Sobre os significados e o falar
Procurar palavras no dicionário é um bom hábito, disso não se tem dúvida. Procurar origens etimológicas pode também tornar a semântica interessante do ponto de vista intelectual e cultural. Até hoje o mundo se depara com a problemática dos significados, isto é, que quer dizer tal nome, de onde vem, qual o uso correto etc. Tais indagações ocupam vastos debates acadêmicos ou de meios de comunicação, toda uma parafernália se forma com o intuito de ensinar ao emissor a maneira certa de se passar uma mensagem. Entretanto o que se discute perde-se num todo que se torna como que uma dissecação do código oral ou escrito. Algo como: “Use o verbo tal, ou palavra tal, cuidado com a concordância”. Mas perguntemo-nos uma coisa: e o emissor, onde fica nessa questão toda? E o contexto usado pelo emissor que fez com que ele usasse tal palavra e não outra. Discute-se significados como que uma coisa morta, é ou não é. Bem, não sou nenhum especialista em lingüística, sou nada mais que um mero formando em história, mas como usuário e produtor de textos, nos quais se precisa muitíssimo do uso da metalinguagem e da cognição semântica, acho que posso dizer um pouco do que acho em relação a isso. Se nos prendermos somente na frase em si, do ponto de vista puro e gramático, a língua perde a vida. Meio que se artificializa. Ademais uma palavra não é só um objeto abstraído de suas propriedades físicas, espaciais, naturais, e transformado em um código escrito, mas um amontoado de contextos que a fazem com que ela exista. Se andarmos na rua e tropeçamos numa pedra e dizemos “Droga”, bem, droga não quer dizer aqui, substancia entorpecente, mas “resmunguei porque tropecei na pedra”. Ora vejamos a breve história deste desafortunado que tropeça em tal obstáculo ao seu caminho. Ele está andando, indo a algum canto, todo seu trajeto tem uma seqüência lógica, planejada, “Eu vou me locomover de A e vou chegar a B, tenho um ritmo tal etc.” Nada o atrapalha nesse planejamento, até que vem a monstruosa pedra e quebra um pouco essa seqüência. A quebra disso faz com que a situação nos pareça adversa. Ora o que se passou é um fato súbito, repentino, inesperado, a nossa reação também, e, como bons animais comunicativos, traduzimos nossa exasperação em uma palavra só: “Droga”. Então se percebe que as palavras obedecem a um contexto para se significarem entre si. Esse contexto não esta no emissor nem no receptor, mas na história da pedra que estava no meio do caminho. Ora significados são coisas socialmente criadas, nessa lógica eu poderia dizer que “Droga” é sinônimo de “Merda”, segundo o contexto acima exposto, isto é, ambas querem traduzir a reação a um fato inesperado. Mas vejamos o caso da ironia. O sujeito chega atrasado a um encontro com a namorada, o qual marcara que ocorreria às dezoito horas. Chegando lá, com meia hora de atraso, está a dita com semblante enfurecido e diz: “Oh, seis horas, hem?”. Neste caso sabemos que é ironia devido ao contexto também, sabemos que ela quis dizer “Você não chegou às seis horas, mas meia hora depois.” E outros infinitos casos. O ensino formal da língua peca quando se prende à mensagem e não ao contexto, à forma e não a quem o forma. A língua é feita por pessoas que a falam, que querem dizer o que pensam, não pelas nossas gramáticas e alfarrábios. Mas, infelizmente, ainda pensamos que expressar-se bem consiste em só seguir a norma culta e não nos lembramos que a mesma também não passa de uma convenção, cujo significado foi criado a partir de uma perspectiva do mundo, e como somos nós quem ressignificamos tudo ao nosso redor. Só compreendendo isto é que poderemos trabalhar o ensino normativo como uma coisa viva e não uma coisa pedante. E escrever melhor, é claro.