A Rua Velha que conheci - Autor: Carlos Lopes
Está escrito no texto de Augusto Sampaio Angelim - que gentilmente autorizou sua publicação neste blog, o seguinte: ¨A rua, propriamente dita, inicia-se ao final da chamada Ponte Velha. ¨ Mais a diante o autor particulariza: ¨Eu fiquei hospedado, durante mais de um ano, no casarão de número 409, na esquina do Pátio da Igreja de Santa Cruz.¨ E foi pesquisando sobre a Rua velha que encontrei o texto ¨A Guerra da Rua Velha.¨ O excelente escrito redobrou o desejo de escrever sobre o ano de 1983, quando morei no segundo andar do edifício Lisboa.
Plantados no meio da estreita e curta Rua Velha pensamos em comunhão naquele domingo: ¨É aqui que vamos morar? Como vamos chegar em casa depois das dez da noite sem ser assaltado?¨ Afinal, o que tínhamos a frente era novidade aos nossos olhos. Não havia como disfarçar o amedrontamento em nossos rostos. A Casa de Estudantes agonizava e cortar gastos era tarefa inevitável da diretoria. Em meios as opiniões políticas divergentes e conflitos internos alguns estudantes decidem pelo retorno ao interior enquanto pouco mais da metade decidem deixar a Rua Esmeraldino Bandeira, nas Graças e não medir esforços num bairro popular, onde aluguel e gastos com manutenção custa bem menos.
Mesmo sem entender aquele amontoado de casas estreitas e sem muito espaço para divisões de cômodos, pedi uma coca-cola, na esquina com o Pátio de Santa Cruz. O outrora medo estampado no rosto dera lugar a um ar de preocupação. Uma lembrança de infância veio em mente. Meu pai, no epicentro de uma crise financeira, resolve mudar de casa. Era uma daquelas casas de corredor avantajado e carregada de falecimentos. Até parecia com qualquer uma das casas da Rua Velha. Fugi! Tomei um transporte em busca da casa dos avós. Só que agora era diferente. Nem por sonho meu pai podia impedir o translado do coletivo atravessando sua Variant no meio do caminho. Paguei a bebida e fiz ciente aos amigos do mote de Chico Anísio: ¨Herói é o cabra que não teve tempo de correr.¨
Não foi muito tempo até me encantar com as ruas da vizinhança e todo o bairro da Boa Vista. Apesar da visível degradação o lugar guardava preciosidades. Logo provei dos pães da padaria Santa Cruz, um estabelecimento centenário e de clientela fiel. Não hesitava em comer pão francês com queijo prato quente escorrendo pela mão. Se o dinheiro era pouco o pão com manteiga acompanhado de um cafezinho coado ou com leite cabia no bolso de qualquer estudante. E o Mercado da Boa Vista? Logo ali perto, bastava virar a esquina. Esquina esta onde um dia existiu uma estrebaria e o cemitério da Capela, hoje igreja de Santa Cruz. Um casal de velhinhos contou que na época da escravidão funcionou também como um mercado de negros.
Pela primeira vez trocamos o supermercado pelos boxes do Mercado da Boa Vista onde comercializavam cereais, verduras, carnes, peixes, frios, ervas, artigos de armarinhos e abrigava pequenos bares de comidas regionais. Não foi muito complicado conseguir crédito em nome da casa. A verdade é que toda estudantada gozava de privilégios com muitos dos comerciantes dali. Parecia coisa de interior, pegava, anotava e pagava o débito quando a mesada chegava do interior. E foi na Rua Velha que rasparam a minha cabeça quando passei no vestibular na Unicap. Um dia o esperado acontece, a Casa de Estudante de Custódia no Recife fecha as portas. Fui o último a sair do apartamento e por certo apaguei as luzes. A partir daquele momento acabava-se a vida coletiva e tinha início peregrinações pelas pensões do bairro da infância do poeta e imortalizado pelo próprio Manoel Bandeira. Daquele momento em diante, as casas antigas e degradadas da Boa Vista não mais me assustavam. Ou como diz minha mãe: ¨Cabrito bom não berra.¨
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