Diretiro Penal - Processual Penal Brasileiro - A Vedação Da Liberdade Provisória nas Principais Leis Penais Brasileiras.

LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Por muito tempo a doutrina discutiu sobre a constitucionalidade do dispositivo que tratava sobre a concessão de liberdade provisória nos crimes chamados hediondos alegando que o dispositivo não coadunava com os princípios fundamentais e afrontava a ideia geral de liberdade como regra.

A Lei nº 8.072/1990 trazia em seu art. 2º a seguinte redação:

[...] Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II- fiança e Liberdade Provisória

[...]

Com o advento da Lei nº 11.464/2007, a expressão que discorria sobre a vedação de concessão da Liberdade Provisória foi suprimida. Agora, de acordo com o § 3º da nova lei, em caso da sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu pode apelar em liberdade. Neste caso, o magistrado verificará se estão presentes os pressupostos para a prisão cautelar, caso não ocorram, poderá conceder a liberdade provisória.

Insta salientar que o Supremo Tribunal Federal já havia decidido pela inconstitucionalidade da vedação de concessão de liberdade provisória na Lei de Crimes Hediondos antes da edição da Lei nº 11.462/2007, no Habeas Corpus nº 82.959/SP, onde se declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990. Sendo assim, a nova redação da lei apenas adequou-se ao entendimento da Máxima Corte Brasileira.

LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DE ARMAS

A partir da edição da lei nº 10.826/2003, Estatuto do Desarmamento, que disciplinou o registro, posse e a comercialização de armas no Brasil, despertou-se a discussão que gira em torno do dispositivo do art. 21, o qual acentuava que os crimes previstos nos arts. 16,17,e 18, da mesma lei de armas, são insuscetíveis de liberdade provisória. Entretanto, a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 3112, colocou fim à celeuma.

Eis o voto do Ministro Relator Ricardo Lewandowski no julgamento da presente ADI:

[...] Senhora Presidente. A partir das considerações iniciais que expendi, e com fundamento nas razões de direito que formulei, julgo procedentes, em parte, as presentes ações diretas, apenas para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos arts. 14 e 15, os quais vedaram o estabelecimento de fiança para os delitos de ‘porte ilegal de arma de fogo de uso permitido’ e de ‘disparo de arma de fogo’, e do art. 21, que proibiu a liberdade provisória no caso dos crimes de ‘posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito’, ‘comércio ilegal de arma de fogo’ e ‘tráfico internacional de arma de fogo’, todos da Lei 10.826/2003.

Assim, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do art. 21 do Estatuto do Desarmamento que vedava a concessão de liberdade provisória mediante pagamento de fiança.

LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DE CRIME ORGANIZADO

Convenção de Palermo incorporada ao ordenamento pátrio por força do Decreto nº 5.015/2004 foi responsável pela elaboração e execução de medidas que programassem o combate à criminalidade transnacional, e que adotassem técnicas especiais de investigação na prevenção, controle e combate ao crime organizado, das quais, hoje, dispõe a lei brasileira do Crime Organizado.

Assim como ocorre ao Estatuto do Desarmamento e à Lei de Crimes Hediondos, a doutrina e a jurisprudência tecem discussões no que se refere ao dispositivo de lei que discorre sobre a vedação da concessão de liberdade provisória nos crimes cometidos por organizações criminosas.

Segundo a Lei n. 9.034/1995, “não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”.

Entretanto, a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem firmado entendimento tendencioso a tornar inconstitucional o dispositivo que veda a concessão de liberdade provisória na Lei do Crime Organizado.

Nesse sentido veja-se o voto no Habeas Corpus nº 94404 MC/SP, que resultou no informativo nº. 516 do STF, onde o Ministro Relator Celso de Melo cita o entendimento da doutrina sobre a vedação da concessão de liberdade provisória para fundamentar a inconstitucionalidade do art. 7º da lei de Organizações Criminosas:

[...]

O eminente penalista LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini ("Crime Organizado", p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT), expõe, de modo irrefutável, a evidente inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 9.034/95, advertindo, com absoluta correção, que a vedação legal em abstrato da concessão da liberdade provisória transgride "o princípio da presunção de inocência", afronta "a dignidade humana" e viola "o princípio da proibição do excesso".

Acentua ainda o Ministro:

Essa mesma orientação é perfilhada por GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS ("Comentários à Lei contra o Crime Organizado", p. 87/91, 1995, Del Rey), que também vislumbram, no art. 7º da Lei do Crime Organizado, o vício nulificador da inconstitucionalidade, resultante da ofensa ao postulado da presunção de inocência e do desrespeito ao princípio da proporcionalidade, analisado este na dimensão que impõe, ao Estado, a proibição do excesso.

E finaliza nos seguintes termos:

Diversa não é, na matéria, e com referência específica ao art. 7º da Lei do Crime Organizado, a lição de ROBERTO DELMANTO JUNIOR ("As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração", p. 142/150, item n. 2, "c", 2ª ed., 2001, Renovar), que adverte, com inteira razão, apoiando-se em magistério de outro eminente autor (ALBERTO SILVA FRANCO, "Crimes Hediondos", p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT), que se mostra inconstitucional a proibição abstrata, em lei, da concessão da liberdade provisória, pois tal vedação, além de lesar os postulados do "due process of law" e da presunção de inocência, também se qualifica como ato estatal que transgride o princípio da proporcionalidade, no ponto em que este impõe, ao Estado, a proibição do excesso.

[...].

É importante pontuar que a celeuma que gira em torno da vedação de concessão de liberdade provisória no ordenamento jurídico brasileiro esbarra-se nos princípios constitucionais de direito.

Neste sentido, complementa Camila Andrade alegando que:

[...] Aponta-se que a vedação da liberdade provisória independe da amplitude da infração penal, não se podendo menosprezar os preceitos constitucionais, entre eles, o princípio da não-culpabilidade, a ampla defesa e o contraditório, o due process of Law, alicerces da garantia do resguardo da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito.

Assegura ainda a autora:

É evidente a desproporcionalidade da negação da permissão da liberdade provisória no art. 7º da lei do crime organizado . Transgride a coeficiência da aferição da razoabilidade dos atos do Estado, havendo retrocesso à ideologia da Constituição Federal, que é propiciar um Estado apoiado na implementação e permanência dos direitos fundamentais.

E finaliza asseverando que:

Por estas razões, a jurisprudência do STF e as leis infraconstitucionais estão dando passos no caminho oposto da vedação da liberdade provisória, aceitando-se, de forma explícita, a sua concessão já nos crimes mais gravosos, os crimes hediondos, conforme a inovação trazida pela lei 11.464/2007.

Assim, o dispositivo da Lei que trata da liberdade provisória no crime organizado vem sofrendo influência por parte da doutrina e da jurisprudência, no sentido de ser proclamada a inconstitucionalidade do art. 7º da Lei de Combate às Organizações Criminosas conforme ocorreu ao art. 21 da Lei de Armas onde a vedação de concessão à liberdade provisória foi declarada inconstitucional por força da ADI nº 3112/DF.

LIBERDADE PROVISÓRIA NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO

O termo “lavagem de dinheiro” é decorrente da cultura jurídica nacional e não encontra respaldo expresso na lei. Adotam-se, também, nomenclaturas como “Lei de Capitais”, “Lei de Bens e Valores” dentre outros.

A Convenção de Viena de 1988, ratificada pelo Brasil pelo Decreto Lei nº 157, de 26 de junho de 1991, foi o marco do combate à lavagem de dinheiro. Exigiu que os estados pactuantes incriminassem a lavagem de dinheiro procedente dos crimes de tráfico de drogas e estipulando detalhamento pontual dos tipos penais a serem aplicados.

Estabeleceu também cooperações internacionais para fins de extradição, investigação judicial e inversão de provas relativas à origem ilícita de bens. Assim, foram influenciados, nos países signatários, os meios de investigação e regras de confisco e assistência judicial.

Discorrendo sobre o art. 3º da Lei 9.613/1998, Rodrigo de Moura Jacob, questiona a vedação da liberdade provisória nos crimes de lavagem de capitais nos seguintes termos:

Assim, sobrepondo as disposições do art. 3º da Lei 9.613/98 podemos concluir que: é inconstitucional a proibição de fiança nos crimes definidos nesta lei; é permitido a liberdade provisória com fiança e é questionável a vedação da liberdade provisória sem fiança. Depois de toda a análise do art. 3º deixamos para o final o § 5º do art. 1º da Lei 9.613/98, que conforme se demonstrará distorce da intenção rigorosa da referida lei.

Por outro lado, Marcia Monassi e Edilson Mougenot Bonfim asseveram que, em que pese boa parte da doutrina questionar a constitucionalidade duvidosa do dispositivo, para eles, a impossibilidade de concessão de liberdade provisória tem fundamento no princípio da “interpretação conforme a constituição” e que o dispositivo aventado no art. 3º da Lei de Lavagem de Dinheiro busca atingir a finalidade da norma constitucional editada.

Esmeram-se ainda nos entendimentos jurisprudenciais. Quais sejam: Verbete de Súmula nº 09 do Superior Tribunal de Justiça e na decisão proferida no HC nº 80.866-RJ julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Eduardo Franco Vilar

Edu vilar
Enviado por Edu vilar em 09/06/2011
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