Nossa Senhora do Carmo {SERMO CIIIVII)

NOSSA SENHORA DO CARMO

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

“Aquele que morrer vestido com este escapulário,

estará livre do fogo do inferno”

A cada ano, no dia 16 de julho, celebramos a grande solenidade de Maria, como Nossa Senhora do Carmo. Desde os antigos acatistos, a Igreja celebra uma das devoções marianas mais antigas da Igreja, relacionada com o santo Escapulário. A devoção a Nossa Senhora começa pelo próprio fato de ela ter aceitado ser a mãe do Filho de Deus, e com isto passa a ser modelo dos que querem concretizar em suas vidas o projeto de Deus.

Minha mãe, Dona Mercedes (quer dizer “graça”), falecida em 1989, era “filha de Maria” e devota de Nossa Senhora do Carmo. No mês de julho, embora morássemos longe daquela igreja, ela arrebanhava toda a família para as novenas do Carmo, na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Sua devoção mariana, até os últimos dias da sua vida era notável.

As origens carmelitas

A festa de Nossa Senhora do Carmo prende-se intimamente à Ordem Carmelita, cuja origem remonta aos tempos antigos, envolvidos em nuvens de venerandas lendas. A Ordem dos Carmelitas tem por propósito especial o culto da Mãe de Deus, Maria Santíssima, e tem sua origem nos tempos do profeta Elias.

De fato, na Ordem Carmelita é guardada a tradição, segundo a qual o profeta Elias, vendo aquela nuvenzinha, que se levantava no mar, bem como a pegada de homem, teria nela reconhecido o símbolo, a figura da futura Mãe do Salvador. Diz mais a tradição, que os discípulos de Elias, em lembrança daquela visão do mestre, teriam fundado uma congregação, com sede no Monte Carmelo, em Haifa, Israel, com o fim declarado de prestar homenagens à Mãe do Mestre. Essa Congregação ter-se-ia conservado até os dias de Jesus Cristo e existido com o Título Servas de Maria. Santa Teresa, a grande doutora da Igreja e santa da Ordem Carmelita, reconhece no profeta Elias o fundador da sua congregação.

Segundo uma piedosa tradição, no dia de Pentecostes, um grupo de homens, devotos dos santos profetas Elias e Eliseu, preparado por São João Batista para o advento do Salvador, abraçaram o cristianismo e erigiram no Monte Carmelo um santuário à Santíssima Virgem, naquele mesmo lugar, onde Elias vira aparecer aquela nuvem, anunciadora da fecundidade da Mãe de Deus. Adotaram eles o nome de Irmãos da Bem-Aventurada Maria do “Monte Carmelo”. Na mesma época vivia no condado de Kent, na Inglaterra, um eremita que, havia vinte anos, habitava na solidão, tendo por residência o tronco oco de uma árvore. O nome desse eremita era Simão Stock. Atraído pela vida mortificada dos carmelitas recém-chegados, como também pela devoção Mariana que aquela Ordem cultivava, pediu admissão como noviço na Ordem de Nossa Senhora do Carmo. Em 1225, Simão Stock foi eleito coadjutor Geral da Ordem, já então bastante conhecida e espalhada.

O escapulário de Nossa Senhora do Carmo foi conferido pela primeira vez no século XIII a Stock (santo) em uma aparição da Virgem Maria, como sinal de amizade e piedade materna, com o penhor de segurança contra as investidas do Maligno. O beato papa João Paulo II († 2005) usava um escapulário como sinal da aliança e da proteção contínua da Santíssima Virgem Maria, ao longo de sua vida e na hora da morte

O uso do escapulário, que hoje é uma devoção universal passou a ser uma forma externa de tentar imitar as virtudes da “Cheia de Graça”. É emocionante ver que Maria está sempre atenta aos seus filhos, ela tem um cuidado todo especial para que eles não se percam nos desvios solicitados pela forma errada de se usar a liberdade. Sua atitude em Caná denota essa mediação.

A congregação dos carmelitas começou a sofrer muita oposição, e Simão Stock fez uma viagem para Roma. O papa Honório III, avisado em misteriosa visão que teve de Nossa Senhora, não só recebeu com toda deferência os religiosos carmelitas, mas aprovou novamente a regra da Ordem. Simão Stock visitou depois os Irmãos da ordem no Monte Carmelo, e demorou-se com eles seis anos. Uma decisão da Ordem, através do Capítulo Geral de 1237, determinou a transferência para a Europa de quase todos os religiosos, os quais, para se verem livres das perseguições dos Sarracenos, procuraram a Inglaterra, onde a Ordem possuía já quarenta conventos.

O vigor do escapulário de Nossa Senhora do Carmo

Foi aos 16 de julho de 1251 que, estando em oração fervorosa, a renovar o pedido, Nossa Senhora se dignou aparecer a Stock. Rodeada de espíritos celestes, veio trazer-lhe um escapulário. “Meu dileto filho – disse-lhe a Rainha do céu – eis o escapulário, que será o distintivo de minha Ordem. Aceita-o como um penhor de privilégio, que alcancei para ti e para todos os membros da Ordem do Carmo. Aquele que morrer vestido deste escapulário, estará livre do fogo do inferno”.

Estando-lhe assim satisfeita a maior aspiração, Simão Stock tratou então de divulgar a devoção do escapulário e convidar o mundo católico a participar dos grandes privilégios a ele anexos. Extraordinária foi a afluência a tão útil instituição. Entre os devotos do escapulário de Nossa Senhora do Carmo, vêem-se Papas, Cardeais e Bispos. Numerosos têm sido os príncipes que pediram ser inscritos na irmandade, como Eduardo III da Inglaterra, os imperadores da Alemanha, Fernando I e II, reis da Espanha, de Portugal e da França, além de muitas rainhas e princesas de diversas nações.

O escapulário teve uma aceitação favorável e universal entre o povo católico. Neste sentido, só é comparável ao Rosário. Como este, também teve adversários; como o Rosário, o escapulário tem experimentado o efeito poderosíssimo da proteção da Mãe de Deus; só assim é explicável o fato de ter passado incólume por mais de 750 anos e, hoje em dia, mais do que nunca, gozar da predileção do povo cristão.

Dois são os privilégios da irmandade do escapulário, privilégios deveras extraordinários, que mereceram à instituição tão grande simpatia por parte do povo cristão. O primeiro desses privilégios Maria Santíssima frisou-o bem, quando, no ato da entrega do escapulário disse ao seu servo São Simão Stock: “É este o sinal do privilégio, que alcancei para ti e para todos os filhos do Carmelo. Todos aqueles que estiverem revestidos com este hábito, ver-se-ão salvos do fogo do inferno”. O sentido desse privilégio é este: Maria Santíssima promete a todos os que usam o escapulário, como um “hábito” do Carmo, sua proteção especial, principalmente na hora da morte, que decide a história da humanidade. A promessa não abrange apenas os religiosos das ordens carmelitas, Mas todos os cristãos fiéis.

O pecador, portanto, por mais miserável que seja, pondo a confiança em Maria Santíssima e vestindo seu hábito, tendo aliás a intenção firme de sair do estado do pecado, pode seguramente contar com o auxílio de Nossa Senhora, a qual lhe alcançará a graça da conversão e da perseverança. O escapulário, porém, não é um amuleto que assegure, automaticamente, a salvação de quem o usar.

Contam-se milhares as conversões de pecadores na hora da morte, atribuídas unicamente ao escapulário de Nossa Senhora do Carmo; muitos também são os casos que mostram à evidência, que privilégio nenhum favorece a quem, de maneira nenhuma, se quer separar do pecado e levar uma vida digna e cristã. Santo Agostinho diz a verdade, quando ensina: “Deus, que nos criou sem nossa cooperação, não nos pode salvar sem que o queiramos e desejemos”. Quem não quer deixar de ofender a Deus, morrerá na impenitência; e se Maria Santíssima não ver a possibilidade alguma de arrancar a alma do pecador aos vícios e paixões, fará com que na hora da morte, por uma casualidade qualquer, não se encontre o hábito salvador, o que se tem dado muitas vezes.

O segundo privilégio é o tal chamado “privilégio sabatino”. Um decreto de Roma, datado de 20 de janeiro de 1613, dá aos sacerdotes da Ordem Carmelitana autorização para pregar a seguinte doutrina: “O povo cristão pode crer no auxílio que experimentarão as almas dos Irmãos e membros da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo, auxílio este, segundo o qual todos aqueles que morrerem na graça do Senhor, tendo em vida usado o escapulário, conservado a castidade própria do estado, recitado o Ofício Parvo de Nossa Senhora, ou se não souberem ler, tiverem observado fielmente o jejum eclesiástico, bem como a abstinência nas quartas-feiras e sábados (exceto se a festa de Natal cair num destes dias), serão socorridos por uma proteção extraordinária da Santíssima virgem, no primeiro sábado que se lhe seguir ao trânsito, por ser sábado o dia da semana consagrado a Nossa Senhora (Bula sabatina de João XXII. 3, III 1322)

Desse privilégio faz menção o ofício divino da Festa de Nossa Senhora do Carmo, aprovado pelo Papa clemente X e Benedito XIII. “A bem-aventurada Virgem – diz o ofício – não se limitou a cumular de privilégios aqui na terra e na Ordem Carmelitana. Com carinho verdadeiramente maternal, ela, cujo poder e misericórdia em toda parte são muito grandes, consola também, como piedosamente se crê, aqueles filhos no Purgatório, alcançando-lhes o mais breve possível a feliz entrada na Pátria Celestial”.

Ela aceitou a vontade de Deus

Quando a Igreja coloca Maria como modelo de virtude na plena aceitação da vontade de Deus, está mais próxima do verdadeiro seguimento de Jesus Cristo. A obediência a Deus pela fé que Maria viveu foi fundamental para a concretização do plano de salvação projetado de Deus. Séculos depois, São Bernardo afirmaria que “um devoto de Maria jamais se perde”.

O sim de Maria é um mistério de fidelidade e amor. Desde o início do cristianismo Maria foi morar na casa de João, o “discípulo amado” em Éfeso (nós estivemos lá em junho de 2010). Na cruz, em favor de nossa salvação, Jesus disse: “Mulher, eis aí teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí tua mãe” (Jo 19, 26-27). Desde aquele momento todos nós passamos a ter uma grande intercessora para se tentar concretizar os valores do Reino de Deus na história. Maria não é deusa, mas sim a maior colaboradora no plano de Deus. Se Jesus tivesse outros irmãos, como dizem alguns por aí, a mãe teria sido confiada a eles...

Nosso mundo vive na promoção das “relações comerciais. Perdemo-nos no superficial e desprezamos a essência. Quando vivemos a contemplação e a aceitação do mistério de Deus, como Maria viveu, estamos aptos para administrar a nossa vida dando-lhe um sentido solidário que leva a uma vivência comunitária. Na simplicidade de Nazaré, Maria ensinou a disponibilidade ao plano de Deus, permanecendo fiel até o fim. Foi Jesus que comprou a nossa salvação, mas Maria foi ativa, pois disse sim a Deus, desde o princípio. Ela jamais pensou em sua realização pessoal, mas sempre teve em mente a felicidade dos amigos de seu Filho.

O uso do Escapulário carmelita não é um amuleto, mas representa o abraço da mãe de Jesus, que quer ajudar seus filhos a viverem felizes, a perseverar na vida da graça, tornando-se serem livres do pecado que nos afasta de Deus. Para adensar nossa reflexão, é salutar informar que o reformador Lutero era devoto de Maria, e a ela compôs hinos, antífonas e orações.

Na casa de Maria, em Éfeso, na Turquia, de onde ela subiu – foi assunta – aos céus, existe debaixo do prédio, significativamente, uma fonte, passando aquela idéia de Maria como fonte inesgotável de bênçãos, serviço e pureza. Maria é a fonte de toda a misericórdia.

A Virgem Maria se tornou a Mãe de Deus e da Igreja na medida em que foi mãe de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Desde o início ela sabia que aquele menino não seria só seu, mas de todos. Cheia de fé e entrega, a mãe fez a partilha do Verbo de Deus conosco. Com isso, Maria trouxe Jesus para o meio do povo, fazendo surgir uma chama de paz e esperança, anelos da humanidade, hoje e sempre...

A maternidade de Maria se insere no projeto do Criador. Sua entrega, e nunca é demais repetir, está a serviço do desígnio libertador de Deus, que em Jesus estabeleceu um projeto de salvação. Assim como Abraão é pai físico e étnico de todo um povo, Maria é mãe, na ordem espiritual, de todos os que se deixam batizar em nome de seu Filho. Em Maria emerge o papel histórico da mulher. Ela é mãe, cidadã e participante de todo um processo social.

Nessa perspectiva materna, Jesus é o primogênito de Maria segundo a carne, enquanto nós, toda a humanidade, assumimos a condição de filhos, segundo o espírito. Nós somos a continuidade dos filhos dela. A solenidade da Festa da Mãe de Deus, comemorada no dia primeiro de janeiro, assinala o início do calendário civil, como um derramar as bênçãos maternais de Maria sobre todos, durante os dias do ano que se inicia. Na verdade, o mistério da maternidade divina de Maria transcende quaisquer missões que Deus tenha conferido ou possa conferir a qualquer pessoa humana. Nela o divino se humaniza para que o humano se divinize.

Mãe de Deus e da Igreja

O Concílio de Éfeso, ocorrido no ano 431 de nossa era, definiu como verdade irrecorrível a maternidade de Maria, não só do Jesus homem, como também do Cristo divino. Assim, a Virgem Maria não é só mãe do homem, mas é reconhecida como a Mãe de Deus. Deste modo, o ano civil dos católicos se inicia pela festa da Mãe de Deus.

Essa maternidade cria um vínculo indissociável entre Jesus, Maria e o povo fiel. Por ser mãe de Jesus, ela se tornou mãe da Igreja, que é Jesus continuado na história, e, em conseqüência, nossa mãe. “Quem ousará, pergunta São Roberto Belarmino († 1621) tirar estes filhos do seio de Maria, depois que a ela se tiverem recorrido em busca de salvação contra os inimigos? Que fúria do inferno ou das paixões poderá vencê-los, se puserem sua confiança no patrocínio da Mãe-Maria?” Na religiosidade popular, encontra-se muitas orações, cantos e benditos referindo-se a essa tríplice relação:

“Nossa Senhora incensou o seu altar,

pra Jesus, seu Filho Bento chegar,

eu incenso, eu incenso esta casa,

pro mal sair e a felicidade entrar...”.

Tornar-se a Mãe de Deus é o maior e a mais importante invocação de Maria. Todos os outros decorrem deste. É sabido que em sua humildade e entrega, ela jamais pensou nesse ou naquele título. Mas a verdade é que a Igreja, por todos os tempos, depois de sua glorificação nos céus, decidiu atribuir-lhe títulos que exaltassem suas ações de serva fiel ao Pai. Ela é “Nossa Senhora” porque é mãe de Nosso Senhor. Para ser Mãe de Deus precisou ser “Imaculada Conceição”. Sendo mãe tornou-se “Medianeira” e por isso, “Assunta aos céus” no fim de seus dias. Deus, em seu poder absoluto, podia simplesmente ter aparecido, mas quis ter uma mãe, igual aos humanos. Em Maria, Deus precisou da mulher no ato em que prescindiu do homem.

Maria, mulher-mãe, é ponto de inserção da vida nova no coração dos homens e das comunidades. Em Maria, essa vida é transcendente e divina, e por ela Deus se instala no coração do povo por meio da maternidade que ele mesmo criou. Assim como pela maternidade humana e divina Maria se tornou uma ponte para Deus vir até nós, igualmente Maria, todos os dias, é ponte para que nossas súplicas, orações, desejos e expectativas sejam colocadas à frente de Deus.

Certo dia, na plenitude dos tempos, quando o prazo de espera expirou, Deus se aproximou de uma Virgem toda pura. Bateu mansamente à sua porta. Pediu para morar e viver na casa dos homens. E Maria disse que sim. Porque havia lugar para ele na hospedagem daquele coração puro, o Verbo se fez carne no seio da Virgem. E a vida divina começou a viver no mundo (L. Boff. O Rosto Materno de Deus).

A devoção dos católicos à Virgem Maria é notável e se reveste de caráter de uma afetividade humana que vai desembocar na adoração ao Filho. Muitos escritos e orações têm afirmado, séculos afora, que não tarda a encontrar a Deus que é fiel em obsequiar a Mãe de Jesus. Tornada mãe do gênero humano na ordem da graça (cf. LG 61) ela deu à luz, não só a Jesus, mas à toda comunidade cristã, fiel seguidora de seu filho. Se Jesus nos entrega sua mãe como nossa mãe, isto significa que ele pretende dá-la a nós como modelo perfeito da existência cristã.

Por esta razão, Maria assume uma tipologia que contempla toda a Igreja, enquanto mãe, servidora e missionária, e sua figura, virtudes e privilégios têm a dimensão eclesial, fecunda e gloriosa. Sendo mãe de Jesus, aos pés da cruz Maria é declarada mãe dos que são um só com Jesus, em razão da fé. Desta forma, gostaria de comentar uma expressão que os irmãos de outras religiões utilizam para tentar desmerecer a posição de Maria na fé católica, desvirtuando sua virgindade e fazendo pouco caso de sua missão co-redentora: os irmãos de Jesus.

Na verdade, certas crenças e seitas tentam, não só rebaixar Maria ao nível dos demais crentes, como exaltá-los ao mesmo nível da mãe de Jesus, negando-lhe qualquer importância e colocando-a num indevido anonimato. Para tanto, utilizam-se de uma distorção da exegese de Mt 12, 46-50 e Lc 8, 19ss, quando Jesus pergunta: Quem é minha mãe?. Ele mesmo completa que, mãe e irmãos dele, são aqueles que escutam a Palavra de Deus e a colocam em prática. Na verdade, e aqui está o núcleo da interpretação, ele não iguala Maria ao nível dos crentes, mas eleva-os, por escutar e praticar a Palavra, ao estágio de santidade da Mãe.

Declarada “sempre Virgem” pela Igreja, na verdade Maria deu à luz apenas a Jesus. A expressão “irmãos de Jesus” é uma tradução incorreta que a LXX fez do termo hebraico akin, que tanto pode ser irmão, como primo, como adotivos ou crianças contemporâneas. A LXX traduziu akin por adelphi, que no grego tem ponderável amplitude, inclusive irmão. Tanto é verdade que Jesus não tinha outros irmãos que, na cruz, entrega a mãe ao discípulo João, com o fito de livrá-la da miséria característica das viúvas sem filhos na Palestina. Como mãe de Jesus, Maria é a mulher de esperança e perseverança que ajuda as comunidades a esperar a segunda e definitiva vinda de seu filho.

Na devoção à nossa Senhora do Carmo, descobrimos que a mãe de Jesus não é só o ideal feminino, mas, como disse T. de Chardin, é “... modelo de bem-aventurança para toda a humanidade”. Nela o homem e o divino se encaixam e se integram numa harmonia estável e orgânica. Quando as realidades materiais e espirituais se assumem, emerge com incontrolável vigor, o mistério do Verbo encarnado, trazido até nós pela doçura e santidade de uma mulher. Humanamente limitada, Maria nem tudo pode entender, mas como pessoa de fé, em tudo acreditou. Falaremos mais em Maria como Mãe da Igreja...

Hoje em dia, por desconhecer a riqueza teológica da Virgem Maria, irmãos nossos, de outras religiões e seitas, nos acusam de exagerar na devoção a Maria, adorando-a e também adorando suas imagens. Como eles estão enganados! Adorar só a Deus; nós veneramos a Maria com amor filial, com o mesmo afeto que amamos nossas mães terrenas. Igualmente não adoramos imagens; cultivamos respeito às imagens sacras com o mesmo sentimento de cidadania que reverenciamos as estátuas de heróis e benfeitores.

Ela é a primeira: por isso foi à frente...

Em Maria enxergamos as pegadas de Deus. “Não é, acaso Maria, a primeira dentre ‘aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática’?” (RM 20). Nós, ao orar, nos preocupamos em falar, formar frases bonitas (às vezes ocas de compromisso), medir a entonação da voz. Maria nos ensina a oração do silêncio contemplativo.

Quando afirmamos que sempre é tempo de Maria, recordamos que ela faz parte do kairós do Senhor, isto é, um tempo adequado para que o plano de Deus se realize em sua plenitude e eficácia. Mesmo em silencio a Virgem se insere no tempo de divino para a consecução e prossecução do projeto divino em favor da humanidade que espera.

O silêncio da Virgem é um dos referenciais de sua santidade. De fato, e já dissemos isto aqui, ela falou bem pouco. Afinal, para quê falar muito e dizer quase nada? Maria falou pouco, mas que profundidade! São Boaventura († 1274) afirma que “A Escritura é como uma lira; uma corda sozinha não produz harmonia, mas somente em conjunto com as outras”. O mesmo sucede com os textos bíblicos referentes a Maria. São poucas palavras em quantidade, mas muito em qualidade e revelação. Ela é o compêndio das esperanças do antigo Israel.

Se pesquisarmos as Sagradas Escrituras, com os olhos do coração, veremos diversas referências a Maria. No Antigo Testamento, identificamo-la, no “proto-evangelho da salvação” (Gn 3, 15) como a mulher, cuja descendência manterá inimizade com o mal. Igualmente a vemos na “virgem que dará à luz” (Is 7, 4).

A santidade da Virgem Maria torna-a diferente de Eva, a primeira mãe: “Eva concebeu a serpente e gerou o pecado e a morte, diz São Justino. Maria Virgem concebeu a fé e a paz, e nos trouxe o Salvador”. Resplandecente de santidade, como uma rainha (mulher vestida com sol) Maria parece coberta com o ouro de Ofir (cf. Sl 45, 10). Maria é rainha, mas diferente das que conhecemos, pois é uma rainha cheia de doçura, clemência e consolação, sempre inclinada a favorecer e a fazer o bem aos pobres pecadores.

Por todos os méritos de Maria, A Igreja quer que a saudemos na oração com o nome de “Rainha da Misericórdia,”. O próprio nome da Rainha, considera Santo Alberto Magno denota piedade e providência para com os pobres. A magnificência da rainha consiste em aliviar o sofrimento dos desgraçados. Enquanto os tiranos governam tendo em vista apenas seus interesses pessoais, as pessoas revestidas de majestade procuram exclusivamente o bem dos seus vassalos. Maria é essa Rainha: piedosa, capaz de encaminhar seus devotos ao perdão que o Filho tem para todos. Por isso a Igreja chama-a, desde a Salve Rainha, de “mãe da misericórdia” (Santo Afonso, in: As glórias de Maria).

Oração a Nossa Senhora do Carmo

Ó bendita e imaculada Virgem Maria, honra e esplendor do Carmelo! Vós que olhais com especial bondade para quem traz o vosso bendito escapulário, olhai para mim benignamente e cobri-me com o manto da vossa maternal proteção. Fortificai minha fraqueza com o vosso poder, iluminai as trevas do meu espírito com a vossa sabedoria, aumentai em mim a fé, a esperança e a caridade. Ornai minha alma com a graça e as virtudes que a tornem agradável ao vosso divino Filho. Assisti-me durante a vida, consolai-me na hora da morte com a vossa amável presença e apresentai-me à Santíssima Trindade como vosso filho e servo dedicado; e lá do céu, eu quero louvar-vos e bendizer-vos por toda a eternidade. Nossa Senhora do Carmo, libertai as benditas almas do purgatório.

Amém! (3 Ave-Marias e Glória ao Pai)