A IDA DE UM COMBATENTE

É com pesar que, nestas linhas comovidas, registro a ida sem volta de um combatente, incansável lutador contra os “anos de chumbo”, o Dr. Francisco das Chagas Dias Monteiro. À viúva dele, filhos e familiares, em geral, votos de solidariedade. Como diz a imprensa, “médico sanitarista, por formação, e poeta e militante” do PC do B (in Ranne Almeida, jornal O POVO, Fortaleza, Caderno “Política”, 13 Ago. 2011, p. 23;

Conheci o “Chico Passeata”, ali pelo ocaso dos anos 60, aos introitos da década de 70, na sala da futura esposa dele, a Helena. Cheguei até lá pela mão da Rosa, a noiva do Megela e irmã da Adelaide. Outra Rosa, portanto, homônima da intrépida Rosa da Fonseca. Se bem vocês notam, acima, ainda hoje, pelo hábito de quando pisava no chão de reuniões das esquerdas, observo o meu antigo modo de ser: omitir sempre os nomes próprios por inteiro.

Íamos ao casarão das três irmãs Serra Azul, na Franklin Távora, com o fim único de estudar o Marx e seus afins. Claro que, também, para nos pormos em voga e compreendermos melhor os meandros da então brutal ditadura, discutíamos com frequência a “situação nacional”. A moderadora das discussões era sempre a Ruth, mais tarde presa política, exilada e tornada emigrante pelo mundo afora.

Desde os bancos da Medicina, valente, sofrido e perseguido foi o casal formado por Helena e Chico, sempre à frente de todos os cordões de passeatas e lutas sociais. Pelo que se noticiou, a Helena teve que deixar, às pressas, o cárcere, no Recife, a fim de dar à luz o primeiro dos dois filhos do casal de médicos militantes do PC do B.

Na roda-viva dos tempos, primeira metade da década 70. Ainda de dentes assanhados, era vigente a ditadura dos golpistas de 64. E eu fazia parte de uma patota boêmia de professores do Colégio Oliveira Paiva, instituição particular, sob o comando do poeta Barros Pinho. A agente ia muito a uma churrascaria que ficava na quina da Clarindo de Queirós com a Av. Padre Ibiapina, onde comum era ver ali o “Chico Passeata”

Em boa parte, mas com moderação, “que ninguém é de ferro”, as madrugadas eram o nosso hospitaleiro refúgio, lá na churrascaria. O ponto de boêmios, tranquilo, asseado e sem sofisticação, ficava em uma das asas do SESC. Uma cerveja, outra mais e conversa vai, conversa vem, sempre ao sabor de uma boa “conversa de beira de copo”, como nos definia esses encontros o poeta Barros Pinho. Este, doido pela voz da Maria Cruza; eu também dela já me fizera fã e a Bossa Nova e a MPB, em especial, eram a nossa praia. Este era o fundo musical do ambiente: MPB e música de protesto. Quando saía “Pra não dizer que não falei de flores”, do Vandré, todos cantávamos juntos e íamos ao delírio. O Waldeck, camarada hoje no Além, era o nosso puxador número 1 da música de protesto.

Num clima e ambiência assim, “bodeguita” festiva, tudo musical e civilizado, também metido na patota lá dele, vez por outra o “Chico Passeata”, que não apenas tinha alma de poeta, mas era um bardo, de verdade, ia dar as caras no nosso bar de encontros, às sextas-feiras. Sem privar da intimidade do acadêmico de Medicina e poeta, mas já o conhecendo de outros natais, assim somente meio de vista, no casarão das irmãs Serra Azul, eu o cumprimentava, claro, e o Barros Pinho é que lhe tinha maior conhecimento.

Estas garatujas não dão sequer um artigo, nem crônica, nem um causo. Não contêm passagens hilárias: só reconhecimento e apreço pelo cidadão que se foi para o Infinito. No máximo, aqui, vai o arremedo de uma página de saudades para lembrar e homenagear o poeta, o romântico, o idealista, o comunista, médico e revolucionário “Chico Passeata”, sem dúvida um brasileiro, do Ceará, que se inscreve no panteão de um dos combatentes mais dignos das esquerdas nacionais.

Fort., 13/08/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 13/08/2011
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