PURGATÓRIO

Wagner Herbet Alves Costa (1968-2006)

Terça 15 Março de 2005 às 16:22:46

Prezados leitores,

Venho, agora, falar sobre o Purgatório. Tema delicadíssimo, por isso mesmo, mais sujeito a erros estará o que vou escrever... Espero que, pelo menos, alguns pontos do meu escrito sejam proveitosos. (Faço questão de salientar que muito do que está aqui é colocado como pura conjetura e numa linguagem, por vezes, bastante coloquial.) Não obstante, começarei com um testemunho.

Venho, agora, falar sobre o Purgatório. Tema delicadíssimo, por isso mesmo, mais sujeito a erros estará o que vou escrever... Espero que, pelo menos, alguns pontos do meu escrito sejam proveitosos. (Faço questão de salientar que muito do que está aqui é colocado como pura conjetura e numa linguagem, por vezes, bastante coloquial.) Não obstante, começarei com um testemunho.

a) Certa vez minha irmã chegou entristecida em casa, porquanto colegas suas de trabalho, que eram protestantes, disseram-lhe que não existia essa coisa de ‘pecadinho’ (pecado venial) e ‘pecadão’ (pecado mortal) e que todo pecado seria igual, além de tocarem em outros assuntos. Ao que eu prontamente respondi: ‘Esqueça essas asneiras protestantes’ E disse-lhe: ‘Pegue sua Bíblia e abra em Jo 19,11’. E ela leu o texto, que é o seguinte: “Quem a ti me entregou tem maior pecado” (Jo 19,11). E logo explanei: ‘Ora, assim Jesus afirmava claramente que o pecado de Pilatos era de um grau menor e, que, portanto, pecados existiam, sim, em graus variados.’ (Só pela explicação desta passagem bíblica, já notei, nela, um semblante de satisfação.)

Contudo prossegui, dizendo-lhe: ‘E olhe que Jesus distinguiu graus de pecados até por parábolas, é o que justamente nos dá a entender determinados trechos bíblicos’. Disse ele, a exemplo: “Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, e não percebes a trave no teu?” (Mt 7,3) [Cisco= pecado menor; trave=pecado maior].

E, para concluir, pedi que abrisse em 1 Jo 5,17: “Existe um pecado que conduz à morte... mas há um pecado que não conduz à morte”. ‘Por conseguinte, a um tipo de pecado podemos denominar de mortal e ao outro de não-mortal (venial)’ [Neste momento, eu vi que ela (minha irmã) estava plenamente satisfeita.] .

Todavia, para esmagar ainda mais o escorpião maldito das doutrinas peçonhentas do protestantismo, continuei: ‘Por que será que tem protestantes não admitem (ou não querem admitir) a existência de pecado venial?’ {Houve uma pequenina pausa.}

E logo continuei a questioná-la: ‘Polly (minha irmã), quando alguém morre em pecado mortal vai para onde?’ Para o Inferno! ‘E quando morre sem pecado algum (nem mortal nem venial)? Para o Céu!... ‘Agora, responda-me: e quando se morre estando apenas em pecado venial?’

Tomando rapidamente a palavra, eu mesmo respondi: ‘Ora, certamente ela não pode ir para o Inferno, porquanto deixou esse mundo sem ter se separado radicalmente de Deus (morreu isento de pecado mortal); mas também não poderá ir para o Céu, pois, como deves saber, lá, não entra nada de impuro. Logo, existe uma terceira situação para o qual determinadas almas, no instante da morte, poderão se dirigir: que não é nem Danação Eterna nem o Paraíso. Não seria o Purgatório?!”... Creio que ela entendeu, muito bem, por que razão certos protestantes negam, insistentemente, a existência de pecado venial. [Embora, provavelmente, a grande maioria dos que negam, sequer, tenham a noção exata da fortíssima ligação que existe entre tais questões (pecado venial e purgatório); e esta maioria o faz, simplesmente, por que foram assim instruídos. Mas um parte (nem que for a minoria) saberia, sim, que admitir o pecado venial é lançar fundamentos para o purgatório; daí, terem que veementemente negá-lo.]

b) Mal-comparando, como o corpo que pode ser ferido de dois modos, mortalmente ou não-mortalmente; também com a alma isso pode acontecer. Uma alma pura quando é ferida pelo pecado mortal é como se ela morresse para Deus (rompendo o laço de amizade que a unia ao seu Senhor; fazendo cessar a caridade no coração do homem); já a que foi atingida por um pecado venial é como se ela estivesse enferma (subsistindo ainda a amizade, muito embora ela tenha sido prejudicada; a caridade, no coração do ser humano, é enfraquecida). Obviamente, quando se fala de ferida mortal da alma, não se pode dizer que ela propriamente morre ou cesse sua existência; são, apenas, formas de expressões para melhor se compreender essas questões de caráter bíblico-teológico. (Analogamente, o mesmo se diga com relação a ser “ferido” na alma sem mortalidade.)

Estes, se me permitem assim dizê-lo, de modo figurado, são os três estados em que uma alma pode se encontrar no momento da morte: “sã”, “enferma” ou “morta”. O céu é para as almas plenamente “sãs” (saudáveis); o purgatório, para “enfermas”; e o inferno, para as “mortas”. De sorte que, poderíamos, figurativamente, pensar o purgatório (a purificação final) como sendo uma espécie de ‘Ambulatório das Almas’... E nós sabemos, contudo, que nas enfermarias pode-se vislumbrar o sofrimento dos pacientes. Assim, se nos fosse dada a visão para contemplar em qual condição se encontram estas almas, estremeceríamos pelos sofreres pelos quais padecem; não obstante, a grandíssima esperança de que elas gozam por saberem que completarão o seu “tratamento” (a purificação) e, cedo ou tarde, adentrarão na Morada Celestial. Portanto, embora essa seja uma situação de grande sofrimento, não é de desesperança.

Outra imagem que me veio à mente, de como poderíamos compreender a realidade do purgatório, é de alguém com uma visão embaçada. Ora, quem está assim, com as vistas anuviadas, não pode perceber, com perfeição, por exemplo, a beleza de uma obra de arte – por mais bela que ela seja. (Pois teria uma visão imperfeita da mesma.)... Faz-se necessário que, primeiramente, lave os olhos para depois ir vislumbrar o magistral trabalho artístico. De modo similar, para que uma alma contemple a Beleza Infinita (que é Deus) deve estar totalmente limpa de qualquer impureza que lhe mitigue a visão perfeita. O Purgatório, pois, seria esse lavatório. Uma vez totalmente purificada, no Céu, a alma poderá regozijar-se contemplando o Belo, de forma adequada. Cientes disso, eis que as almas padecentes não desejam sair da Purificação Final enquanto não tiverem sido “lavadas” completamente e, por conseguinte, estejam prontas para deleitarem-se com a visão daquele que é o Belo Absoluto.

c) Eu ainda citei uma passagem, que, muitos anos atrás, fez minha atenção voltar-se para questão do Purgatório. Que é a seguinte: “Se não fosse assim que proveito teriam aqueles que se batizam em favor dos mortos? Se os mortos realmente não ressuscitam, por que se fazem batizar em favor deles” (1 Cor 15,29). [Antes, porém, é preciso notar que São Paulo, nesta parte da sua Epístola aos Coríntios, está falando da morte (física) e da ressurreição dos mortos. Basta verificar na Bíblia!]

Que batismo é esse?... Seja qual for o rito em questão, isso não nos interessa agora. O importante é constatar que entre os cristãos “primitivos” havia a firme crença de que eles (que estavam vivos) podiam fazer alguma coisa em favor de falecidos. [O texto, nisso, é claríssimo; não deixa dúvidas.] Tendo em vista, é claro, a ressurreição!

Nós sabemos que as práticas ‘batismais’, ainda que não sejam o sacramento cristão, também estão associadas à idéia da purificação. Daí, ser comum em ritos de batismo o uso da água; que limpa, que purifica. Em suma, batismo está atrelado ao sentido de purificação. Logo, aquilo que os cristãos de Coríntios faziam (ao batizar) em favor dos defuntos tinha o intento claro da purificação. Purificação, esta, que deveria ser creditada em favor dos falecidos; indicando, assim, mesmo que indiretamente, que alguns do além-túmulo careciam de serem purificados. {Vale ressaltar, igualmente, que a palavra ‘purgatório’ significa “lugar/estado” de PURIFICAÇÃO; próprio para almas que precisam ser acrisoladas.} [Percebam que escrevi “lugar” (entre aspas), que mais deve ser entendido como um estado.]

Mas a crença no Purgatório, justamente, não passa pelo fato de que nós podermos influenciar na situação espiritual de determinados mortos do além (ou seja, alcançar-lhes algum benefício)? Por certo que sim! Daí, os sufrágios pelos mortos.

Quem não acredita, porém, em Purgatório é que costuma dizer que: ‘Não adianta fazer nada pelos mortos, morreu já era’. ‘Se se salvou, tá no céu (não precisa de ajuda); se se condenou, tá no inferno (não adianta mais nada)’.

De fato, quem está no Céu não precisa de nossa ajuda e quem está no Inferno não adianta mais ajudá-lo. Logo, insofismavelmente, os cristãos “primitivos”, pelo que é descrito em 1 Cor 15,29, acreditavam que existia, sim, um terceiro grupo de almas: que não estavam nem no Céu nem no Inferno, e que podiam ser ajudadas pelos seus irmãos ainda vivos e presentes neste mundo. Ora, mais isso não é exatamente o que nós, católicos, dizemos a respeito do Purgatório? (Só faltou, na referida epístola paulina, vir escrito o nome P-U-R-G-A-T-Ó-R-I-O; pois o conteúdo sobre a temática purgatorial, implicitamente, está nela.)

*obs: O fundamental é se o conceito está na Bíblia (se é bíblico), e não como chamamos esse conceito presente nela. [Embora, é claro, tenha importância o modo que denominamos.] O conceito da Santíssima Trindade está na Bíblia (e sem dúvida é bíblico), mas não o nome... E se os hagiógrafos não registraram a nomenclatura ‘Trindade’ (que seria até mais importante de se ter explicitada na Escritura Sagrada); por que, então, teriam a obrigação de nomear e registrar o vocábulo ‘Purgatório’?

Na mencionada carta, o Apóstolo dos Gentios apela para lógica, a fim de convencer sobre a veracidade de que os mortos ressuscitarão. É como se ele estivesse dizendo: ‘Se vocês “batizam” em favor dos que já morreram, tendo em vista a ressurreição dos mesmos, que tremenda incoerência seria não acreditar, por conseguinte, que haja a Ressurreição dos Mortos’. São Paulo usa tal prática religiosa, presente nos primevos tempos do Cristianismo, como um argumento favorável à crença da Ressurreição do Último Dia. [Este Santo Apóstolo, de modo algum, condena tal prática, mas se compraz na existência da mesma; utilizando-a como um argumento, a mais, para refutar a negação da ressurreição dos mortos.]

d) Lembremos ainda que: quem, primeiramente e explicitamente, defende essa idéia de que determinadas almas podem ser favorecidas pela ação (religiosa) dos vivos é o 2o Livro dos Macabeus. No qual é narrado, explicitamente, que os que pereceram em estado de imperfeição (ou impureza), poderão ser espiritualmente beneficiados, pela intervenção dos viventes, tendo-se em vista a ressurreição dos mortos. “Se eles não esperasse que os que haviam sucumbido iriam ressuscitar, seria supérfluo e tolo rezar pelos mortos... então era santo e piedoso o modo de pensar. Eis por que ele mandou oferecer sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado” (2 Mac 12,44-45).

Obviamente, não tem muito sentido orar (ou realizar algo) pelos mortos, para obter-lhes alguma benesse, se não se acreditar na existência do Purgatório. E essa crença atravessa a História do Cristianismo. Citemos, como exemplo, Tertuliano (que morreu no ano 220 d.C.): ““A esposa roga pela alma do seu esposo e pede para ele refrigério, e que volte a reunir-se com ele na ressurreição; oferece sufrágio todos os dias aniversários de sua morte” (De monogamia, 10)”[AQUINO, Prof. Felipe, Escola da Fé – I (Sagrada Tradição), Editora Cléofas, Lorena-SP, 2000, p. 114].

PS.: Tudo que escrevi está, e sempre estará, sujeito à autoridade da Santa Madre Igreja Católica. A qual pode corrigir, refutar, completar e tudo o mais que for necessário para preservação da Sã Doutrina.

Bibliografia

-AQUNINO, Prof. Felipe, Escola da Fé – I (Sagrada Tradição), Editora Cléofas, Lorena-SP, 2000.

-BÍBLIA DE JERUSALÉM, Editora Paulus, SP, 1996.