Sérgio Martins PANDOLFO*
“Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.”
Carlos Drummond de Andrade
Completaram-se, a 20 de julho de 2003, os 250 anos da chegada, a estas plagas, do notável arquiteto bolonhês Antônio José Landi, que, a redizer o historiador Mártires Coelho, “imprimiu forma e feição à arquitetura institucional civil e eclesiástica de Belém setecentista”. Esse gênio renovador da arquitetura de então, ainda marcadamente arraigada ao provecto barroco português, foi o primeiro a introduzir em nosso País o estilo neoclássico; e o fez exatamente em nossa região, o Grão-Pará, antecedendo, em mais de meio século, as edificações nesse novo padrão arquitetural projetadas no Rio de Janeiro, mormente pelo arquiteto parisiense Grandjean de Montigny, integrante da missão francesa mandada trazer por D. João VI para a construção e adequação dos prédios públicos na capital do Brasil.
A Prefeitura Municipal de Belém e a UFPA, através de seus organismos competentes, acordaram promulgar, no corrente exercício, fóruns específicos, prometendo elaborar programação alusiva ao fato, a incluir eventos diversos, tais como: palestras, seminários, exposições, publicações e passeios turísticos guiados, tudo visando a promover a divulgação do nome e das obras desse grande mestre “ítalo-parauara”- sim, posto que aqui viveu metade de sua profícua existência e integrara-se com tamanha entrega a esta para ele fascinante região, que, como já o dissemos algures, amazonidara-se. Pouco se tem visto, no entanto, do que fora prometido a fim de dar realce e remodelar as obras desse notável arquiteto, hoje estudado e celebrado em todo o Mundo. Uma pena! Mas ainda há tempo!
O mestre boloniense aqui chegou como partícipe da Comissão Demarcadora dos limites amazônicos dos reinos de Portugal e Espanha, solteiro e desapercebido de haveres, na qualidade de “desenhador”, integrando trupe de cientistas de alto quilate, mandada recrutar pelo monarca português D. José I, a fim de realizar tais trabalhos demarcatórios. Depois de seis anos envolvido quase exclusivamente com tal mister, cuja sede operacional ficava na cidade de Barcelos (Amazonas), Landi vem para Belém, aqui se instala definitivamente, constitui família e dá início a uma série de obras civis e religiosas, que o distinguiriam como um dos mais marcantes ícones da arquitetura pós-renascentista.
O Grão-Pará vivia, nesse comenos, uma de suas fases de maior realce, sob a batuta do Marquês de Pombal, o ministro plenipotenciário d’el-rei D. José I, que designou para governar a região seu meio-irmão Mendonça Furtado, homem de fé, fibra e façanha. Landi, nascido em Bolonha, filho de família ilustre, foi professor de sua vanguardeira universidade e membro da assaz afamada Academia Clementina, em sua terra natal, à qual não mais retornaria.
São inúmeras, ingentes e instantes as obras que aqui plantou, ainda hoje das mais grandiosas e notáveis de Belém, podendo-se enumerar, dentre as de âmbito eclesiástico, a Catedral da Sé, mais importante monumento sacro belenense (projetou as torres, fachada e altar-mor); a igreja do Carmo (fachada em lioz e capela anexa); igreja das Mercês (frontaria convexa) e o Convento dos Mercedários; capela de São João Batista, considerada jóia arquitetônica no gênero; igreja de Santana, sua obra prima, de seu inteiro feitio e onde consta haverem-no sepultado; igreja do Rosário dos Homens Pretos, na Campina; capela da Ordem Terceira, anexa ao hospital homônimo e a de Santo Antônio, onde terá colaborado em alguns detalhes adventícios; capela de N.Srª. da Conceição, no engenho do Murucutu, de sua propriedade, destruído à época da Cabanagem; capela Pombo; obras de atenuação do marcado barroco da igreja de São Francisco Xavier, hoje de Sto. Alexandre e de adaptações no Palácio Episcopal, antigo Colégio dos Jesuítas, ademais da capelinha originalmente integrante do Palácio dos Governadores, de onde saiu, em 1793, o primeiro Círio de Nazaré. São de sua traça, ainda, os templos primazes de Igarapé-Miri, Cametá e Gurupá.
Da monumentalidade civil a que mais proemina é, sem ponta de dúvida, o Palácio dos Governadores (Palácio “Lauro Sodré”), construído a mando da Coroa portuguesa, que para cá tencionava transmudar-se, segundo planos do atilado Pombal, assentes por D.José I. Tal palácio foi, à época do Brasil colonial, o maior edifício civil em território brasílico. Empreitadas outras de grande realce foram: ampliação e adaptação do Real Hospital Militar (atual Casa das 11 Janelas); a “caserna” (quartéis para abrigar as tropas militares), hoje não mais existente, no local atualmente ocupado pelo prédio do QG da 8ª Região Militar, na Praça da Bandeira, e residências para amigos e clientes, das quais ainda subsistem a “casa rosada”, na confluência da rua Siqueira Mendes com a Trav. da Vigia e no ponto esquinado pelas ruas Cons. João Alfredo e Frutuoso Guimarães.
Significativas são, também, suas contribuições como naturalista, com desenhos da fauna e flora regionais, que enriquecem os relatórios da “viagem filosófica” de Alexandre Rodrigues Ferreira, além de farta, precisa e preciosa coleção de ilustrações de plantas e animais amazônicos, que compõe, juntamente com manuscritos descritivos, obra que ficou inédita, verdadeira “história natural do Grão-Pará”, integrante da Coleção Pombalina da Biblioteca Municipal do Porto.
Para finalizar, coisa que só pouquíssimos o sabem: Landi foi o introdutor da mangueira no Grão-Pará, ao plantar, em áreas de seu engenho Murucutu, mudas dessa árvore, que mandou vir da Bahia. Mangueiras que, 150 anos mais tarde, foram sabiamente escolhidas por outro excepcional cuidador de Belém, o intendente Antônio Lemos, para arborizá-la e defendê-la das inclemências solares equatorianas. Tal somatório de ações e realizações configura, como já o dissemos alhures, verdadeira “landisciência”.
Como ficou visto, Landi não só está a merecer, como é de toda propriedade, não apenas a divulgação de seu nome, mas, fundamentalmente, a conservação e revitalização (termo tão a gosto das gestões petistas!) de sua preciosa obra, para orgulho dos parauaras e gáudio dos visitantes. Antecipando-nos, damos uma sugestão: restaurar e tornar objeto de visitação turística as ruínas da capela de N.Srª. da Conceição, no antigo e já desaparecido Engenho do Murucutu, atualmente dentro das matas da Ceasa, antes que nada mais seja possível fazer. O turismo penhoradamente agradece!
Nota: Este artigo foi escrito em 2003, por ocasião dos 250 anos da chegada de Landi ao Grão-Pará. A foto no alto da página é do primitivamente Palácio Real, depois Palácio Lauro Sodré, hoje Museu do Estado do Pará, sem ponta de dúvida a obra mais representativa, dentre as de primeira grandeza, de Landi em Belém.
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*Médico e escritor – SOBRAMES/ABRAMES
E-mails: serpan@amazon.com.br - sergio.serpan@gmail.com -
Site: www.sergiopandolfo.com
“Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.”
Carlos Drummond de Andrade
Completaram-se, a 20 de julho de 2003, os 250 anos da chegada, a estas plagas, do notável arquiteto bolonhês Antônio José Landi, que, a redizer o historiador Mártires Coelho, “imprimiu forma e feição à arquitetura institucional civil e eclesiástica de Belém setecentista”. Esse gênio renovador da arquitetura de então, ainda marcadamente arraigada ao provecto barroco português, foi o primeiro a introduzir em nosso País o estilo neoclássico; e o fez exatamente em nossa região, o Grão-Pará, antecedendo, em mais de meio século, as edificações nesse novo padrão arquitetural projetadas no Rio de Janeiro, mormente pelo arquiteto parisiense Grandjean de Montigny, integrante da missão francesa mandada trazer por D. João VI para a construção e adequação dos prédios públicos na capital do Brasil.
A Prefeitura Municipal de Belém e a UFPA, através de seus organismos competentes, acordaram promulgar, no corrente exercício, fóruns específicos, prometendo elaborar programação alusiva ao fato, a incluir eventos diversos, tais como: palestras, seminários, exposições, publicações e passeios turísticos guiados, tudo visando a promover a divulgação do nome e das obras desse grande mestre “ítalo-parauara”- sim, posto que aqui viveu metade de sua profícua existência e integrara-se com tamanha entrega a esta para ele fascinante região, que, como já o dissemos algures, amazonidara-se. Pouco se tem visto, no entanto, do que fora prometido a fim de dar realce e remodelar as obras desse notável arquiteto, hoje estudado e celebrado em todo o Mundo. Uma pena! Mas ainda há tempo!
O mestre boloniense aqui chegou como partícipe da Comissão Demarcadora dos limites amazônicos dos reinos de Portugal e Espanha, solteiro e desapercebido de haveres, na qualidade de “desenhador”, integrando trupe de cientistas de alto quilate, mandada recrutar pelo monarca português D. José I, a fim de realizar tais trabalhos demarcatórios. Depois de seis anos envolvido quase exclusivamente com tal mister, cuja sede operacional ficava na cidade de Barcelos (Amazonas), Landi vem para Belém, aqui se instala definitivamente, constitui família e dá início a uma série de obras civis e religiosas, que o distinguiriam como um dos mais marcantes ícones da arquitetura pós-renascentista.
O Grão-Pará vivia, nesse comenos, uma de suas fases de maior realce, sob a batuta do Marquês de Pombal, o ministro plenipotenciário d’el-rei D. José I, que designou para governar a região seu meio-irmão Mendonça Furtado, homem de fé, fibra e façanha. Landi, nascido em Bolonha, filho de família ilustre, foi professor de sua vanguardeira universidade e membro da assaz afamada Academia Clementina, em sua terra natal, à qual não mais retornaria.
São inúmeras, ingentes e instantes as obras que aqui plantou, ainda hoje das mais grandiosas e notáveis de Belém, podendo-se enumerar, dentre as de âmbito eclesiástico, a Catedral da Sé, mais importante monumento sacro belenense (projetou as torres, fachada e altar-mor); a igreja do Carmo (fachada em lioz e capela anexa); igreja das Mercês (frontaria convexa) e o Convento dos Mercedários; capela de São João Batista, considerada jóia arquitetônica no gênero; igreja de Santana, sua obra prima, de seu inteiro feitio e onde consta haverem-no sepultado; igreja do Rosário dos Homens Pretos, na Campina; capela da Ordem Terceira, anexa ao hospital homônimo e a de Santo Antônio, onde terá colaborado em alguns detalhes adventícios; capela de N.Srª. da Conceição, no engenho do Murucutu, de sua propriedade, destruído à época da Cabanagem; capela Pombo; obras de atenuação do marcado barroco da igreja de São Francisco Xavier, hoje de Sto. Alexandre e de adaptações no Palácio Episcopal, antigo Colégio dos Jesuítas, ademais da capelinha originalmente integrante do Palácio dos Governadores, de onde saiu, em 1793, o primeiro Círio de Nazaré. São de sua traça, ainda, os templos primazes de Igarapé-Miri, Cametá e Gurupá.
Da monumentalidade civil a que mais proemina é, sem ponta de dúvida, o Palácio dos Governadores (Palácio “Lauro Sodré”), construído a mando da Coroa portuguesa, que para cá tencionava transmudar-se, segundo planos do atilado Pombal, assentes por D.José I. Tal palácio foi, à época do Brasil colonial, o maior edifício civil em território brasílico. Empreitadas outras de grande realce foram: ampliação e adaptação do Real Hospital Militar (atual Casa das 11 Janelas); a “caserna” (quartéis para abrigar as tropas militares), hoje não mais existente, no local atualmente ocupado pelo prédio do QG da 8ª Região Militar, na Praça da Bandeira, e residências para amigos e clientes, das quais ainda subsistem a “casa rosada”, na confluência da rua Siqueira Mendes com a Trav. da Vigia e no ponto esquinado pelas ruas Cons. João Alfredo e Frutuoso Guimarães.
Significativas são, também, suas contribuições como naturalista, com desenhos da fauna e flora regionais, que enriquecem os relatórios da “viagem filosófica” de Alexandre Rodrigues Ferreira, além de farta, precisa e preciosa coleção de ilustrações de plantas e animais amazônicos, que compõe, juntamente com manuscritos descritivos, obra que ficou inédita, verdadeira “história natural do Grão-Pará”, integrante da Coleção Pombalina da Biblioteca Municipal do Porto.
Para finalizar, coisa que só pouquíssimos o sabem: Landi foi o introdutor da mangueira no Grão-Pará, ao plantar, em áreas de seu engenho Murucutu, mudas dessa árvore, que mandou vir da Bahia. Mangueiras que, 150 anos mais tarde, foram sabiamente escolhidas por outro excepcional cuidador de Belém, o intendente Antônio Lemos, para arborizá-la e defendê-la das inclemências solares equatorianas. Tal somatório de ações e realizações configura, como já o dissemos alhures, verdadeira “landisciência”.
Como ficou visto, Landi não só está a merecer, como é de toda propriedade, não apenas a divulgação de seu nome, mas, fundamentalmente, a conservação e revitalização (termo tão a gosto das gestões petistas!) de sua preciosa obra, para orgulho dos parauaras e gáudio dos visitantes. Antecipando-nos, damos uma sugestão: restaurar e tornar objeto de visitação turística as ruínas da capela de N.Srª. da Conceição, no antigo e já desaparecido Engenho do Murucutu, atualmente dentro das matas da Ceasa, antes que nada mais seja possível fazer. O turismo penhoradamente agradece!
Nota: Este artigo foi escrito em 2003, por ocasião dos 250 anos da chegada de Landi ao Grão-Pará. A foto no alto da página é do primitivamente Palácio Real, depois Palácio Lauro Sodré, hoje Museu do Estado do Pará, sem ponta de dúvida a obra mais representativa, dentre as de primeira grandeza, de Landi em Belém.
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*Médico e escritor – SOBRAMES/ABRAMES
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