A AUTORIDADE E O AUTORITÁRIO
Tem muita gente boa que é autoridade; mas o que é esta tal de “autoridade”? Pode ser um prelado eclesiástico, um posto ocupado por alguém que precisa decidir sobre algo ou alguém e também pode ser perfeitamente aplicado para as pessoas com alto domínio de um ofício, um profissional com extenso conhecimento do que produz a ponto de até ensinar outras pessoas; mas o que mais temos notícias, desde que o mundo é mundo; não são das verdadeiras figuras que simbolizam a “autoridade”, mas sim aquelas que empregam o autoritarismo!
No passado o conceito de “autoridade” era apenas um modelo; uma simples fonte de poder. Era o alicerce de qualquer tipo de coordenação hierarquizada, sobretudo no sistema político militar; uma espécie de poder continuativo no tempo, estabilizada, que podia ser caracterizada como institucionalizada, ou não; em que os subordinados, ou vassalos, prestavam uma sujeição absoluta, ao indivíduo ou a instituição detentores da autoridade. Traduzindo, o rótulo da autoridade transmitia a mensagem de ordem sem dar razões ou algum argumento de defesa e os indivíduos submissos a esta autoridade aceitavam e obedeciam sem questionar.
A figura do militar é quem mais traduz esta bifurcação etimológica onde a autoridade se confunde com o autoritário. O sujeito de posse de uma farda, com ou sem patente alta, mas principalmente os de alta patente; adicionado das figuras da arma, do poder, da prisão e da coação, quando não devidamente equilibrado mentalmente, pode facilmente extrapolar entre os limites entre a verdadeira autoridade e do autoritarismo. O judiciário no passado também foi uma fábrica inesgotável de autoritarismo, mas campeã geral e indiscutível é a instituição policial.
O senador italiano Norberto Bobbio, preclaro filósofo do Século XX, classificou o estabelecimento da autoridade em três partes: a coercitiva, quando o agente aplica suas diretrizes a ponto até de privação de liberdade; a remunerativa, quando o agente aplica o controle de recursos; e finalmente a autoridade normativa, quando o agente aplica alocação de prêmios e penúrias mais simbólicas.
Se observarmos bem a classificação de Bobbio, as três faces da autoridade perfazem a mesma tendência arcaica e inútil de que autoridade está ligada somente ao poder exercido pelo indivíduo, quando na verdade deveria estar mais ligada à liderança e a capacidade de conhecimento.
Existe ainda, no meu ponto de vista, a figura da autoridade autoritária dissimulada. Os executores do autoritarismo dissimulado é toda aquela figura que possui algum tipo de poder constituído, como por exemplo, um militar, mas que tenta passar uma imagem de humilde, compreensivo, o famoso bonzinho. O dissimulado autoritário enseja que a sua força seja perpetuada e que as outras pessoas lhe tenham medo, mesmo que ele tente passar uma imagem contrária em sociedade. Alguns escritores como João Ubaldo Ribeiro, em suas crônicas descrevem uma espécie de imagem do general que dorme com farda, pois nem em sonho deseja ser comum.
O autoritário dissimulado jamais acolhe idéias que não sejam suas; jamais recebem críticas, mesmo as construtivas; não aceita ficar em segundo plano; exigem dissimuladamente sua patente, medalhas, títulos e quando possível, gosta de ser chamado pelo posto que ocupe. Em comunidade e perante pessoas que não são subordinadas a ele, costuma sustentar discursos contrários a sua prática; se faz de caridoso, religioso fervoroso e bom líder familiar; é aquele que jamais faz algo errado, mas critica ardilosamente os erros alheios, muitos destes, praticados às escuras por ele!
Ainda no campo da dissimulação em relação à figura do autoritário e ainda me baseando nos ensinamentos de Bobbio, a obediência torna-se durável, mas não permanente, pois de tempos em tempos a legitimidade do poder desta autoridade sofre a necessidade de ser reafirmada. Seguindo a mesma linha tênue entre o autoritarismo e a autoridade, quando ambos se juntam, claramente fica observado o abuso de poder, que é quando alguém utiliza critérios particulares para fazer valer a sua vontade; muitas vezes pessoal e não baseada em critérios justos; até mesmo em casa, quando os pais ou alguém de seus parentes usam a autoridade que tem para a violência, isso pode ser definido como abuso de autoridade!
A autoridade cuja prática é de autoritarismo é uma ditadura; seus praticantes podem ser rotulados como déspotas. Nas relações humanas o autoritarismo pode se revelar da vida nacional onde um déspota ou ditador opera sobre milhões de cidadãos; até a vida familiar ou na convivência social, onde existe a dominação de uma pessoa sobre outra através do poder financeiro, econômico ou pelo terror e coação; todas estas formas que fazem de uma pessoa uma espécie de mito, no sentido da falsa autoridade, são modos absurdos de regência nefasta e só empurram a pessoa para a ruína, a desgraça e a má convivência com ele próprio; porque no apagar das luzes, todas elas sabem que sua força perante, principalmente para os ignorantes, não passa de mera fantasia.
O sujeito autoritário tem necessidade de ser o centro das atenções; ele precisa, acima de qualquer coisa, ser venerado, adorado e mais do que amado; suas palavras têm que ser perfeitas, seus atos inquestionáveis e sua autoridade absoluta, caso contrário, ele acaba se revelando perigoso, insuportável e abjeto!
Quem um dia se der ao deleite de saborear “Política” de Aristóteles verá as primeiras tipologias clássicas que deram início a formação deste rótulo absurdo, o autoritarismo. Na época de Aristóteles, ele adotou um critério que definia a "finalidade da sociedade civil", ou, cidade-estado, definida por "uma reunião de famílias e pequenos burgos que se associam para desfrutarem juntos, uma existência inteiramente feliz e independente". O sábio grego ainda afirmou “que é necessário admitir, em princípio, que as ações honestas e virtuosas, e não apenas a vida comum é a finalidade da sociedade política. Definiu tão também: “De um lado existe o caráter puro e sadio da organização política, de outro, sua forma viciada e corrompida, ocorrendo o primeiro quando a autoridade suprema (individual ou coletiva) é exercida em benefício do interesse social; e o segundo, chamado degeneração, quando prevalece o interesse particular.
A degeneração do Poder quando prevalece o interesse particular está presente firmemente na vida da autoridade autoritária; vida esta que Maquiavel em O Príncipe discerniu como um traçado paralelo entre os dominadores tirânicos e os monarcas que usavam da estratégia para se manter no poder.
Ser respeitado em comunidade é necessário que haja muito mais do que imposição ou medo. O verdadeiro respeito somente ocorre após comprovados atos de bravura contra a desonestidade e ao próprio autoritarismo; caso em contrário, você será sempre visto como autoritário ridículo, mesmo que possua autoridade!]
Carlos Henrique Mascarenhas Pires, é editor do Blog www.irregular.com.br.