REDAÇÃO: critérios de avaliação
Como professor e participante de várias bancas examinadoras, temos observado que muitos alunos se submetem a exames vestibulares sem ter noção de como são avaliados pelos corretores das redações. Este texto objetiva orientá-los sobre os critérios de avaliação de redação adotados pela maioria dos concursos no Brasil.
Inicialmente apresentamos algumas situações que, apesar de aparentemente simples, provocam a desclassificação de muitos candidatos. São elas:
1) Fazer a prova a lápis (Você pode estar se perguntando: - Há quem aja dessa maneira? Eu respondo: - Sim); 2) Não obedecer ao número mínimo de linhas solicitadas pela Instituição promotora do concurso; 3) Escrever a redação em forma de poema (normalmente são solicitados textos em prosa); 4) Fugir totalmente do tema; 5) Escrever de forma a não ser entendido(a).
De maneira geral, os professores corretores observam:
1. Abordagem do tema/organização do texto
Os alunos precisam organizar seu texto de maneira que haja progressão de idéias, ou seja, a cada parágrafo devem apresentar uma novidade dentro do tema proposto. A seguir, um exemplo de texto sobre o tema televisão, em que essa progressão acontece.
A tevê, apesar de nos trazer uma imagem concreta, não fornece uma reprodução fiel da realidade.
Uma reportagem de tevê, com transmissão direta, é o resultado de vários pontos de vista: 1) do realizador, que controla e seleciona as imagens num monitor; 2) do produtor, que poderá efetuar cortes arbitrários; 3) do cameraman, que seleciona os ângulos de filmagem; finalmente de todos aqueles capazes de intervir no processo de transmissão.
Alternando sempre os closes (apenas o rosto de um personagem no vídeo, por exemplo) com cenas reduzidas (a vista geral de uma multidão), a televisão não dá ao espectador a liberdade de escolher o essencial ou o acidental, ou seja, aquilo que ele precisa ver em grandes ou pequenos planos.
Dessa forma, o veículo impõe ao receptor a sua maneira especialíssima de ver o real.
(SOARES, M.B.; CAMPOS, E.N. Técnica de Redação. São Paulo: Ao Livro Técnico S.A., s.d.)
Observe que o escritor discorre sobre o mesmo tema do início ao fim de sua redação, mas a cada parágrafo nos traz uma novidade, sem ficar repetindo as mesmas idéias, o que é próprio de alguém que não domina o assunto sobre o qual está escrevendo.
A organização das idéias deve ser feita de forma clara e os argumentos apresentados devem ter consistência, a fim de que não sejam facilmente contestados. Um exemplo de falta de consistência argumentativa é o trecho seguinte: “No Brasil, a maioria da população ativa ganha acima de dez salários mínimos.”
Qualquer pessoa com conhecimento médio da situação econômica do Brasil é capaz de colocar por terra essa afirmação.
2. Coerência Textual
A coerência dá sentido ao pensamento, tornando-o inteligível. Ocorre quando a informação se harmoniza com as demais referidas no texto e com o conhecimento que temos da realidade, isto é, de outros fatos similares ou análogos.
Tipos de Coerência: Narrativa, Figurativa e Argumentativa.
Narrativa
A estrutura narrativa tem quatro fases distintas: manipulação (fase em que alguém é induzido a querer ou dever realizar uma ação); competência (fase em que esse alguém adquire um poder ou um saber para realizar aquilo que ele quer ou deve); performance (fase em que de fato se realiza a ação); e sanção (fase em que se recebe a recompensa ou o castigo por aquilo que se realizou). Essas quatro fases se pressupõem, isto é, a posterior depende da anterior. Assim, por exemplo, um sujeito só pode fazer alguma coisa (performance) se souber ou puder fazê-la (competência). Constitui, portanto, uma incoerência narrativa relatar uma ação realizada por um sujeito que não tinha competência para realizá-la.
Observe o texto que segue:
Havia um menino muito magro que vendia amendoins numa esquina de uma das avenidas de São Paulo. Ele era tão fraquinho, que mal podia carregar a cesta em que estavam os pacotinhos de amendoim. Um dia, na esquina em que ficava, um motorista, que vinha em alta velocidade, perdeu a direção. O carro capotou e ficou de rodas para o ar. O menino não pensou duas vezes. Correu para o carro e tirou de lá o motorista, que era um homem corpulento. Carregou-o até a calçada, parou um carro e levou o homem para o hospital. Assim, salvou-lhe a vida.
Figurativa
Suponhamos que se deseje figurativizar o tema “despreocupação”. Podem-se usar figuras como “pessoas deitadas à beira de uma piscina”, “drinques gelados”, “passeios pelos shoppings”. Não caberia, no entanto, na figurativização, a utilização de figuras como “pessoas indo apressadas para o trabalho”, “fábrica funcionando a pleno vapor”.
Outro exemplo. Se queremos mostrar o tema do requinte e da sofisticação, podemos citar a casa do personagem com lareira, tapete persa, cristais da Boêmia, porcelanas de Sèvres, um Portinari etc. Incluir neste conjunto Agnaldo Timóteo cantando um bolero sentimentalóide não é boa idéia. A não ser que a intenção seja a ironia ou o humor.
Argumentativa
Quando se defende o ponto de vista de que o homem deve buscar o amor e a amizade, não se pode dizer em seguida que não se deve confiar em ninguém e que por isso é melhor viver isolado.
Num esquema de argumentação, joga-se com certos pressupostos ou certos dados e deles se tiram conclusões que estejam implicados nos elementos lançados como dados de base do raciocínio que se quer montar. Se os dados de base não permitem tirar as conclusões que foram tiradas, comete-se a incoerência de nível argumentativo.
Se o texto parte da premissa de que todos são iguais perante a lei, cai na incoerência se defender posteriormente o privilégio de algumas categorias profissionais não estarem obrigadas a pagar imposto de renda.
O argumentador pode até defender essas regalias, mas não pode partir da premissa de que todos são iguais perante a lei.
Assim também é incoerente defender o ponto de vista contrário a qualquer tipo de violência e ser favorável à pena de morte, a não ser que não se considere a ação de matar como uma ação violenta.
(PLATÃO & FIORIN. Para Entender o Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 1999)
O trecho “No Brasil, a maioria da população ativa ganha acima de dez salários mínimos.” não apresenta coerência pelo fato de que suas idéias não estão adequadamente relacionadas com o conhecimento partilhado de mundo.
Outra forma de o texto apresentar incoerência é não fazer a relação adequada entre idéias gerais e particulares, como o exemplo seguinte:
“Venho acompanhando pelo jornal um debate acalorado entre professores a respeito de um tema da especialidade deles: literatura moderna. O debate, que se iniciou com dois professores e acabou envolvendo outros mais, terminou sem que se chegasse a uma conclusão uniforme. Isso nos leva a concluir que o homem não é mesmo capaz de entrar em entendimento e, por isso, o mundo está repleto de guerras”.
A falta de informações necessárias ao entendimento do texto e de precisão ou propriedade no uso das palavras também pode tornar um texto incoerente.
3. Coesão Textual
Coesão é a conexão interna entre as várias partes de um texto. É o que torna o texto organicamente articulado, concatenado, diferenciando-o de um amontoado caótico de palavras e parágrafos.
A língua portuguesa é rica em palavras que podem substituir outras já referidas no texto, produzindo a chamada relação de co-referencialidade (conjunções, pronomes, etc.). Não há necessidade, portanto, de quem redige usar a mesma palavra várias vezes, a não ser em casos estritamente necessários. Veja os exemplos abaixo:
“O papa João Paulo II visitou o México. Na capital mexicana, Sua Santidade beijou o chão. As pessoas tinham certeza de que o papa lhes guardava respeito e as amava”.
“Nos Estados Unidos a vitória do capitalismo permite que a vida seja de um nível extraordinário. O trunfo desse gigante do Norte é a força de sua moeda. Tudo na terra de Tio Sam se avalia pelo seu peso em dólar. Talvez por isso no país de George Washington, seus filhos guardem, na fisionomia, certo ar de superioridade, já repararam?” (FRANCIS, Paulo. Cabeça de papel. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988, p. 45).
É importante observar a correlação entre os tempos e os modos verbais. No vestibular de 2005 da Universidade Federal do Pará, foi feita a seguinte pergunta aos alunos: O que você faria se este fosse o último dia de sua vida? Muitos alunos responderam: - Eu iria à casa de meus pais e pedia perdão a eles pelas coisas erradas que fiz.
Pode-se observar a falta de paralelismo entre as formas verbais iria (futuro do pretérito do indicativo) e pedia (pretérito imperfeito do indicativo). Para haver paralelismo, o aluno deveria dizer: - Eu iria à casa de meus pais e pediria perdão...
O uso inadequado de certas palavras e a omissão de termos necessários ao entendimento do enunciado também provocam a falta de coesão. Uma das palavras mais usadas inadequadamente é o advérbio onde. Esse termo deve ser utilizado quando houver a idéia de lugar, caso contrário deve ser substituído por em que, no qual, nos quais, conforme o caso.
No restaurante onde almoço, ... (adequado)
A criança começa a freqüentar a escola com seis, sete anos. É uma idade maravilhosa, onde o garoto ainda está descobrindo... (inadequado)
4. Norma Culta/Regras de Escrita
Embora esse item seja normalmente o de menor valor atribuído à redação, é importante que o aluno fique atento aos processos sintáticos (concordância, regência, colocação pronominal) segundo a norma culta; à grafia correta das palavras, à translineação adequada, ao assinalamento da crase e à pontuação.
É bom lembrar que esses elementos também podem comprometer a coesão e a coerência textuais. Por exemplo, um texto cuja pontuação não esteja bem feita pode ter sua mensagem truncada. O texto a seguir utiliza bem os sinais de pontuação. Da reunião participaram José Duarte, Presidente do Conselho Estadual; Eduardo Silva, Secretário de Estado; Mariana Fagundes, Diretora de Esportes do Município; Fabiano Brito, Coordenador do Centro Boa Leitura.
Sem esses sinais, ficaria difícil distinguir os participantes da reunião e suas respectivas funções.
DÚVIDAS MAIS FREQUENTES
- A redação pode ser feita com letra de forma?
Sim. Os concursos em geral não fazem nenhuma observação a respeito da utilização ou não de letra de forma. Alguns alunos, com receio, utilizam a fonte versal versalete. Ex.: O BRASIL É UM PAÍS CONTINENTAL.
A Universidade Federal do Pará, por exemplo, na época em que divulgava as melhores redações do vestibular, teve várias redações consideradas nota 10 feitas com letra de forma.
É importante, contudo, observar se o comando da redação faz restrição ao uso de letra de forma. Se faz, é evidente que utilizaremos a chamada letra cursiva.
- A redação pode ser escrita em primeira pessoa?
Os professores, ao fazerem a correção das provas, não estão preocupados se os alunos estão escrevendo na primeira ou na terceira pessoa, e sim se os textos por eles produzidos respondem de maneira fluente ao proposto no comando da questão. Percebemos que alguns alunos, por acharem que não podem usar o “eu” ou o “nós”, procuram subterfúgios para responder a perguntas que, pela forma como foram feitas, pediriam, a princípio, respostas em primeira pessoa. Exemplos disso são as questões propostas pelo CEFET/PA, em 2008 (Redija um texto em prosa, no qual responda como e por que escolheu fazer o curso no qual você está inscrito), e pela UFPA, em 2006 ("O que você faria se só te restasse esse dia?").
- A gíria pode ser utilizada nas redações?
A gíria e outros elementos próprios da linguagem coloquial podem ser utilizados, desde que sejam marcados de alguma maneira no texto. Veja o trecho seguinte: “Ao passar pela esquina da Almirante Barroso com a Dr. Freitas, a senhora ouviu: - Passa toda a grana pra cá e nada de dar manchete, se não tu vira presunto.”
O escritor usou como recurso o verbo discendi seguido de dois pontos e do travessão para marcar a fala da personagem, no caso o assaltante.
As aspas também podem ser usadas para marcar a palavra ou expressão coloquial que se deseja destacar.
AGRADECIMENTO
Ao professor José dos Anjos Oliveira, da Editora da UFPA, pelas sugestões e pela revisão do texto.
BIBLIOGRAFIA
PLATÃO & FIORIN. Para Entender o Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Ática, 1999.
SOARES, M.B.; CAMPOS, E.N. Técnica de Redação. São Paulo: Ao Livro Técnico S.A., s.d.
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* Professor de Língua Portuguesa do Instituto Federal do Pará - IFPA e Revisor de Textos da Universidade Federal do Pará - UFPA. Especialista em Teoria Literária. Aluno do mestrado em linguística da UFPA. Prêmio Jabuti 2003 como editor do livro "A família Canuto e a luta camponesa na Amazônia", de Carlos Cartaxo. Autor dos livros Insanidades, Mosqueiro em Versos, Mosqueiro – Pura Poesa, CEFET – História que inspira poesia, Contando Histórias, Tênis de Mesa no Pará (coautoria com Mauro Macedo), Igreja do Evangelho Quadrangular: 35 anos ..., Orientações para a produção textual... (coautoria com José dos Anjos Oliveira), Um Encanto de Ilha e Intituto Federal do Pará: 100 anos de ... Lançou os CDs Tributo a Mosqueiro e Um Encanto de Ilha. Ministra palestras sobre o tema.
Fones: 9154-5720/8251-7940.