O ERÓTICO E A PORNOGRAFIA

Tudo na vida é uma questão de interpretação e bom senso! Tentar diferenciar a literatura erótica da pornográfica é como tentar separar a água da água; uma tem a ver com a outra e a outra é tudo de uma.

Vejamos o que nos diz uma enciclopédia renomada, a Britânica, acerca deste tema: “A Literatura Erótica é o gênero literário que utiliza o erotismo em forma escrita, para despertar ou instruir o leitor sobre as práticas sexuais. Pode também ser chamada de literatura pornográfica, se as cenas sexuais são realmente muito explicitas. Em sua maior parte utiliza-se do gênero literário romance, embora alguns dos grandes clássicos eróticos estejam em forma de conto ou poesia”. Se a enciclopédia Britânica discerne pornografia e erótico desta forma, outros renomados escritores e pensadores modernos também reafirmam esta mesa tese e não podemos nós aquilatar de modo diferente.

A pornografia é pura e simplesmente uma descrição dos prazeres carnais; o erotismo é a mesma descrição aquilatada, com base em um ideal de amor ou da vida social. Tudo o que é erótico é também necessariamente e fundamentalmente pornográfico. É mais importante fazer a distinção entre o erótico e o obsceno. Neste caso, considera-se que o erotismo é algo que torna a carne desejável, a mostra em seu esplendor e florescimento, inspira uma sensação de saúde, beleza e prazer, enquanto que a obscenidade desvaloriza a carne, que é associada com sujeira, imperfeições e palavras sujas.

Mas então quais são estas palavras sujas? A sujeira explicitada no sexo ou nos prazeres carnais é tudo aquilo que somente uma parte acreditar ser sórdido. Relatos de estupros com o emprego do sadismo e a associação do prazer por quem narra é evidentemente sujo; a pedofilia narrada de forma prazerosa é evidentemente suja; necrofilia, parafilias, submissões ou qualquer outra aberração associada ao prazer, também é evidentemente sujo e deve sim ser combatido, porque muito embora poucos de nós saibamos, a maioria das pessoas tem certeza de se tratar de atos criminosos e desprezíveis.

Tudo mundo sabe que o erotismo e o sexo estão associados à sociedade e a cultura humana desde o início dos tempos, e a literatura não foi uma exceção, embora tenha sido muitas vezes submetido à censura por ser considerado um tema reprovável e pecaminoso. Entretanto, são freqüentes as referências a sexo ou passagens eróticas em várias obras, não como o tema principal, mas como capítulos isolados que contribuem para a evolução da história ou o desenvolvimento de um personagem. Por exemplo, é possível encontrar fragmentos claramente eróticos em Dom Quixote de Cervantes ou em Ulisses de James Joyce, mesmo que não se considere tais obras como pertencentes ao gênero.

O Império Romano esteve cheio de erotismo clássico; no período medieval também foram feitas obras intermináveis com este tema; no Século 18, época dos grandes romances, há uma vasta relação literária e nas artes plásticas com a pornografia; na Era Vitoriana, outras tantas obras estão ligadas diretamente com o sexo explícito; já no Século XX, início da liberdade de expressão, o mundo inundou-se com os prazeres do sexo. Todas estas obras hoje são tidas como perfeitas expressões da arte; então por que querermos nós desassociar o erótico do pornográfico?

O Kamasutra é erótico, pornográfico ou religioso? Jardim Perfumado, Ananga Ranga, assim como o Kamasutra, são conhecidos manuais pornográficos que dentre outras coisas, ensinam como evitar a separação de um casal; isso é tão pecaminoso assim?

Eu não vejo pecado ou crime algum se os autores descrevem cenas eróticas de circunstâncias onde há prazer mútuo e respeito à pessoa; se a linguagem que ele utiliza ou a cena que ele pinta é ou não adequada para certos tipos de grupos sociais, somente estes grupos podem dizer e se motivarem a não ler ou ver tais obras. Seja erótica ou pornográfica, qualquer obra precisa, aqui no Brasil, possuir a advertência de liberdade apenas para maiores de 18 anos, como preceitua a Lei; casos omissos a isso devem se tratados de forma responsável e criteriosa, para não conotar autoritarismo preclaro.

O célebre pensador latino Ovídio disse: Quem põe ponto final numa paixão com o ódio, ou ainda ama, ou não consegue deixar de sofrer. É assim que eu vejo as pessoas que criam moldes para rotularem o sensual do pornográfico; porque o que importa não é ameaça social da visão de uma vulva ou a descrição da participação dela num coito; o que importa é o que nutrimos em nossas cabeças, porque da mesma forma que sabemos de sacerdotes que aliciam menores, também temos certeza que a maioria dos autores eróticos são pessoas normais, como eu sou e como você leitor provavelmente o seja.

Se amar é um combate de relâmpagos e dois corpos por um só mel derrotados, como disse Neruda; no amor o desejo gera o amor, já na mulher o desejo gera o próprio desejo; em ambos há pornografia latente e mesmo os puritanos de plantão não podem desmentir isso, porque se não fosse assim, eles não teriam nascido e não perpetuariam seus genes para as próximas gerações.

Carlos Henrique Mascarenhas Pires é autor do Blog www.irregular.com.br e também escreve contos eróticos.

CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 12/08/2011
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