Fragmentos da vida e da história - Cabo Toco

Fragmentos da vida e da história - Cabo Toco

Na época o meu pai integrava a diretoria da Igreja de São José, e durante as novenas, que eram de doze dias, trabalhávamos muito, sob a coordenação do nosso saudoso Pároco, Padre Orestes Trevisan, que depois recebeu o título de Monsenhor.

Na cozinha do salão de festas, trabalhavam as mulheres, geralmente as mais idosas, e boas cozinheiras. Entre essas estavam a minha avó materna, Lúcia Camillo Netto, e a Dona Olmira Leal de Oliveira, conhecida como Cabo Toco.

Cabo Toco foi o apelido que Dona Olmira recebeu, durante a sua participação na revolução de 1923, quando ela fez parte das tropas da Brigada Militar, que lutavam contra os Maragatos, dentre eles o General Zeca Netto.

Num domingo, enquanto almoçávamos a saborosa comida italiana, Dona Olmira sentou-se a nossa mesa, e meu pai disse a ela, em tom de brincadeira:

Dona Olmira, conte ao meu filho, como o General Zeca Netto sempre vencia vocês.

Então ela sem delongas, foi logo relatando:

- As tropas do General Netto, eram uma gurizada, sem experiência de combate, mas venciam pela coragem, por isto todos tinham medo deles.

- A minha mãe teve um caso com o Netto, e graças a isto ele me recebeu no acampamento, e pude tomar chimarrão com ele na porta da barraca.

- Quando fui comer churrasco, tive medo que eles me envenenassem, por ser uma inimiga, e certamente estar espionando.

- Depois eu voltei, e informei ao nosso chefe, a exata localização do acampamento do Netto.

- Na madrugada atacamos de surpresa, mas não sei como, parece que estavam nos esperando.

- As nossas tropas foram recebidas com uma chuva de balas, e tivemos que bater em retirada.

Dona Olmira contava com orgulho, o fato de ter tomado chimarrão com o General Netto.

Na ingenuidade da sua juventude, e mesmo já na experiência da sua velhice, ela não imaginava que o General Netto, percebera o motivo da sua visita, ao acampamento dos revolucionários Maragatos.

Netto como homem nobre, jamais tomaria atitudes vingativas, e como homem inteligente, nunca demonstraria ter percebido os propósitos da espiã.

Evidentemente ele preparou as suas tropas, para e iminência de um ataque, onde o adversário já não teria a vantagem do fator surpresa.

Dona Olmira viveu pobre, num subúrbio de Cachoeira do Sul.

Ainda me lembro dela, quando ela passava pela Rua Felix Garcia, próximo a nossa casa, conduzindo uma pequena carroça.

Na minha visão de criança, a sua figura era como um cerne, que resistia ao tempo. Ela me parecia austera, e me inspirava um certo medo.

Talvez porque nela estava estampada a lembrança da violência, o convívio com a dor, a morte e por fim, com a sua solidão.

Pouco antes da sua morte, Dona Olmira foi lembrada, pelo Dr. Nilo Bairros de Brum, na canção “Cabo Toco” apresentada na Quinta Vigília do Canto Gaúcho, de Cachoeira do Sul.

A qualidade da letra, e a magnífica interpretação, por Fátima Gimenez, que se apresentou usando uma farda, igual àquela que fora usada pelos soldados da Brigada Militar, valeram à obra o primeiro lugar no festival.

Durante a cerimônia de premiação, Dona Olmira que subira ao palco, pensou que o troféu fosse para ela.

Mas parece que para ela, a vida não reservara troféus.

Ainda lembro quando numa reunião da Câmara, alguns vereadores se penitenciavam, por desconhecer a história de Cabo Toco, e procuravam homenageá-la.

Às vezes conhecemos pessoas notáveis, de outros lugares, enquanto outras, que estão ao nosso lado, sequer são notadas.

Cabo Toco parecia não saber o porquê das lutas, tampouco porque no entardecer da sua existência, brilhou como uma estrela fugaz.

Logo em seguida, o mundo a esqueceu, e o tempo vencia aquela, que se dizia combatente Chimango.

Para alguns a batalha foi honra e poder, para outros apenas uma promessa, e uma canção.

Olmira Leal Oliveira nasceu em 18/06/1902 em Caçapava do Sul, Rio Grande do Sul e morreu no dia 21/10/1989 aos 87 anos, em Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul.

Acioly Netto

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Cabo Toco

Nilo Bairros de Brum

Foi no lombo de um cavalo que descobri horizontes

Em vez de vestir bonecas andei gritando repontes

Entrei de frente na história e acredite quem quiser

Em vinte e três fui soldado sem deixar de ser mulher

Em vinte e três fui soldado sem deixar de ser mulher

Me chamam de Cabo Toco

Sou guerreira, sou valente

Do Primeiro Regimento

Enfermeira e combatente

Me chamam de Cabo Toco

Só não sabe quem não quer

Debaixo do talabarte

Há um coração de mulher

Lutei contra Honório Lemes na serra do Caverá

Na ponte do Alegrete meu fuzil estava lá

Enfrentei o Zeca Netto sem temor da "colorada"

Anita sem Garibaldi, já nasci emancipada

Anita sem Garibaldi, já nasci emancipada

A velhice me encontrou com a miséria na soleira

A ver a vida por frestas num subúrbio de cachoeira

Digo aos curiosos que trazem ajudas interessadas

Que não quero caridade quero justiça e mais nada

Que não quero caridade quero justiça e mais nada

Segundo informações, esta canção é um conto figurado, baseado nos fatos.

Acioly Netto
Enviado por Acioly Netto em 17/08/2011
Reeditado em 04/11/2021
Código do texto: T3164514
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