A roda e o chão - Texto: Carlos Lopes

Só aceitei descer ao nível do mar diante da promessa de conhecer um navio, escada rolante e, sobretudo, um avião. Quer dizer, não um avião em si, isso eu já conhecia lá do interior, ver o bicho tocando o solo.

No caminho meu pai conversava o tempo todo com o caminhoneiro sobre coisas da política e eu não perdia um movimento da estrada de cara no pára-brisa. De Arcoverde pra lá, tudo era novidade. Na Serra das Russas senti cofose e com o dia amanhecendo entramos no Recife.

A embarcação velha e corroída perdeu em atenção à Praça Rio Branco e a beleza das confluências das Avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda, isso pra não falar do prédio da antiga Bolsa de Valores. Ali, meu pai mostrou a placa do marco zero explicando ser o ponto inicial das estradas do estado.

Andar na escada rolante da Viana Leal só me igualou aos colegas que se gabavam no retorno de férias. O aeroporto sim, este foi surpreendente. Havia uma porção de aeronaves, umas pequenas, outras grandes, e finalmente um ponto luminoso no céu. Gritei: ¨Pai, este vai pousar!¨ E finalmente o sonho se realizou ... vi a roda do avião tocar o chão.

O ronco do motor de um avião ou vê-lo no chão, pouco dizia nos meus dez anos de idade. Eles apareciam na minha cidade trazendo alguma autoridade, circulavam por uma ou duas vezes e se encaminhavam em direção do Cruzeiro, dando a impressão de ir embora. Aí, com suavidade e voando baixo cruzava sobre nossas casas buscando o pouso.

No primeiro ronco vindo do céu, alguém gritava: ¨Avião!¨ Com amigos, novo grito: ¨Pernas pra que te quero!¨ Passavam sobre nossas cabeças com o trem de pouso a mostra logo depois da ladeira do cemitério. Infelizmente, nunca chegamos a tempo de vê-los tocando o chão. Pra não perder a corrida, muitas vezes nos embrenhamos mata adentro, ocasião em que cada um se isolava sentado em seu barranco e ...

- ¨Isso lá é estória que se conte essa hora menino?¨ - Disse uma voz lá de dentro.

Pensei comigo: ¨Logo agora que estava ficando bom!¨

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Gândavo
Enviado por Gândavo em 07/09/2011
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