Por que Agimos e Somos?
“A partir do quê” se age? Seja a partir do agrado (sensação de força transbordante a qual precisa se descarregar), ou a partir do desagrado (inibição da sensação de poder, de conquistas, que precisam se libertar ou buscar uma espécie de ressarcimento), enfim, para que o ser humano realmente age tão frenético e compulsoriamente em nossos dias atuais? Algo eu vos digo: o ser humano não age somente em função da felicidade ou da utilidade, ou para evitar o desagrado, ou o tédio: contudo, certas quantidades de energias se expandem, atingem algo em que elas possam se descarregar de múltiplas formas. Aquilo que até hoje se chamou “meta, finalidade”, é na verdade o meio para esse involuntário processo de explosão.
O grau da sensação energética fecunda o nosso “espírito”; este expõe muitas metas, e escolhe entre incontáveis uma delas, cujas conseqüências sejam um alívio para o sentimento: ocorre um duplo descarrego por assim dizer, uma vez na antecipação de uma meta que alivia, e depois na própria ação. Até que alguém diz para si próprio: “Se eu fizesse aquilo, então eu me desprezaria, então eu seria infeliz”. Tal idéia em nossa mente nos quer comunicar o seguinte: não fazer uma determinada ação por causa das conseqüências de minha sensibilidade, a qual está tanto ligada ao meu mundo interno e ao externo (familiar, social, etc).
Se observarmos bem, a meta pressuposta de qualquer ação permite uma antecipação da catarse das tensões, e com isso, estimula ainda mais o descarrego da ação, e na ação. Por tanto, a felicidade, como meta da ação de que todos apregoam e discutem, é apenas um meio de aumentar ou diminuir várias tensões psíquicas, somáticas, sociais, etc. Dessa forma o “Para Quê” nas ações é uma ilusão que nós criamos, pois quando eu digo a mim mesmo: “Eu faço isso a fim de colher a felicidade que frutificará de minha ação”. No entanto, quando eu afirmo esta sentença, não levo em conta de que aquele que age esquece a autêntica força motriz e ignota, e vê somente o “motivo” que nos aparenta ser real e único. O quanto mais nós vivemos no bem-estar revela-se no fato de que a dor é sentida tão mais fortemente do que o próprio prazer isolado.
Nossas ações nos transformam? Se nos transformam, essa transformação visa o quê, almeja o quê na verdade? Analisemos com cuidado estas perguntas. Em toda ação são exercidas determinadas forças, outras não são exercidas ou ainda nos são indeterminadas a nós (a maioria). Um afeto, por exemplo, se afirma sempre às custas de outro afetos, dos quais extrai forças, e isto é bem visualizado até em nossas células. As ações que nós mais fazemos são, afinal, como uma construção firme em torno de nós: elas nos exigem sem mais nem menos a energia, passando a ser difícil para outros propósitos se imporem. Com isso, até uma omissão como uma afirmação sistemática transforma o ser humano. (Deixemos de lado toda a dialética do ser imutável de Parmênides temporariamente).
A toda ação pertence agora também uma opinião em nós sobre nós quanto a essas ações, e é aqui que também residem vários perigos, venenos, labirintos, os quais as denominadas “Governo, Estado, Religião, Psicanálise, Ciência”, todas podem nos induzir a tantos enganos e engodos, como por exemplo, a questão do “remorso” que dizemos existir por causa de ações onde inserimos tantas lógicas, sensações e ilusões. A nossa opinião sobre nós mesmos é igualmente uma conseqüência de toda ação, pois ela trabalha nas avaliações globais que temos de nós mesmos se fomos fracos, ou fortes, ou louváveis, ou reprováveis, se temos de temer o julgamento dos outros, se podemos nos mostrar em plena luz, etc. O que então passou a ser massificado individualmente: acostumamo-nos e nos aperfeiçoamos a mentir melhor para si mesmos. A falsidade contra nós, a falta de confiança em relação a nós próprios, o temor que se reflete de nossos corpos, o desprezo por nós, tudo isso nos torna paulatinamente em árvores débeis, fracas, não consistentes e fundadas em suas próprias dores, prazeres, mentiras, e afetam todo o nosso corpo. A milenar postura hoje transmudada, pragmatizada com juros e correções: O Estar-fora-de-si como desejo (sancionado, oficializado e ensinado com veemência) de todos os fracos e insatisfeitos com si mesmos, estando os mesmos ou não, ou entronizados ou nas filas das sarjetas tão garridas.