Saúde, direito de todos e dever do Estado

O SUS (Sistema Único de Saúde) tem como grande inovação um novo conceito de Saúde e a consideração de vários elementos condicionantes da saúde, que apontam para a necessidade de reorganização da Atenção Básica à Saúde e a focalização de ações sobre a Medicina Preventiva e a Promoção da Saúde, representando uma real evolução sobre o modelo assistencialista de Saúde.

Tinha-se no início dos anos 80, um sistema de assistência à Saúde, desorganizado, caro, corrupto. Apesar de apontada como a “década perdida’, os anos 80, no Brasil, representam uma ruptura como o modelo centralizador prevalecente anteriormente. Em termos políticos, a derrota do governo nas eleições de 1982 e o processo recessivo” quebraram a coesão interna do regime, determinando um redesenho de seus pactos “(CUNHA E CUNHA, 2001, p.295)”.

Tem início o movimento no sentido da redemocratização do país, que culmina com a Assembléia Nacional Constituinte, que, em 1988, promulga uma nova carta constitucional estabelecendo as bases para a reforma do Sistema de Saúde e a criação do SUS (Sistema Único de Saúde), “reconhecendo a saúde como um direito a ser assegurado pelo Estado e pautado pelos princípios de universalidade, equidade, integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e com participação da população” (CUNHA E CUNHA, 2001, p. 298), e levando em conta, também, a Carta de Ottawa, produzida pela I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em 1986, no Canadá, cuja concepção ampliada de processo saúde-doença foi incorporada no Art. 196 da Constituição Federal, que reza: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...” (MENDES, 1998, p. 237).

A colocação em prática do texto constitucional exigiu uma verdadeira remodelação dos conceitos que estão na base do sistema de saúde, sob a coordenação das autoridades governamentais em todos os níveis, federal, estaduais e municipais, como sintetizado por Mendes: o modelo da concepção do binômio saúde-doença passou de negativo (saúde é a ausência de doença) para positivo (saúde como qualidade de vida); o paradigma sanitário utilizado passou do flexneriano (que enfatiza os aspectos biológicos e a prática médica curativa) para o modelo da produção social da saúde (onde todos os aspectos econômicos, sociais, ecológicos, entre outros, além do biologismo, são considerados na intervenção necessária, seja a curar seja a promover a saúde).

A Prática Sanitária passou da pura e simples Atenção Médica curativa, para a Vigilância Sanitária (que representa uma ação permanente e organizada de rastreamento dos fatores causais dos agravos estatisticamente relevantes e permite a atuação preventiva), a Ordem Governativa da Cidade, no que tange aos problemas de Saúde, passou a considerar a mudança da Gestão Médica (centralizadora e autoritária), para a Gestão Social (em que se torna desejável, ou até mesmo imprescindível, a participação de todos os atores sociais envolvidos no processo da produção social da saúde, seja através de instituições organizadas, seja a nível individual).

Em termos objetivos, a proposta de reformulação do sistema de saúde foi baseada na re-organização da chamada Atenção Primária, contando-se que, a partir daí, se reordenem, também, os níveis secundário e terciário de atenção (MENDES, 1998, p.271). A este movimento correspondeu a criação dos programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF), implementados de forma heterogênea pelas regiões geográficas do país, na década de 90 do século passado.

Os modelos destes programas têm como parâmetros:

- adscrição da clientela por região, abrangendo de seiscentas a mil famílias por módulo composto de um (a) médico (a) e um (a) enfermeiro (a);

- reorganização das práticas de trabalho;

- abordagem multi-profissional e ação intersetorial;

- complementaridade com o setor privado, como porta de entrada única ao sistema;

- treinamento continuado das equipes; e controle social

Em 2001, foi ampliada a proposta da Atenção Básica, definindo-se, de forma inequívoca, as responsabilidades e ações estratégicas mínimas que todos municípios brasileiros devem desenvolver, objetivando evitar que o sistema seja desorganizado pela transposição dos limites dos territórios municipais que, ao não assumirem as suas responsabilidades gestoras e de prestação de serviços, exportam de forma não planejada os seus problemas de saúde, prejudicando efetivamente a utilização dos serviços nos seus diversos níveis.

Assim, devem os municípios responsabilizar-se pela Atenção Primária relativa ao Controle da Tuberculose, Eliminação da Hanseníase, Controle da Hipertensão, Controle da Diabetes Melemos, Ações de Saúde Bucal, Ações de Saúde da Criança e Ações de Saúde da Mulher.

Enfatiza, também, o mesmo documento, a orientação do Ministério da Saúde para a implantação do Programa de Saúde da Família como estratégia para reorganização da Atenção Básica, independentemente do porte do município, cujas equipes deverão estar capacitadas para atender às demandas das áreas estratégicas, tendo a garantia de referência e contra referência dos casos que ultrapassem o seu nível de ação, assumindo o acompanhamento de todos os casos em sua área de abrangência.

No que se refere à Saúde da Mulher, as ações estratégicas que se podem realizar no âmbito dos PSF’s estão delimitadas pela Assistência Pré-natal, Prevenção de Câncer de Colo de Útero e Planejamento Familiar.

Em relação à Assistência Pré-natal, o objetivo é o de assegurar a captação precoce (desde o primeiro trimestre de gravidez) das gestantes na comunidade, o controle periódico, o treinamento de recursos humanos, locais e equipamentos mínimos, medicamentos básicos, apoio laboratorial básico, documentação e avaliação das ações, sistema de referência e contra referência, acompanhadas de avaliação, estando o programa destinado a reduzir agravos à população gestante e minimização da mortalidade materna e perinatal no país.

Preconiza-se que, uma vez caracterizada a gravidez, a gestante deverá seguir um calendário mínimo de atendimento pré-natal, sendo que o intervalo entre duas consultas não deve ultrapassar oito semanas. Para aquelas sem fatores de risco, recomenda-se que o médico faça, no mínimo, duas consultas, no início do pré-natal e entre a 29a. e 32a. semana de gestação, podendo as demais ser efetuadas pelo enfermeiro.

A avaliação clínica das gestantes precisa considerar uma série de fatores de risco, tanto os sócio-econômicos (escolaridade, nível de renda, condições de habitação, dificuldades de transporte, entre outros), os devidos aos antecedentes familiares ( Hipertensão Arterial, Diabetes Melitus, doenças congênitas, gemelaridade, câncer de mama, hanseníase, tuberculose) e fatores pessoais (idade, cardiopatias, doenças renais crônicas, anemia, transfusões de sangue, viroses, cirurgias efetuadas, alergias, vida sexual); antecedentes ginecológicos e obstétricos; e o status da gestação atual.

A avaliação do desenvolvimento da gestação através de controle de peso, o controle da Pressão Arterial, a verificação da presença de edemas, a medida periódica da altura uterina e do crescimento uterino, bem como os exames complementares servirão de parâmetros para monitorar a gestação e a necessidade de encaminhamento para o serviço de referência em caso de alteração de parâmetros, ou de presença de fatores que possam caracterizar a existência de alto risco.

Quanto ao Planejamento Familiar, o assunto é controverso, e entra em choque com as práticas culturais prevalecentes nas diversas regiões, inclusive religiosas, estando disponíveis nos PSF’s, a distribuição de preservativos e o fornecimento de Anticoncepcionais orais.

E, finalizando, porém não esgotando o assunto, as ações referentes a Assistência ‘a Infância, tendo com principais objetivos, a Puericultura, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, que em algumas regiões tem grande relevância, pela grande incidência de crianças com baixo peso, e a vacinação rotineira, independente de campanhas.

Fonte:

1. CUNHA, P da.J.P.; CUNHA,E. da. Sistema Único de Saúde: Princípios. In:____. Gestão Municipal de Saúde: Textos Básicos, Rio de Janeiro, 2001. tema 12, p.285-304.

2. MENDES, E. V., Uma Agenda para a Saúde. Rio de Janeiro, HUCITEC/ABRASCO, 1996.