. A morte de Calígula foi vista como um ato de restauração da democracia republicana de Roma e historiadores dizem que os mandantes e os executores do Imperador teriam privilégios após sua morte, mas a mesma história também assinala que nada disso aconteceu. Todos os envolvidos foram mortos, como determinava a justiça, exceto Cláudio, seu tio, também assinalado como mentor de toda a trama e que se tornou Imperador, inclusive ordenando a morte de outros envolvidos.

Antes que grupo opositor que tramou a morte de Calígula fosse extinto pelas leis romanas, eles ainda mataram a esposa e a filha do Imperador; a esposa a golpe de punhais e a filha com uma grave fratura no crânio após ter a cabeça açoitada contra um muro...

Saber onde começa a verdade e onde finaliza qualquer aleivosia a respeito de Calígula é algo simplesmente difícil. Suas excentricidades foram de fato narradas por vários historiadores que sequer se conheciam, mas que vivenciaram de certa forma as loucuras praticadas pelo Imperador; mas também há quem afirme que muitas das ações daquele que se considerava Deus ajudaram Roma num período muito grande. Suas contribuições para a saúde, como as construções de aquedutos e ambulatórios; as pontes, estradas, escolas e redes de saneamento deram modernidade e pujança ao Império, mas nada disso conseguiram sobrepor as graves denúncias de desumanidade e desrespeito a dignidade e a vida de seu povo.

Calígula assumiu o Poder de Roma com menos de 25 anos; seu reinado não durou nem 5 anos e causou um tumulto histórico tão convulso e avassalador que o transformou muito mais do que um feroz Imperador. Calígula se tornou uma referência de devassidão e de doença mental. Um homem que viu seu pai morrer, sua mãe ser presa e que segundo consta a história, se divertiu tanto que se tornou predileto dos algozes de seus pais; aquele que o fez Imperador. O homem que foi morto por idéia do tio, que virou Imperador de Roma.

Não é por acaso que esta história é uma das mais comentadas até hoje do vasto e sacro Império Romano, o berço da democracia...

Carlos Henrique Mascarenhas Pires é editor do blog www.irregular.com.br

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Enviado por CHaMP Brasil em 25/09/2011
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