Diretio Civil - A função social da propriedade privada

A função social da propriedade privada

"A evolução do conceito da propriedade - que da plena in re potestas de Justiniano, da propriedade como expressão do direito natural, vai desembocar, modernamente, na idéia de propriedade-função social - apresenta momentos e matizes realmente encantadores, bastantes para desviar o estudioso da senda que tencione explorar. Tal evolução consubstancia, como afirmou André Piettre [...], a revanche da Grécia sobre Roma, da filosofia sobre o direito: a concepção romana, que justifica a propriedade pela origem (família, dote, estabilidade dos patrimônios), sucumbe diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica pelo seu fim, seus serviços, sua função." Eros Robert Grau

1. ASPECTOS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA.

Ao longo de sua evolução histórica, o direito de propriedade tem passado por longas modificações, sendo influenciado pelo direito romano, medieval e direito moderno, que teve grande influência da revolução francesa, chegando ao direito contemporâneo onde, agora, se pode observar um grande incentivo tendente à justiça social e função social da propriedade.

A conotação relativa ao direito de propriedade versa desde os primórdios da humanidade, levando até a alguns doutrinadores a levantarem questionamentos de qual teria sido a primeira propriedade considerada como tal pelo homem. Neste sentido, até o próprio corpo humano aparece dentre as possíveis especulações.

Tendo em vista que os direitos do homem evoluem de acordo com o tempo, local e aspectos sociais, o conceito de propriedade privada, como direito inerente ao homem, não deixa de ser modificado de acordo com evolução e organização social apresentada a cada época.

Observando-se a importância da propriedade privada, levantada pelo homem, constata-se que esta se tornou base para muitas mudanças ocorridas no contexto evolucional da sociedade, como no caso da própria revolução francesa.

Diversas teorias foram levantadas ao longo do tempo, com o intuito de conceituar propriedade privada; dentre elas, estão as que afirmam ser a propriedade um direito natural inerente ao estado de natureza do indivíduo e independente do surgimento do Estado (Locke); por outro lado, existe aquela que sustenta o direito de propriedade como sendo inerente à criação de um Estado civil constituído (Hobbes e Rousseau).

No direito romano, a propriedade possuía características absolutistas, sendo oponível a todos. Entretanto, era submetida ao interesse social, era um direito exclusivo e duradouro, embora houvesse algumas hipóteses de perda da propriedade em casos penais ou abandono. Já no período feudal, com a decadência do império romano, ocorreram diversas mudanças no tocante aos direitos de propriedade, destacando-se a não-exclusividade da propriedade, caso em que se observava a existência de um senhor e de um arrendatário de terras.

Essa nova estrutura modificou toda a concepção social e política da época, podendo o senhor feudal ostentar diversos poderes em sobreposição aos direitos dos “servos”.

Com a desestruturação do feudalismo e advindo da Revolução Francesa, o conceito de propriedade novamente voltou a ter a conotação de centralização em um titular.

A ideologia advinda da revolução francesa marcou o direito de propriedade no que diz respeito à concepção individualista da propriedade e da intervenção mínima do Estado na organização social. Na concepção de BOBBIO, ”concepção individualista significa que: primeiro vem o individuo e depois vem o Estado, já que o Estado e formado pelo individuo e este não é feito pelo Estado”.

Segundo a ideologia liberal trazida pela revolução, estava a extinção do regime feudal e dos encargos sobre as terras, reforçando a concepção individualista da propriedade. Nesse momento histórico, a propriedade passou a ter papel centralizado no contexto social e político da época moderna, reforçando o caráter individualista e liberal proposto pela Revolução Francesa.

Com o surgimento da época contemporânea, a questão da não-intervenção do Estado em relação à propriedade, sofre algumas revisões, tendo em vista o surgimento da revolução industrial e dos movimentos sindicais, que passaram a requerer mais proteção aos direitos sociais e pleiteavam limitações às liberdades criadas pelo movimento buquês, inclusive em relação à propriedade privada.

Neste novo foco, com a criação dos direitos chamados de difusos e coletivos, a concepção de propriedade passa a ter uma nova conotação, no sentido de apresentar um cunho mais social em detrimento ao individual.

2. A PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O conceito de propriedade no ordenamento jurídico brasileiro tem precedentes que remontam às primeiras constituições e, vale lembrar que as cartas de 1824 e 1891, ainda, traziam um conceito individualista de propriedade, tendo em vista a atual configuração histórica, social e política vividas à época.

Com a publicação da constituição de 1934 foi apresentada à sociedade a nova concepção de propriedade em que não podendo a mesma ser exercida em desacordo com o interesse difuso e coletivo.

A Constituição de 1946 traz a definição de função social, em seu art.147, o qual declara in verbis:

“O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância ao disposto no art.141 §16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

A partir do surgimento da Constituição de 1967, o termo referente à função social da propriedade privada passa a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro como um dos princípios da ordem econômica:

“ Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

I - liberdade de iniciativa;

II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

III - função social da propriedade;” (grifo nosso).

A Constituição de 1988 contemplou a função social da propriedade e contemplou, também, como princípio geral da atividade econômica, em seu em seu art. 170, III; também inseriu –o nos dispositivos relativos aos direitos individuais e coletivos em seu art.5º, XXII, XXIII que declara:

“XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”

Declara, ainda, a respeito da função social da propriedade urbana (art.182 §2) e da propriedade rural (art.186).

Observe-se que o art. 5º ao mesmo tempo em que garante o direito à propriedade, também, atribui a este sua função social, a qual é trabalhada sobre dois focos: direito fundamental e de ordem econômica.

Vale lembrar que a proteção constitucional ao direito de propriedade só é válida à propriedade que não ofenda a função social e os interesses da sociedade.

O instituto da propriedade encontra-se também previsto no código civil brasileiro. O Código Civil de 1916 trazia uma concepção individualista da propriedade típica dos ideais da revolução burguesa. Entretanto, com o advindo do novo Código Civil de 2003, o legislador procurou adequar ao direito de propriedade com o advento dos preceitos preconizados pela Constituição de 1988.

3.A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA.

Observando -se a evolução da sociedade e dos preceitos legais que a acompanham, as normas que regem o direito de propriedade acabaram recebendo uma característica de relevância social, o que dispõe ao proprietário o dever de utilizar sua propriedade com o objetivo de atender aos interesses sociais.

A condição de proprietário acarreta deveres em relação ao bem, como também a terceiros e à satisfação dos interesses da sociedade.

Finalizando, a função social da propriedade visa conciliar o individual ao social, não restringindo o direito do proprietário em razão da coisa, mas, apenas, aplicando a função da mesma em razão da sociedade, como uma espécie de meio termo entre capitalismo e o socialismo.

Eduardo Franco Vilar

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRAU, Eros Roberto. Função Social da Propriedade (Direito Econômico). In: FRANCA, R. Limongi (coord.) Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.

REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

BOBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad.Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro,Campus,1992.

Edu vilar
Enviado por Edu vilar em 31/05/2011
Reeditado em 08/06/2011
Código do texto: T3005634