COMPRA COLETIVA: PICARETAGEM?
(de Salvador – Bahia) Quem já passou pela adolescência há algum tempo deve lembrar-se da febre das cooperativas na década de 80; os consórcios entre amigos vieram logo depois. Em tese tudo é muito simples e prazeroso, principalmente para quem vende ou organiza; alguém tem uma idéia brilhante de oferecer qualquer tipo de produto, desde serviços a até bens duráveis, por preços inacreditáveis, bastando apenas que haja um volume maior de aquisições.
Na década de 80, e não faz tanto tempo assim, houve uma corrida pela instituição de cooperativas; um grupo de pessoas se reunia e fundava mecanismos cooperativados para driblarem os altos preços de época; de escolas a supermercados, tudo era oferecido aos associados por até 50% do valor normal de venda. Três décadas depois uma cooperativa de médicos e alguns modelos de bancos sobreviveram, mas os preços praticados por eles, de baixo não têm nada.
Muitos amigos também se reuniam para comprar equipamentos eletrônicos como antenas parabólicas e vídeos cassetes; primeiro se fazia um orçamento prévio de uma quantidade razoável destes equipamentos, depois dividiam o preço total em um número de quotas igual ao de participantes; cada um pagava por mês um valor igual e num determinado dia havia um sorteio para saber quem iria levar o bem para casa; eram os consórcios entre amigos; tudo para driblar preços altos e a burocracia do crédito restritíssimo da época!
Na Bahia o Governo do Estado também resolveu entrar na onda sob o rótulo de ajudar os mais necessitados; na década de 70 foi fundado o supermercado Cesta do Povo; seu foco é subsidiar os principais produtos da cesta básica para tornar acessível à população de baixa renda. Traduzindo em miúdos, o Governo da Bahia compra os produtos e vende em locais sem luxo, praticando preços sem impostos. Anos mais tarde a idéia sofreu duros golpes financeiros que quase levaram a rede a falir!
Mas então por que ideários tão bons não seguem adiante? Consórcio entre amigos, cooperativas, supermercados sem impostos, enfim; idéias que facilitam o acesso de muitas pessoas a determinados tipos de produtos por preços tão abaixo do mercado deveriam ser um modelo a ser seguido, mas ao invés disso, desmoronam e deixam um rastro de sujeira que aponta apenas para alguém que ganhou muito com tudo isso.
Em dias em que a internet só falta dar vida o que se fala agora é nas tais COMPRAS COLETIVAS; uma idéia que surgiu nos Estados Unidos da América em pouco mais de dois anos e que chegou ao Brasil através da famosa empresa Peixe Urbano. Comprar alguma coisa de forma coletiva é uma espécie de dispositivo em que uma empresa negocia previamente com um fornecedor o preço de um produto. Conta a tradição atual que este preço deve ser entre 30 e 50% mais barato do que o praticado na própria empresa que o produz ou vende.
Depois de negociado o preço a empresa de venda coletiva anuncia o produto com o nome de seu fornecedor e em seguida abre um espaço de tempo mínimo e máximo para que um grupo de compradores faça seus lances e adquiram-nos através de um site de internet. Um exemplo claro são “tarifas” de hotéis; em tese uma diária que é oferecida no balcão a R$ 100,00 pode ser comprada por R$ 50,00; destes 50 Reais o vendedor (site) leva uma comissão pela venda (o Peixe Urbano cobra 50%) e o restante é repassado para quem vende; neste caso o hotel.
O Peixe Urbano que negociou e anunciou leva R$ 25,00; o dono do hotel leva os outros R$ 25,00 e recebe de uma só vez uma quantidade maior de vendas avista; e o cliente comprador lucra com o preço baixo. O negócio é muito interessante para a empresa de venda coletiva e para o cliente; também é interessante para quem oferece o produto por que se vender muito recebe de uma só vez pelo montante da operação; e ainda faz seu produto ficar conhecido por milhares de pessoas. Para o dono do negócio que oferece o produto a um preço baixo as únicas benesses são a publicidade e o volume antecipado.
Na internet as notícias dão conta da existência de mais de 3 mil sites praticando venda coletiva; sob esta ótica é que muitos também acreditam que o negócio é perigoso e vulnerável. Como tudo na internet é suspeito e falta credibilidade, as compras coletivas também deixam de serem apenas flores, porque golpistas já sabem que o volume financeiro envolvido é muito grande...
Para o comprador ingressar no negócio é preciso se cadastrar no site que faz a oferta; a princípio pede-se apenas o nome completo e o endereço de e-mail; todos os dias este sujeito cadastrado recebe as ofertas do site e caso deseje comprar alguma delas irá precisar ter um cartão de crédito ou um meio de pagamento ágil. Todos os produtos indicam a origem e as regras para aquisição; fotografias e vídeos também são postados para ilustrar a propaganda e fazer com que os compradores se encantem.
Entre o ato de comprar e receber aquilo que viu no anúncio, muito há que se observar. É bom sempre lembrar que os dados de seu cartão de crédito serão enviados pela internet para favorecer o pagamento a alguém desconhecido. Quem recebe o pagamento não é aquele que oferece o produto; neste caso há uma disfunção jurídica. O site é um agente que fala em nome da empresa que oferece o produto. No caso das compras coletivas ambos são responsáveis pelo oferecido, mas o comprador não tem acesso fácil aos dados da empresa anunciante e é com ela que ele faz negócio em primeiro grau. – Complicado? – Você não viu nada ainda!
Pouco se divulga sobre quem vende e recebe em primeiro plano o dinheiro do comprador; em havendo qualquer distúrbio o comprador terá dificuldades em acionar judicialmente o site de vendas, salvo se tiver certeza de dados como razão social, CNPJ, endereço e idoneidade dela.
Muitas pessoas já reclamam abertamente que foram enganadas, pois o produto oferecido não estava de acordo com o que foi entregue. As empresas que oferecem dizem que a culpa é do site; o site diz que a culpa é da empresa; e o consumidor, como sempre, mantêm-se numa roda de imundices, aonde a punição aos culpados raramente chega e dificilmente oferece eficácia.
Estudos anônimos afirmam que cerca de 30% de tudo que é oferecido e comprado não consegue se efetivar; seja por culpa de discordâncias entre as partes ou por esquecimento de quem paga.
Outra questão que foi exaustivamente pesquisada pelo Irregular.com.br são os preços equivocados. Há sites que anunciam um determinado produto com 50% de desconto (às vezes mais) e que na verdade, se o comprador for direto ao vendedor pagará menos do que o rotulado como compra coletiva. Por esta ótica fica outro alerta importante: jamais se entusiasme com o percentual. Verifique sempre o preço direto e compare antes de fechar negócio. Muitas ofertas de hotéis são mais caras nos sites de compra coletiva do que se fossem negociadas diretamente no balcão ou através de operadoras de turismo. No site Groupon, um dos gigantes do setor, uma diária num hotel de Búzios estava sendo oferecida a R$ 130,00 com um desconto já embutido de 70%; ligamos para o hotel para fazer uma reserva e o preço informado foi de R$ 115,00. Neste caso quem comprou, infelizmente, pagou a mais!
Quando o preço é subjetivo, como seções de estética, comumente oferecido por todos, é que eles se esbaldam. Cortes de cabelo ou tratamentos capilares em supostos salões de luxo recebem preços normais altíssimos para somente em seguida atingirem o desconto generoso. No final o preço fica como o praticado direto, mas o comprador tem a falsa impressão de estar sendo agraciado com uma vantagem!
Aqui em Belo Horizonte compramos uma desta ofertas, desta vez do Peixe Urbano. A oferta era um crédito de R$ 50,00 no Buffet de um bom restaurante; pagamos pelo crédito R$ 25,00 por pessoa. A oferta excluía bebidas, cigarros e o serviço. Quando fomos usar a oferta o Buffet estava quase vazio e com poucas apresentações de pratos. Nos dias normais, com um preço um pouco maior, a fartura e a qualidade eram impressionantes!
Para você comprar no Peixe Urbano, maior site do setor no Brasil; precisa antes estar cadastrado numa empresa de pagamento digital; depois de cadastrado você efetua a compra. A empresa de pagamento recebe o seu pagamento e repassa para o Peixe Urbano, que por sua vez repassa a parte líquida sem a comissão para a empresa que oferece o produto. Muito cuidado com as pegadinhas, pois nem tudo que você compra de fato leva! Uma das ofertas de hoje é um Tablet ZTE com 50% da Vivo, mas para comprá-lo as regras dizem que você precisa ter nome limpo e pagar uma mensalidade de R$ 89,00 por um período mínimo de 01 ano...
No mesmo Peixe Urbano a oferta de hoje para o Barra Turismo Hotel em Salvador – Bahia duas diárias com café da manhã em baixa temporada está de 300,00 por 149,00. Na oferta o Peixe Urbano diz que o desconto é de 50%. Eu estive no hotel e falei com Daniel, funcionário de atendimento; o atendente me informou que o preço normal é R$ 120,00 para esta época do ano em apartamento simples; bem abaixo dos 50% de desconto festejado pelo site!
Você que compra ou que pretende comprar em sites de compra coletiva vai aqui o meu alerta e alguns conselhos: verifique se o site é idôneo e se possui capacidade financeira de ressarcimento em caso de problemas; pesquise antes o produto desejado e não se deixe impressionar apenas com o percentual de desconto...
Fique de olho também nos sites ratoeira; eles existem e quem está por trás é uma pessoa física sem nenhum compromisso com o negócio. Enquanto estiver dando certo, bem; quando algo der errado, estas pessoas costumam se esconder e somem deixando o site ao Deus dará! Existem também os sites de outros países, como os Estados Unidos. Eles vendem vantagens, principalmente de outros países e caso haja qualquer problema a justiça do Brasil raramente consegue algo palpável para atenuar sua perda...
Persistindo qualquer problema você pode e deve acionar na justiça o site e o dono do produto, porque ambos lucram com a operação. Além disso, as empresas envolvidas são ativamente ligadas por um contrato e respondem conjuntamente pela operação realizada. Juntas ou em separado elas devem resolver quaisquer problemas ocasionados pela compra, inclusive devolver o dinheiro integralmente em caso de desistência sem que haja qualquer justificativa.
Pelo visto, esta coisa de lucrar demais, como sempre, é preciso abrir bem os olhos; no mínimo você poderá comprar gato por lebre ou ganhar uma baita dor de cabeça...
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é editor do blog www.irregular.com.br