Direito Penal - Processual Penal Brasileiro-DIREITO PENAL DO INIMIGO - INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DE DROGAS

DIREITO PENAL DO INIMIGO E A INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DE DROGAS

Há quem diga que a legislação brasileira vem sofrendo influência de duvidosas doutrinas externas que atuam na seara Processual Penal modificando os preceitos e normas adotadas pela legislação brasileira, em especial, a que trata da Teoria do Direito Penal do Inimigo.

Neste sentido, parte da doutrina tem asseverado que o Legislador e o Poder Judiciário, no afã de ver suprimido o clamor popular em face do aumento da criminalidade, têm se apossado de meios que não os defendidos em um Estado Democrático de Direito para dirimir suas demandas judiciais, inclusive, editando normas ou interpretando-as de maneira que os direitos humanos e os princípios fundamentais dos acusados sejam extintos ou suprimidos.

Neste sentido, faz-se necessário discorrer sobre o tema através de uma análise perfunctória da história da Teoria do Direito Penal do Inimigo e de sua possível relação com as leis e normas aplicadas ao Direito Penal e Processual Penal Brasileiro.

5.1 DIREITO PENAL DO INIMIGO

A teoria do Direito Penal do Inimigo foi idealizada por Günther Jakobs, doutrinador oriundo da Alemanha sendo difundida a partir de 1985. Essa doutrina defendia a criação de leis severas para os chamados “Inimigos do Estado”: terroristas, criminosos internacionais, delinquentes sexuais, dentre outros.

Com fulcro no combate à criminalidade nacional e internacional a tese de Jakob tem como base três elementos; a) adiantamento da punibilidade; b) penas previstas desproporcionalmente altas; c) garantias processuais relativizadas e suprimidas.

Conforme a teoria difundida por Jakobs, inimigo do estado é o indivíduo que reitera atos de delinquência e persiste na prática de delitos ou ainda que cometa crimes que assentem risco à existência do Estado.

Amparado pelos pensamentos filosóficos de Kant, Rousseau, Hobbes, afirma ainda a teoria que o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. Sendo assim, o Estado é quem reconhece o direito do inimigo, alegando que o sujeito que não oferece comportamento adequado ao ordenamento jurídico não pode ser tratado como pessoa, inclusive pelo Estado. Portanto, não cabe procedimento penal e sim um procedimento de guerra.

Assim, o inimigo que infringe o contrato social deixa de ser membro do Estado e declara guerra contra este. Sendo tratado como o “inimigo do Estado” tem seus direitos processuais suprimidos.

CRITICAS À TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Toda tese ou teoria recebe críticas por meio de uma antítese, o que resulta em uma síntese ou nova tese. Com a teoria do Direito Penal do Inimigo não tem sido diferente. No Brasil vários doutrinadores têm se posicionado contrários aos postulados de Jakobs, dentre eles podem-se citar Cancio Meliá; Luiz Flávio Gomes e Damásio de Jesus.

Luiz Flávio Gomes, utilizando-se das palavras de Cancio Meliá, tece críticas à teoria de Günther Jakobs nos seguintes termos:

O direito penal do inimigo nada mais é que um exemplo de Direito Penal de autor, que pune o sujeito pelo que ele ‘é’ e faz oposição ao Direito Penal do fato, que pune o agente pelo que ele ‘fez’. A máxima expressão do Direito Penal de autor deu-se durante o nazismo, desse modo, o Direito Penal do inimigo relembra esse trágico período; é uma nova “demonização” de alguns grupos de delinquentes.

Damásio de Jesus sintetiza e pontua as críticas feitas à tese de Jakobs, também feitas por Cancio Meliá nos seguintes termos:

[...]

a) O modelo decorrente do Direito Penal do Inimigo não cumpre sua promessa de eficácia, uma vez que as leis que incorporam suas características não têm reduzido a criminalidade.

b) O fato de haver leis penais que adotam princípios do Direito Penal do Inimigo não significa que ele possa existir conceitualmente, i.e., como uma categoria válida dentro de um sistema jurídico.

c) Os chamados "inimigos" não possuem a "especial periculosidade" apregoada pelos defensores do Direito Penal do Inimigo, no sentido de praticarem atos que põem em xeque a existência do Estado. O risco que esses "inimigos" produzem dá-se mais no plano simbólico do que no real.

c) A melhor forma de reagir contra o "inimigo" e confirmar a vigência do ordenamento jurídico é demonstrar que, independentemente da gravidade do ato praticado, jamais se abandonarão os princípios e as regras jurídicas, inclusive em face do autor, que continuará sendo tratado como pessoa (ou ‘cidadão’).

e) O Direito Penal do Inimigo, ao retroceder excessivamente na punição de determinados comportamentos, contraria um dos princípios basilares do Direito Penal: o princípio do direito penal do fato, segundo o qual não podem ser incriminados simples pensamentos (ou a "atitude interna" do autor) [...].

A teoria do Direito penal do inimigo recebe ainda críticas por parte da doutrina estrangeira. Durante o 1º congresso internacional promovido pela LFG (Rede Luiz Flávio Gomes de Ensino) em discussão sobre o tema, Eugênio Raul Zaffaroni, doutrinador e Ministro da Suprema Corte Argentina, pontuou que “a lógica do DPI é a lógica da guerra, mas se trata, claro, de uma ‘guerra suja’, que muitas vezes aparece sob o rótulo de ‘segurança nacional’ ”.

Ainda Raúl Cervini, do Uruguai, fez censuras ao Direito Penal do Inimigo fazendo menção ao “risco desses ‘direitos penais’ emergenciais, que surgem para durar pouco e depois vão se expandindo para todas as áreas do sistema penal”.

No mesmo sentido discorreu Cezar Roberto Bitencourt, declarando que “nem sequer na ditadura os direitos humanos foram tão desrespeitados”. Alegou ainda que “no Brasil há patente abuso das prisões processuais, que as leis novas são aplicadas por ‘mentes velhas’, o que gera um clamoroso excesso de punitivismo”.

Outros posicionamentos contrários também se estendem no sentido de que o Estado Juiz não é amparado com condições e mecanismos de precisão para que exerça justiça e que, inclusive, não teria condições de arcar com as responsabilidades resultantes da má aplicação desta teoria , de tal modo que o pensamento difundido pelo alemão Günther Jakobs tem recebido resistência tanto por parte da doutrina brasileira como pela doutrina internacional.

Sendo assim, a crítica apresentada se resume ao fato de que o direito penal do inimigo é um sistema penal meramente punitivista que não visa o fato perpetrado, mas a personalidade do agente que transgride a lei. Tendo em vista, e devido ao seu radicalismo extremo, que deixa de lado os direitos fundamentais do indivíduo, este novo sistema não é abertamente aceito pela legislação e doutrina pátria, visto que não coaduna com os preceitos constitucionais e com os tratados de direitos humanos em que o Brasil foi signatário.

O DIREITO PENAL DO INIMIGO E A LEI DE DROGAS

No que se refere à possível aplicabilidade da Teoria do Direito Penal do Inimigo à legislação penal brasileira, alguns doutrinadores já se posicionaram no sentido de que a lei de drogas tem sido utilizada, dentre outras, como representante principal do pensamento punitivista de Jackob, tendo em vista deixar de conceder benefícios processuais e direitos, que segundo aqueles, são princípios defendidos pelo Ordenamento Jurídico Pátrio e pelos Tratados e Convenções Internacionais adotados pelo Brasil.

Sobre a relação do Direito Penal do Inimigo e a vedação da concessão da liberdade provisória na Lei de Drogas, Luiz Flávio Gomes posiciona-se no sentido de que é possível a concessão de liberdade provisória nos crimes de tráfico e vai além, alegando que a restrição que se faz na Lei nº 11.343/2006 é postura adotada na teoria do Direito Penal do Inimigo:

Afirmar que não é cabível a liberdade provisória no crime de tráfico de drogas é um rematado equívoco (seja do ponto de vista legal, seja do ponto de vista constitucional). Cuida-se de postura típica do Direito penal do inimigo (de Jakobs), que consiste precisamente em admitir que o processo contra o inimigo não deve ter todas as garantias do processo contra o cidadão. Pessoa é pessoa e não-pessoa é não-pessoa!

Matheus Magnus Santos Lemini faz duras críticas à lei de tóxicos, inclusive apontando pesquisa realizada em decisões judiciais proferidas, no sentido de que a punição aplicada nos crimes de tráfico tem caráter meramente punitivista e condena o autor do crime cometido pelo o que ele é e não pelo que ele fez.

No mesmo sentido ataca a exposição de motivos proferida em sentença que reproduzia o seguinte texto: “quem vende drogas em favelas e/ou comunidades dominadas por facções criminosas não pode fazer jus a tal benefício”.

Assim, assevera o autor que “tal exposição de motivos é o mais claro exemplo de direito penal do inimigo, rotulando-se um indivíduo e cerceando-lhe direitos fundamentais simplesmente pelo que ele é, ou seja, morador de favela”.

O doutrinador ainda apresenta pesquisa no sentido de que o Judiciário tem elegido como inimigo uma clientela bem específica; os indivíduos envolvidos no crime de tráfico de drogas. Veja-se:

Desta forma, resumidamente, o perfil dos condenados por tráfico de drogas no foro central estadual da cidade do Rio de Janeiro é de primários (66,4%), presos em flagrante (91,9%) e sozinhos (60,8%), sendo que 65,4% respondem somente por tráfico (art. 33, sem associação ou quadrilha), e 15,8% em concurso com associação. Destes, 14,1% foram condenados em concurso com posse de arma, sendo 83,9% do sexo masculino, e 71,1% dos casos presos com cocaína. Destes, 36,9% receberam penas acima de 5 anos de prisão.

Pontua ainda Lemini, que a própria coordenadora da pesquisa realizada, afirma que “a seletividade do sistema penal brasileiro foi confirmada e demonstrada de forma objetiva”, e que, “através de dados concretos, a atuação da Justiça segue a tendência do legislador, buscando imediatismo e falsa sensação de paz social, em um característico sistema de direito penal do inimigo”.

Por último, este mesmo autor, faz dura crítica à justiça criminal, e acentua que esta vem reiteradas vezes perseguindo o inimigo eleito, no caso o traficante, aplicando o direito penal do inimigo, vez que não permite que este não responda o processo criminal em liberdade.

Afirma que as penas aplicadas são desproporcionais à conduta do bem jurídico tutelado e que a periculosidade do agente é presumida para negar-lhe acesso aos benefícios positivados na legislação repressiva.

Em suma, o pensamento deste e de outros autores se resume no sentido de que a lei de tráfico é representante do direito penal do inimigo na legislação Pátria, pois ao buscar dar à sociedade uma resposta à crescente criminalização, o Poder Público elege sua forma de interpretação da lei, o que, na maioria das vezes, é “claramente antagônicas à Constituição Federal, adotando um modelo punitivista de aplicação das leis, punindo o agente transgressor pelo que é, e não pelo que fez, em clara adoção ao direito penal do inimigo, propugnado por Jakobs”.

A INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI Nº 11.343/2006

Após discorrer sobre a possível utilização da Teoria do Direito Penal do Inimigo, e de sua influência no Processo Penal Brasileiro, convém analisar à luz da doutrina e da jurisprudência o fator constitucional do tema.

A doutrina diverge quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo que trata da vedação da concessão da liberdade provisória na Lei nº 11.343/2006, Lei de Drogas, sendo que o posicionamento que vem ganhando mais destaque defende a inconstitucionalidade do dispositivo, constante do art. 44 da referida lei, apontando para uma eventual declaração de inconstitucionalidade nos moldes da ADI nº 3112/DF.

Na visão de Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi a nova redação dada à Lei de Crimes Hediondos não revogou o art. 44 da Lei de Drogas, sendo que continuam sendo aplicáveis as demais disposições da Lei nº 8.072/1990 aos crimes hediondos. Entretanto, ao que trata da vedação de concessão de liberdade provisória na lei de tráfico de entorpecentes permanecerá disciplinado pela Lei nº 11.343/2006.

Alegam ainda os autores, que a lei nº 11.464/2007, que modificou o inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, não alcançou os crimes de tráfico de drogas, visto que é norma genérica em detrimento à norma especial. Assim, mantém-se a vedação da concessão da liberdade provisória nos crimes de tráfico de substâncias entorpecentes.

Por outro lado, Renato Marcão, ensinando sobre o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, certifica que independente da gravidade do crime cometido, e desde que não estejam presentes os elementos que fundamentem a prisão cautelar, é plenamente possível a concessão da liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas.

Afirma o autor que a Lei de Drogas veda a liberdade provisória, com ou sem fiança, em se tratando da prática dos crimes previstos nos arts. 33 caput e § 1º, e 34 a 37. Entretanto, pontua que no dia 29 de março de 2007, a nova redação dada pela lei nº 11.464/2007 retirou a proibição genérica, ex lege, da liberdade provisória nos crimes hediondos, em que o crime de tráfico de entorpecentes é espécie, terminando por derrogar o art. 44 da Lei de Drogas. Inexistindo, portanto, tal restrição no Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Da mesma forma, discorrendo sobre a liberdade provisória na visão do Supremo, Renato Marcão afirma que por um longo período prevaleceu no Supremo Tribunal Federal o entendimento no sentido da constitucionalidade da vedação da liberdade provisória nos crimes chamados hediondos, dentre eles o crime de tráfico de entorpecentes.

Entretanto, com a vigência do Estatuto do Desarmamento, Lei 10.826/2003, a discussão tomou novos rumos em razão do disposto em seu artigo 21, que passou a considerar insuscetíveis de liberdade provisória os crimes previstos nos artigos 16, 17 e 18, da Lei de Armas. O que foi, posteriormente, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3112/DF.

O autor ainda reforça o posicionamento de que com o advento da Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007, a nova redação ao artigo 2º da Lei 8.072/1990, retirou a vedação expressa no inc. II do artigo 2º, que proibia a concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos.

Alega ainda que no mesmo quadro comparativo se insere “a Lei 11.343/2006, Lei de Drogas, que em seu artigo 44 passou a dispor que os crimes previstos em seus artigos 33, caput e § 1º, e 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de liberdade provisória, dentre outros benefícios também expressamente vedados”.

Igual entendimento tem Eduardo Henrique da Costa ao pontuar que o Supremo Tribunal Federal foi categórico na ADI 3112/DF, afirmando que a prisão na Lei de Armas por imposição legal é inconstitucional por contrariar os princípios da presunção de inocência, da necessidade de fundamentação das decisões judiciais, sem observar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Afirma ainda o autor que:

[...] a decisão proferida na presente ADIN deve ser aplicada indistintamente a todos os diplomas legais ordinários que, como o Estatuto do desarmamento fazia, vedam de forma absoluta a concessão de liberdade provisória no ordenamento brasileiro, por influxo da incidência da teoria dos motivos determinantes, bem como pelo advento da lei 11.464/07, que possibilitou a liberdade provisória aos crimes hediondos e assemelhados. Portanto, a vedação à liberdade provisória, que tutela o direito fundamental à liberdade, jamais poderá ser incondicional, razão pela qual a lei do crime organizado, a lei da lavagem de capitais, a lei de tóxicos (para quem não a entende revogada pela nova redação da lei dos crimes hediondos) ou quaisquer outras que encetem a mesma espécie de proibição devem urgentemente ser reinterpretadas à luz dos princípios orientadores da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.

André Luís Callegari e Miguel Tedesco Wedy discorrendo sobre os aspectos polêmicos referentes à Lei de Drogas asseveram que a liberdade provisória no âmbito da Lei de Crimes Hediondos era expressamente vedada, e que com o tempo o amadurecimento interpretativo levou à lógica conclusão de que a vedação da concessão de liberdade provisória a qualquer crime hediondo não era razoável. Assim, o entendimento doutrinário e jurisprudencial tomou força no sentido de que a liberdade provisória poderia ser concedida no caso concreto desde que não estivessem presentes os requisitos da prisão preventiva.

Pontuam ainda, que esse posicionamento se tornou dominante nas decisões dos tribunais de forma que levou o Poder Público a editar a Lei nº 11.464/2007, que excluiu a inconceptibilidade de liberdade provisória na Lei de Crimes Hediondos.

Segundo estes autores, “esse mesmo entendimento não foi suficiente para impedir que a restrição fosse repetida na nova Lei de Drogas, o que soa, no mínimo, um pouco desarrazoado”.

Assim também Pedro Paulo Guerra de Medeiros defende que:

Lei nº 11.343/2006 trouxe vedação automática, idêntica àquela anteriormente existente na Lei de Crimes Hediondos (8.072/90). Inobstante, a própria Lei de Crimes Hediondos já foi reconhecida como inconstitucional por vedar progressão de regime mediante presunção de necessidade objetiva, individualizada, como se possível fosse combinar presunção com objetividade e individualização.

O mesmo autor lembra ainda que quanto à negativa de concessão de liberdade provisória prevista na redação original dessa Lei de Crimes Hediondos, o STF e STJ, já se pronunciaram reconhecendo a inconstitucionalidade de norma semelhante, o que restou na ADI nº 3112/DF, que vedava a concessão de liberdade no Estatuto do Desarmamento, por violação expressa a presunção de não culpabilidade e o devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

Assim, este autor conclui no sentido de que resta manifesto que qualquer forma presumida de se proibir a concessão de liberdade provisória é além de evidentemente incível e injusta.

Convém também observar o posicionamento de Luiz Flávio Gomes que também tem entendimento contrário ao dispositivo do art. 44 da Lei 11.343/2006 alegando que por várias vezes sustentou o pensamento no sentido de que cabe liberdade provisória nos crimes de tráfico de entorpecentes.

Nesse sentido, o autor censura a decisão proferida pelo Ministro Felix Fischer, relator do HC 81.241-GO, que indeferiu liminar que visava a concessão de liberdade provisória nos crimes de tráfico de entorpecentes, alegando que a decisão é “juridicamente equivocada, sendo seguidora de um punitivismo exacerbado, típico do Direito Penal do Inimigo, que foge do abrigo da razoabilidade”.

Finaliza, Luiz Flávio Gomes, alegando que a decisão judicial proferida “não constitui expressão da cultura jurídica do seu eminente prolator” , e também “não configura uma lição de Direito penal. Só retrata mais uma manifestação do ‘poder punitivo interno bruto’ (PPIB), que é exercido pelas agências repressivas típicas do Estado de Polícia”.

No que diz respeito ao possível conflito aparente de normas entre a Lei de Drogas que é especial e a Lei de Crimes Hediondos que é norma geral, André Luís Callegari e Miguel Tedesco Wedy se posicionam no sentido de que as restrições mais severas, de acordo com a Constituição Federal, devem ser reservadas aos crimes hediondos e equiparados. Sendo assim, “em relação às restrições penais a acusados por crimes de especial gravidade, a lei especial seja a Lei nº 8.072/1990 e não a Lei 11.343/2006”.

Sustentam ainda os autores que o que se discute é uma situação concreta de sucessão de leis penais no tempo, e não de conflito aparente de normas. Por isso, o princípio aplicado ao caso em tela é o da posteridade e não o da especialidade, que pressupõe a vigência concomitante de duas ou mais leis aparentemente aplicáveis ao caso concreto.

Portanto, para estes autores, “deverá prevalecer o entendimento de que, com a publicação da Lei 11.464/2007, tornou-se admissível no plano legislativo a liberdade provisória do acusado por crime de tráfico de drogas”.

No mesmo raciocínio fundamenta Luiz Flávio Gomes , sobre um possível conflito aparente de normas entre a Lei de Drogas e a Lei de Crimes Hediondos. Veja-se.

No caso do tráfico de drogas, equiparado a crime hediondo desde 1990, a proibição da liberdade provisória foi reiterada na nova lei de drogas (Lei nº 11.343/2006), mais precisamente em seu artigo 44. Desde 8 de outubro de 2006 (data em que entrou em vigor esta última lei) essa proibição, portanto, achava-se presente tanto na lei geral (lei dos crimes hediondos) como na lei especial (lei de drogas).

Conclui assim o autor:

Esse cenário, contudo, foi completamente alterado com o advento da Lei nº 11.464/2007 (vigente desde 29/03/07), que, alterando a redação do artigo 2°, II, da Lei nº 8.072/90, aboliu a vedação da liberdade provisória.

Posto isso, assegura Luiz Flávio Gomes que “desapareceu do citado artigo 44 a proibição da liberdade provisória, porque a lei nova revogou explicitamente a antiga”.

Assevera ainda este mesmo doutrinador que sendo assim neste caso “o princípio regente é o da posterioridade (lei posterior revoga a anterior), não o da especialidade, que pressupõe a vigência concomitante de duas ou mais leis, aparentemente aplicáveis ao caso concreto”.

Assim, conclui que uma coisa é o instituto da sucessão de leis (conflito de leis no tempo) e outra o conflito aparente de leis: Veja-se.

A diferença entre o conflito aparente de leis penais (ou de normas penais) e a sucessão de leis penais (conflito de leis penais no tempo) é a seguinte: o primeiro pressupõe (e exige) duas ou mais leis em vigor (sendo certo que por força do princípio ne bis in idem uma só norma será aplicável); no segundo (conflito de leis penais no tempo) há uma verdadeira sucessão de leis, ou seja, a posterior revoga (ou derroga) a anterior. Uma outra distinção: o conflito aparente de leis penais é regido pelos princípios da especialidade, subsidiariedade e consunção. O que reina na sucessão de leis penais é o da posterioridade.

Outra vez, Luiz Flávio Gomes faz analogia entre o antigo tratamento dado à Lei de Tortura e a nova redação da lei crimes hediondos, alertando sobre a celeuma que gira em torno da aplicabilidade da Lei nº 8.072/1990 ou Lei nº 11343/2006 no delito de tráfico de drogas, ensinando que não se trata de conflito aparente de normas, mas deve ser aplicado, neste caso, o princípio da posteridade da lei. Veja-se:

A questão se torna complexa apenas quando a lei posterior é especial. Isso se deu com a Lei 9.455/1997 (lei da tortura), que passou a permitir progressão de regime. A jurisprudência da época (que hoje perdeu sentido em razão do advento da Lei 11.464/2007) acabou se firmando no sentido de que "não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura" (Súmula 698 do STF, que perdeu sentido a partir do momento em que o próprio STF julgou inconstitucional a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos – HC 82.959). Nessa súmula assentou-se a inaplicabilidade do princípio da posterioridade quando a lei posterior é especial. Ou seja: lei posterior especial (Lei 9.455/1997) não revoga a lei anterior geral (Lei 8.072/1990), isto é, só vale para os casos específicos nela definidos.

Assevera ainda que:

O inverso é diferente: lei posterior geral revoga lei anterior especial. É por isso que a nova lei geral dos crimes hediondos (Lei 11.464/2007) vale para o caso de tortura (regida por lei especial), inclusive no que diz respeito à exigência de 2/5 ou 3/5 (primário ou reincidente) para a progressão de regime, ressalvados os fatos precedentes (ocorridos até 28.03.07), que continuam admitindo progressão depois de 1/6 da pena (art. 112 da LEP).

Por isso, conclui o autor, com o advento da Lei 11.464/2007, que é a nova lei geral dos crimes hediondos e equiparados, em conflito com a Lei 11.343/2006, lei especial de drogas, deu-se a mesma coisa. Tendo em vista que a lei nova posterior que é geral, revoga ou derroga a anterior especial.

Finaliza Luiz Flávio Gomes, afirmando que posto que “ocorreu a derrogação do art. 44 da Lei 11.343/2006 na parte em que proibia a liberdade provisória, desde 29.03.07, este já não pode ser utilizado”. Visto que o princípio correto a ser utilizado no caso em comento é o da posteridade, em que a lei posterior afasta a anterior, e não o da especialidade, que pressupõe a existência de duas ou mais leis vigentes.

Eduardo Franco Vilar

Edu vilar
Enviado por Edu vilar em 09/06/2011
Reeditado em 09/06/2011
Código do texto: T3024542
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