Transformada juventude transviada
Logo após a Segunda Guerra Mundial o clima de destruição e mal-estar em que o mundo estava submerso evidenciava a lava morna de jovens que não tinham identidade social. Como ainda não eram adultos, os adolescentes do início da segunda metade do século 20 despertavam pouco interesse da família, do mercado e, menos ainda, do sistema político. Situação muito bem ilustrada por Salinger em "O apanhador no campo de centeio". Aí surgiram o rock n' roll, a brilhantina, as jaquetas de couro, a motocicleta e todos os artigos que caracterizavam uma faixa etária que se descobriu com vontades, força e disposição que culminaram no maio de 1968.
Os jovens de 50 anos atrás já estavam envolvidos num sistema maior, que priorizava o individualismo e incensava o niilismo. Mas ainda assim a juventude acreditava em alguma coisa porque a descoberta do jovem-como-modo-de-vida era algo recente. Havia muito por descobrir, o que era feito por meio de tentativas e erros, perdas e ganhos, altos e baixos, enfim, situações opostas que apresentam dinamismo e evolução do ser.
Passado meio século o individualismo ainda mantém sua força, o interesse econômico continua captando vontades e a combinação desses dois fatores desemboca num consumismo irrefletido. Hoje, o termo "jovem" tornou-se adjetivo, sinalizando um futuro de muitos conflitos porque está previsto que em 2050 o número de idosos será igual ao de jovens. E não estamos nos preparando para isso. Ao menos em termos psicológicos já que o mercado sempre dá conta de perceber as necessidades de qualquer grupo que tende a aumentar. Mas isso é outra história.
De maneira geral, o jovem atual não é diferente do das décadas de 1950 e 60. Talvez a principal mudança seja a falta de interesse por participação política. Ainda que seja difícil acreditar em uma política que priorize o coletivo, é muito triste ver o desperdício de tanta energia e vontade transformadora que só os jovens são capazes de ter. Política não é tema muito agradável, mas é vital e, já que estamos envolvidos nela, a situação que nos cerca merece ser melhor refletida.
Mesmo que os escândalos políticos sejam intensa descarga de desmotivação, a política é necessária e importante porque a alternativa que temos não é muito acalentadora: o terrorismo pode ser ainda pior. Embora a eleição seja algo que chateie, a democracia foi alcançada às duras penas e a opção não-voto também assusta, pois não parece muito confortável ficar a mercê de força bruta. O voto facultativo apresenta igual perigo porque oferece a grupos, como os neo-nazistas, oportunidades para tomarem o poder de forma legítima. Depois disso, não haverá como reclamar.
Enfim, ainda que a sucessão de baixaria política seja desanimadora, o excesso de holofotes para o lamaçal de Brasília narcotize e a escassez de informação sobre o funcionamento do sistema político afugente a compreensão e iniba a participação, o descaso para os fatos só tende a perpetuá-los. Não obstante não haja sinal de que algo possa mudar o que já está tão enraizadamente corrompido, lavar as mãos demonstrando desinteresse pela realidade abre mais espaço para que a corrupção e a falta de respeito com a população continuem em voga.
Se procurarem compreender melhor a situação, os jovens perceberão que a enervante e, paradoxalmente, letárgica realidade os conduz, cada vez mais, ao consumo, que nesse contexto se apresenta como forma de compensação.
Como todo jovem detesta parecer alienado, é interessante pensar que uma manipulação velada não parece melhor que um desrespeito escrachado.