1.4 Pós modernidade: STF libera passeata da maconha

17.06.2011 - A liberação da marcha da maconha e a pós modernidade

Na Pós moderidade ( PM ) ao invés da verdade como bem absoluto, entram em cena o jogo de aparências e a teatralidade. Por isso, o foco na pós-modernidade passa a ser não mais o discurso da verdade absoluta mas sim o desejo de experimentar o mundo.

A pós-modernidade teria assim como característica principal a vivência do agora, independente dos valores do passado: gerada a partir daí uma atitude de análise que não mais vise o julgamento, mas sim a contemplação.

Assim a ministra Cármen Lúcia citou a “criatividade” dos manifestantes para debater o assunto, mesmo diante das proibições, lembrando que em algumas marchas a palavra “maconha” foi trocada por “pamonha” e os atos transformados em protestos pela liberdade de expressão:

“A liberdade é mais criativa do que qualquer algema que se possa colocar no povo. (...) Alguns avanços se fazem dessa forma, postulando algo que neste momento é tão grave e com o tempo passa a ser normal para todo mundo. Tenho profundo gosto pela praça porque a praça foi negada a nossa geração”, afirmou a ministra ao fazer referência a proibição de manifestações públicas durante o regime militar.

Neste caso a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, responsável pela ação no STF, defendeu a importância de que o Supremo se pronunciasse definitivamente sobre o assunto. Segundo ela, as leis anteriores à Constituição de 1988 devem ser reinterpretadas de acordo com seus princípios:

“A primeira grande objeção é supressão da visão positivista de que aos textos são unívocos, de que as palavras se colam às coisas de modo definitivo. O que está em debate é a liberdade de expressão como uma dimensão indissociável da dignidade da pessoa humana. Não cabe ao estado fazer juízo de valor sobre a opinião de quem quer que seja”, afirmou a vice-procuradora.

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Diz-se que na pós modernidade o homem é co-criador do seu meio.

Teoriza-se que o homem pós moderno é capaz de se salvar e evoluir, livre dos princípios mais rígidos, do desenvolvimento moral e espiritual, isso graças à flexibilidade e relativização, que vai ocorrer frente às mudanças de seu tempo, o que gera novas atitudes, esta a chamada Ética Estética: atitudes que não pretendem mais ditar uma conduta de vida.

Neste caso passa a existir um presenteísmo: um desejo de se viver o agora e com isso intensificar as emoções e a experimentação por excessos: dizem os sociólogos que o desejo de comunhão, que antes só se vivia nas igrejas e nas grandes comemorações cívicas, agora se realiza por exemplo na Parada Gay e na Marcha da Maconha.

Aqui, se pensarmos naquilo que já representou a modernidade: com seus ideais de progresso, e o desfrute coletivo de benesses que antes nunca se teve - quando a droga representava uma ameaça a este progresso (por tornar a pessoa improdutiva e um transtorno para sua famílai e sociedade; daí as políticas proibicionistas em relação as drogas).

Eis que na virada do século XX veio o desencanto com essa época, quando o antiamericanismo toma voz e quer que a questão das drogas seja tratada de um outro jeito. Reencantamento que agora vem pela ideia de que a liberdade do homem e o seu livre arbítrio são fatores suficientes para pautar sua conduta e por isso devem ser respeitadas.

Assim na pós modernidade vemos releituras de tudo: o crack não é mais o bicho papão, porque descobriu-se o piti: a pedra light com lascas de crack misturada à maconha, que não te deixará um zumbi. A aids também não é mais o bicho papão porque o poder público dá seringas descartáveis e coquetéis de remédios que permite o aidético levar uma vida normal, quando se conseguiu até a quebra da patente para o remédio para a AIDS.

Tudo isso, segundo esta sociologia, vai dando um reencantamento depois de todo desencanto. Por isso numa campanha anti drogas não se pode falar em um mundo sem drogas; porque seria hipocrisia (a mesma que se tem com o consumo legal de alcool e tabaco ).

Segundo Maffesoli, o papa destas ideias “o bem deixou de ser a meta única". E nisso há algo de se viver o lado trágico do mundo, que existe em Nietzsche. A aceitação da vida, inclusive na sua parte “ruim”, é uma condição típica do homem pós-moderno, o homo estheticus. Explica Ivan Alexander Mizanzuk:

"Há beleza no conflito, no sofrimento, nas emoções latentes que desejam transparecer. As afeições que nascem das relações sociais não são (e nem visariam ser) completamente racionais ou logicamente estruturadas, como o espírito moderno desejava. As emoções entram assim em constante jogo no viver. Há irracionalidade no ar. E com as emoções há o surgimento das relativizações totais dos valores – quebra dos ideais monoteístas, das buscas pela Verdade Única.

"Assim, não há mais uma Verdade única, geral, aplicável em qualquer tempo e lugar, mas, ao contrário, uma multiplicidade de valores que se relativizam uns aos outros, se completam, se nuançam, se combatem, e valem menos por si mesmos que por todas as situações, fenômenos, experiências que supostamente exprimem (MAFFESOLI)".

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Mizanzuk que é um grande estudioso de Aleister Crowley, criador da Lei de Telema :

"No caminho místico apontado por Crowley, vemos a dissolução de grandes metanarrativas institucionais (por exemplo, no acreditar em que a sua Igreja lhe diz) em prol de um desenvolvimento pessoal, individual. Os afetos surgem guiados agora pelo conceito místico da Vontade, que, sendo inata, cria vínculos e tensões sociais que serão sempre bem-vindas – afinal a existência é puro prazer. É então dessa forma que podemos ver Crowley como um pensador à frente de seu tempo: ao dizer que “não há Deus senão o homem”, ele diz que a própria salvação se encontra no viver agora. Já a noção do “perder-se no outro”, no “coletivo”, como expressa Maffesoli, é uma das formas de se entender essa posição. Em Thelema, o viver místico é um perder-se no Outro, assim como no Absoluto. O Outro é o Absoluto. E o desejo por tal experiência seria, segundo Maffesoli, uma forte característica de uma religiosidade pós-moderna."

Coisa que Mafessoli, o papa da pós modernidade, referenda :

"Tenho insistido com freqüência nessa transcendência imanente específica da religiosidade pós-moderna. Podemos lembrar aqui que ela emana desses “confins misteriosos”, ou seja, das situações-limite provocadas pela união dos corpos e das almas. Isto gera uma exaltação específica, que não distingue o bem do mal, e se mostra inclusive indiferente a semelhante divisão, exaltação que a partir desse momento enfatiza o surreal no próprio interior da vida de cada um. Entende-se melhor, assim, como o êxtase místico, em suas diversas modulações, sempre preocupou os poderes estabelecidos, as teorias racionalistas e os gestores de carteirinha do sagrado. (MAFFESOLI).

Foi o que bastou para que este ministros fossem unânimes em liberar a passeata da maconha: relativismo puro que segundo os sociólogos se caracteriza por validar ações desembaraçada de propósitos, livres da ânsia de resultado. Esta uma máxima nas regras do relativismo moral: " Abaixando o nível de consciência, elimina-se também os julgamentos pessoais, quando os atos então tornam-se livres, cheios de potência de vida". Ou não foi isso que os ministros aplaudiriam na marcha da maconha: organizada, sem baixaria e até sem "chapação"?

De interesse maior nisso tudo conhecer o fundamento sociológico e filosófico, que explicam como estas mudanças acontecem e quais ideias e pensamentos lhes dão amparo, enquanto que as razões dos Ministros do STF parecem rasas e previsíveis, eles mesmos bastantes manipulados (segue o pensamento de cada Ministro do STF sobre a liberação da Marcha da Maconha):

Celso de Mello (relator): "O Estado não pode nem deve inibir o exercício da liberdade de reunião ou frustar-lhe os objetivos (...) ou ainda pretender controle oficial sobre o objeto da passeata ou marcha. É perfeitamente lícita a defesa pública da legalização das drogas na perspectiva do legítimo exercício da liberdade de expressão"

Luiz Fux: "A entidade Marcha da Maconha constitui evento público decorrente da liberdade de expressão coletiva. A liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, tem caráter de pretensão que o Estado não exerça censura"

Cármen Lúcia: "A liberdade é mais criativa do que qualquer grilhão que se possa colocar no povo. Alguns avanços se fazem dessa forma, postulando algo que neste momento é tão grave e com o tempo passa a ser normal para todo mundo"

Ricardo Lewandowski: "A marcha nada mais é do que uma reunião em movimento e, por isso, está garantida na Constituição. Eu entendo que não é licito coibir qualquer manifestação a respeito do que seja uma droga lícita ou ilícita, desde que obedecidos os preceitos da Constituição"

Carlos Ayres Britto: "Nenhuma lei pode se blindar contra a discussão do seu conteúdo, nem a Constituição está a salvo da ampla e livre discussão dos seus defeitos e virtudes".

Ellen Gracie: "Me sinto aliviada de que a minha liberdade de pensamento esteja garantida"

Marco Aurélio: "Os brasileiros não suportam mais falsos protecionismos, cujo único resultado é o atraso e a ignomínia de um povo. A liberdade, como ato de expressão, não pode admitir teias"

Cezar Peluso, presidente do STF:

"A liberdade é uma emanação direta do valor supremo da dignidade da pessoa humana. Toda dignidade estaria gravemente mutilada se a pessoa não pudesse se manifestar como tal, manifestando seu pensamento. É condição necessária para a formação e o funcionamento do mercado de ideias e da circulação de opiniões "

Cine Astor
Enviado por Cine Astor em 17/06/2011
Reeditado em 13/01/2016
Código do texto: T3040340
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