[QUANDO O ESPAÇO VIRA LUGAR]

[Este artigo faz parte de um trabalho maior, no qual foi submetido a uma banca de avaliação e publicado em 2009, como parte, introdutória, da Dissertação de Mestrado - Praças de Aquidauana: lugares que refletem os cotidianos sociais da cidade. A violação de direitos autorais é crime. Lei Federal 9.610, de 19.02.98.]

[Dissertação apresentada ao Departamento de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul]

OBS.: Os trechos, separados por espaços do corpo do texto, se referem à citações na íntegra e para melhorar as condições de leitura coloquei um espaço no início de cada parágrafo. Isso devido a impossibilidade da ferramenta de formatação indisponível no meu plano.

[QUANDO O ESPAÇO VIRA LUGAR]

“... nenhuma atividade pode tornar-se excelente se o mundo não proporciona espaço para o seu exercício. Nem a educação nem a engenhosidade nem o talento pode substituir os elementos constitutivos da esfera pública, que fazem dela o local adequado para a excelência humana.” Hannah Arendt.

A organização social no espaço não ocorreu uniformemente, nem tão pouco, obra do acaso. Oriunda de uma seleção histórica e geográfica, a organização humana no espaço, se deu pela necessidade. “Esta necessidade decorre de determinações sociais fruto das necessidades e das possibilidades da sociedade em um dado momento.” (SANTOS, 1982a, p. 42).

Corrêa (1998) reafirmou essa questão, ao analisar o processo de produção espacial desencadeado pelo homem desde os primórdios da evolução humana, caracterizando essa intervenção do homem na natureza, como forma de suprir as necessidades como fome, sede e frio. Ele sustenta essa teoria, dizendo que, ao realizar um trabalho organizado coletivamente, o homem estabeleceu certo tipo de divisão de trabalho que, resultou nas formas de produção. Essa mobilização em prol da sobrevivência incidiu no surgimento das relações sociais que têm seu cerne na produção. “É no trabalho social que os homens estabelecem relações entre si e, a partir destas, com a natureza.” (CORRÊA, 1998, p. 54).

O longo processo de organização da sociedade deu-se concomitantemente à transformação da natureza primitiva em campos, cidades, estradas de ferro, minas, voçorocas, parques nacionais, shopping centers etc. Estas obras do homem são as suas marcas apresentando um determinado padrão de localização que é próprio a cada sociedade. Organizadas espacialmente, constituem o espaço do homem, a organização espacial da sociedade ou, simplesmente, o espaço geográfico. (CORRÊA, 1998, 52).

O espaço geográfico pode ser entendido de muitas maneiras. Vários autores discutem o assunto, entendendo-o como parte do processo de sobrevivência do homem. A produção humana é responsável pela estruturação espacial que se altera continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade. (SANTOS, 1982a).

A análise do espaço - seja para verificar o movimento social num dado momento histórico, ou a reprodução espacial de uma determinada sociedade, ou a evolução da totalidade social espacializada - deve conter a interpretação da relação dialética entre forma, função, estrutura e processo, definidas por Milton Santos.

Quando se estuda a organização espacial, estes conceitos são necessários para explicar como o espaço social está estruturado, como os homens organizam sua sociedade no espaço e como a concepção e o uso que o homem faz do espaço sofrem mudanças. A acumulação do tempo histórico permite-nos compreender a atual organização espacial. (SANTOS, 1997, p. 53).

As categorias de análise do espaço são determinantes para a correta compreensão da totalidade social em sua espacialização. Não obstante, Santos (1997, p. 50) define forma sendo, “aspecto visível de uma coisa. Refere-se ademais, ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão. Tomada isoladamente, temos uma mera descrição de fenômeno ou de um de seus aspectos num dado instante do tempo”. Assim, essas formas podem ser, por exemplo, uma praça, um bairro, ou uma cidade. A função implica uma “tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituição ou coisa”. Nesse caso, o lazer, viver o cotidiano e a vida em suas múltiplas configurações, são algumas das funções associadas, respectivamente, à praça, ao bairro e à cidade.

No entanto, essas duas categorias, jamais podem ser dissociadas para o estudo da produção espacial, pois, caso sejam analisadas separadamente, os resultados serão parciais. Ressaltando também, que uma forma pode desenvolver uma ou mais funções.

Deve-se seguir a teoria de Santos (1997, p. 50) quanto às definições de estrutura e processo que ele afirma ser, respectivamente, “a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de organização ou construção”, e, “uma ação contínua, desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança”. Isso significa que a estrutura, são todas as condições subjacentes à forma, ou seja, “é a natureza social e econômica de uma sociedade em um dado momento do tempo”, (CORRÊA, 1998, p. 77). E, o processo, seria o movimento de transformação da estrutura.

Logo:

Forma, função estrutura e processo são quatro termos disjuntivos associados, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tomados individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em totalidade. (SANTOS, 1997, p. 52).

A partir do domínio das relações entre forma, função, estrutura e processo, para a compreensão da totalidade social em sua espacialização, é possível desenvolver um estudo que defina a produção espacial de uma sociedade em um dado momento de sua história por meio de suas formas.

Assim, a produção do espaço torna-se um meio de verificação da totalidade social, mas também, é o resultado, de forma materializada, das articulações sociais. Logo, “a organização espacial é a própria sociedade espacializada.” (CORRÊA, 1998, p. 54).

Por conseguinte, as marcas deixadas pelo homem, as “rugosidades”, como denomina Santos (1978), são reproduzidas por um longo período de tempo, caracterizando um momento histórico e, como tal, as características do grupo que o criou. Em outras palavras, o espaço geográfico é constituído por inúmeras cristalizações criadas pelo trabalho social. Isso significa dizer que a sociedade “cria seu espaço geográfico para nele se realizar e reproduzir, para ela própria se repetir”. (CORRÊA, 1998, p. 57).

Não há produção que não seja produção do espaço, não há produção do espaço que se dê sem trabalho, viver para o homem é produzir espaço. Como o homem não vive sem trabalho, o processo de vida é um processo de criação do espaço geográfico. (SANTOS apud ARAÚJO, 2003, p. 18).

A partir do capitalismo, a produção do espaço passou a ser valorizada. Isso por que o trabalho humano, que promove a produção do espaço, passou a acontecer por meio da ação do Estado e dos detentores do capital, como os novos agentes determinadores da produção do espaço.

A difusão do capital pelo mundo aprofundou a integração econômica, social, cultural e política entre os povos. Isso ocorreu por uma necessidade de se produzir um espaço comum, ou seja, um espaço global que desse acesso a um maior número de mercados para as empresas dos países centrais, cujos mercados internos já estavam saturados. O processo de globalização viabilizou a circulação mais dinâmica e intensa do dinheiro. Contudo, é importante ressaltar que, a ação do capitalismo é desigual entre as nações e, sua dinâmica de investimentos favorece os lugares que apresentam atrativos para o capital, contribuindo com seu acumulo. Faz-se uma ressalva de que os lugares têm valores diferentes com o passar do tempo. O fenômeno da globalização, conseqüentemente, determinou uma nova relação sócio-espacial. As mudanças invadem a vida do indivíduo, que é condicionada a novos padrões de comportamento que vão de um simples modo de se vestir, à forma do uso do espaço.

Nesse contexto, a mundialização do capital interferiu na relação da sociedade com o espaço e, também, no sentido das mercadorias e dos objetos, que passam a existir articulada ao universo das necessidades imediatas. E o espaço, passa a ter um valor mercadológico cada vez maior, cada vez mais consumido. Essa nova relação com o espaço traz conseqüências profundas para a sociedade que, passa a ter o seu espaço, antes carregado de simbologias, agora como mercadoria.

Santos (1982a) relata que o espaço tem apresentado características paradoxal de atrair e repelir os homens, por ser um espaço manipulado para aprofundar as diferenças de classes.

Segundo Lefebvre (1974, p. 121), “a forma do espaço social é o encontro, a reunião, a simultaneidade”, enquanto “o espaço-natureza justapõe, dispersa”. Se o espaço nada mais fosse que a forma física, isto seria totalmente verdadeiro; mas o espaço social distingue-se das formas vazias pelo próprio fato de sua cumplicidade com a estrutura social. Eis porque, com o desenvolvimento das forças produtivas e a extensão da divisão do trabalho, o espaço é manipulado para aprofundar as diferenças de classes. Esta mesma evolução acarreta um movimento aparentemente paradoxal: o espaço que une e separa os homens. (SANTOS, 1982a, p. 21).

Quando Santos (1982a, p. 21) afirmou que: “a própria cidade converteu-se num meio e num instrumento de trabalho”, ele deixou claro que a proximidade física entre os homens é dada pelo processo produtivo, concentrado em maior parte nas cidades, o que não elimina o distanciamento social que cresce juntamente com as cidades.

Todavia, se presencia um momento em que os modos de consumo do espaço estão determinados pela contradição da apropriação privada e do processo de produção social do espaço, levando-os a serem cada vez mais, destinados à troca. Essa comercialização dos espaços tem intensificado o surgimento dos espaços de dominação e controle, o que aprofunda a separação entre o espaço público e privado, excluindo, ainda mais, a parcela social mais carente ao uso dos espaços.

O espaço que, para o processo produtivo, une os homens, é o espaço que, por esse mesmo processo produtivo, os separa. Segundo Sartre (Ibid., pp. 427-428), “o objeto reúne os esforços dos homens em sua unidade desumana”. Ora, o espaço é a matéria trabalhada por excelência: a mais representativa das objetificações da sociedade, pois acumula, no decurso do tempo, as marcas das práxis acumuladas. (SANTOS, 1982a, p. 22).

Tal fato cria uma situação inexorável à população que é impelida a viver sob as transformações de um cenário instável. Com isso, como expressa Carlos (2005, p. 176), “se revela uma contradição nova entre o espaço que se globaliza e ao mesmo tempo se fragmenta em função da reprodução do espaço enquanto mercadoria”, ou seja, a hierarquização provocada pela globalização não impede a fragmentação dos espaços sob a forma de apropriação para o trabalho, lazer, habitação e consumo. Logo, a construção do espaço geográfico acontece nessa movimentação dialética que muda, reforma ou transforma os espaços de acordo com a lógica do capital.

É conveniente insistir que o espaço geográfico articula duas dimensões, aquela da localização (um ponto no mapa) e aquela que dá conteúdo a essa localização, que a qualifica e singulariza. Esse conteúdo é determinado pelas relações sociais que aí se estabelecem – o que confere ao espaço a característica de produto social e histórico. (CARLOS, 2005, p. 175).

Para Santos, a produção espacial está intimamente relacionada às ações sociais, uma vez que as formas são resultados de fatores sociais que designam uma função para suprir as necessidades sociais, que permanece aguardando o próximo movimento dinâmico da sociedade, quando poderá desempenhar uma nova função.

Com o capitalismo, a produção urbana foi impulsionada o que caracterizou e diferenciou melhor cada espaço urbano. Logo, as cidades passaram a ter o espaço da produção, circulação, consumo, controle, decisão e do lazer, “[...] em princípio cada atividade tem suas próprias regras locacionais, a sua organização espacial específica.” (CORRÊA, 1998, p. 60).

As praças fazem parte do cenário urbano, desde os primórdios da civilização. Como pode-se perceber “a rua testemunhou, desde o surgimento da antiga cidade-estado, a distinção entre as esferas da vida privada e da vida pública, pois era nas praças públicas – Ágoras – que se travavam os grandes debates pelos cidadãos, na Grécia clássica.” (OLIVEIRA NETO, 1999, p. 88).

Importantes na constituição da estrutura urbana são nesses espaços que a sociedade se manifesta. E, portanto, são a partir dessas manifestações que o espaço se evidencia. De acordo com Santos (1994) o espaço tem que ser entendido como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações que, não funcionam separadamente.

As regras de utilização do espaço estão permanentemente em construção. Mas, ao fazê-lo, a sociedade estará também construindo um conjunto de relações sociais úteis a seus intérpretes. [...] Em resumo, diríamos que um espaço é sempre o espaço de alguma coisa, assim como as coisas só podem ter lugar em algum espaço. O problema de adequação de forma e conteúdo se revela uma falsa questão. Daí resulta uma dificuldade prática: a etnografia de um espaço social não pode ser senão a etnografia do que se passa nele. (DOS SANTOS E VOGEL, 1985: 49).

O espaço urbano desenvolvido pela sociedade capitalista reporta-se a mais complexa das produções espaciais. Isso ocorre, como explica Corrêa (1998, p. 71), por que a sociedade capitalista avançada “está organizada para si mesma, dotada de um poderoso mercado que implica sólidas relações internas e externas”. Porém, é importante salientar que, muitas das formas vistas hoje nos espaços, são reflexos de sociedades que estavam vinculadas a outros propósitos. Isso por que, essas marcas, fixadas no espaço, puderam ser adaptadas às necessidades atuais por não sofrerem transformações ao longo do tempo. (CORRÊA, 1998).

Dessa forma, a sociedade produz e reproduz o espaço, que se converte no lugar da reprodução das relações de produção que, estruturados, definem a sociedade em classes.

A segregação residencial também é uma forma de produção espacial. Surgidas concomitantemente ao aparecimento das classes sociais, se apresentam de forma bastante complexa no capitalismo.

A origem da segregação residencial remonta ao próprio aparecimento das classes sociais e da cidade, as quais se verificam ao mesmo tempo, sendo anteriores à emergência do capitalismo. A cidade asteca de Tenochtitlán e a cidade Kmer de Angkor Thom, no atual território cambojano, apresentavam uma organização espacial caracterizada pela presença da elite junto ao centro cerimonial e da população pobre na periferia. (CORRÊA, 1998, p. 74).

No sistema capitalista, os bairros fazem uma alusão aos seus moradores, possibilitando a reprodução do grupo que ali vive. Nas palavras de Corrêa:

Para isto, contribui a localização diferenciada dos serviços de uso coletivo: melhores escolas, hospitais, policiamento, infra-estrutura básica, parques e jardins localizam-se nas áreas residenciais mais nobres, minimizando os custos de reprodução de seus já privilegiados habitantes. (CORRÊA, 1998, p. 75).

Em contra partida, nas periferias situam-se as populações mais pobres, reproduzindo, em partes, o que lhes sobram e, em partes, o que lhes faltam.

Portanto, o espaço urbano, a partir do capitalismo, tem uma distribuição desigual dos elementos que qualificam o espaço, por vezes, controlados pelos detentores do capital.

Não obstante, enquanto a sociedade se relegar à hierarquização promovida pelo sistema capitalista de produção, que se baseia na divisão do trabalho, a cidade refletirá o extrato social. Na cidade, algumas especializações terão privilégio sobre outras, assim como, algumas localidades sobre outras.

A cidade emite mensagens continuamente, não somente no bombardeio da publicidade, mas também na disposição das ruas, na freqüência dos serviços, na localização dos locais de trabalho e das residências, na localização das praças e dos parques fundamentais. (GUIDUCCI, 1980, p. 57).

A partir dessas construções sociais no espaço, os lugares vão se formando. Assim, são as mudanças de valores, ao longo do tempo, que o define.

A diferenciação entre lugares, diz Cassirer (1953, 1965, p. 203) “serve de base à diferenciação de conteúdos, isto é, do Eu, do Você, e do Outro de uma parte, e dos objetos físicos, de outra parte. A crítica geral do conhecimento ensina que o ato da posição e da diferenciação espacial é a condição indispensável para o ato de objetivação em geral, desde que se estabeleça uma relação entre o objeto e sua representação”. Entretanto, a geografia considera geralmente os lugares como formas com vida própria, em vez de objetos sociais carregados de uma parcela do dinamismo social total. (SANTOS, 1982a, p. 40).

Assim, o lugar é compreendido por estar além do espaço físico, da paisagem e de qualquer elemento passível de descrições objetivas e racionalizadas. O lugar pode-se definir em qualquer espaço, pois se constitui como uma paisagem cultural, campo da materialização das experiências vividas que ligam o homem ao mundo e às pessoas e que despertam os sentimentos de identidade e de pertencimento no indivíduo. Assim, é visto como resultado da construção de um elo afetivo entre o sujeito e o ambiente em que vive.

Mas também, o lugar pode ser visto, como uma fragmentação do mundo. Pois o lugar, como espaço social, demanda um cotidiano estabelecido que, por sua vez, é o conjunto das atividades e das relações sociais num dado espaço e tempo. Definido pela vida cotidiana que se impregna de informações gerais, sociais e políticas, o lugar reduz as práxis global ao meio particular. Logo, vazio de relações e situações sociais, o lugar é somente espaço físico. (DAMIANI, 2005).

O lugar é o quadro de uma referencia pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. (SANTOS, 1996, 322).

O lugar está presente no cotidiano, definido pela as mais diversas formas de domínio social. Visto como uma particularização do espaço pelo homem, o lugar e o mundo se interpenetram, pois um está contido no outro. Porém, o lugar e o mundo não constituem uma totalidade permanente, se divergindo. Pois, ao mesmo tempo em que o lugar pode ser o mundo e o cotidiano a história, lugar e cotidiano são redefinidos pela história e pela política e, relegados às especificidades.

Relacionar cotidiano e lugar é envolver as relações próximas, ordinárias, singulares à mundialidade. A vida cotidiana, mais íntima, ao mesmo tempo, situa seu lugar na sociedade global. Pela mediação do cotidiano no lugar, somos levados dos fatos particulares à sociedade global. (DAMIANI, 2005, p. 164).

Todavia, com a globalização, o lugar tem se tornado, cada vez mais, o limiar para história social, pois codifica as particularidades de uma sociedade global. Como escreveu Damiani (2005), “no lugar, a vida cotidiana pesa com todo seu peso”.

Assim, o lugar, nada mais é que a dicotomia entre o espaço vivido e uma porção fracionada do mundo.

Ainda dentro da discussão de espaço e lugar, convém que se avance, ainda que de forma geral, para atingir algumas das finalidades deste trabalho, às questões das áreas públicas de lazer.

Nas cidades capitalistas esses espaços foram redefinidos na composição urbana após as conquistas trabalhistas que, entre outras vitórias, também conseguiram a redução da jornada de trabalho, logo, a liberdade do uso do tempo livre. Com isso, as cidades tiveram que ser estruturadas urbanamente de forma mais humanizada, ou seja, “um urbanismo que diferencie a cidade da fábrica e a assemelhe à morada.” (YURGEL, 1983, p. 12).

Com essas mudanças, o espaço urbano passou a ser produzido para suprir essa nova necessidade social. “O lazer, diz Le Corbusier, é o tempo-espaço no qual o homem se nutre de novas forças, recuperando as gastas no trabalho”, (YURGEL, 1983, p. 41). Portanto, é na busca dessa recuperação das forças que o homem passa a ocupar os espaços públicos.

Verifica-se entretanto que, conquanto os urbanistas não tenham desconhecido a existência do tempo livre e a necessidade de consumo correto, as cidades modernas pouco têm, na sua geografia, em termos de espaço aberto ou construído, que seja resultado de um programa dirigido para as horas de lazer da população. Há uma confusão, entre as estruturas urbanas necessárias ao lazer e a noção de áreas verdes, ligada ao urbanismo do século XIX, preocupado com a higiene das cidades. Marx afirma que o “lazer é o espaço do desenvolvimento humano.” (YURGEL, 1983, p. 19).

Esse espaço abstrato, o lazer, do qual, Marx e Le Corbusier afirmaram ser “o espaço do desenvolvimento humano” busca a concretização nas cidades em áreas que surgem como um retrato social, por servirem como lugar do lazer, das manifestações, do ócio, do dia-a-dia, vai permeando ali paulatinamente a essência social, constituindo, assim, um espaço social carregado de símbolos e histórias.

Logo, as praças compõem esses espaços, que ao legitimar um grupo social, passa a fazer parte dele.

BIBLIOGRAFIA

ARAUJO, Ana Paula Correia. Processos Espaciais e a Organização do Espaço. Rio de Janeiro/RJ: UFRJ, 2003.

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CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. 6ª edição. São Paulo/SP: Ática, 1998.

DAMIANI, Amélia Luisa. O lugar e a produção do cotidiano e CARLOS, Ana Fani Alessandri. O consumo do espaço. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (Org.). Novos caminhos da Geografia. 5ª edição. São Paulo/SP: Contexto, 2005, p. 161-171, 173-186.

DOS SANTOS, Carlos Nelson F. e VOGEL, Arno. Quando a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. 3ª edição. São Paulo/SP: Projeto, 1985. 156 f.

GUIDUCCI, Roberto. A cidade dos cidadãos: um urbanismo para todos. Tradução de Patrícia M. E. Cenacchi. São Paulo/SP: Brasiliense, 1980.

OLIVEIRA NETO, Antônio Firmino – Nas Ruas da Cidade: um estudo geográfico sobre as ruas e calçadas de Campo Grande, MS. Campo Grande/MS: Ed. UFMS, 1999. 148f.: Il.; 18 cm. (Fontes novas. Especial 100 anos de Campo Grande).

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo/SP: Hucitec, 1996.

SANTOS, Milton. Espaço e Método. 4ª edição. São Paulo/SP: Nobel, 1997. (Coleção Espaços).

SANTOS, Milton. Pensando e espaço do homem. São Paulo/SP: Hucitec, 1982a.

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo/SP: Hucitec, 1978.

SANTOS, Milton. Técnica Espaço Tempo: Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo/SP: Hucitec, 1994.

YURGEL, Marlene. Urbanismo e lazer. São Paulo/SP: Nobel, 1983. (Originalmente apresentada como tese de doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1972).

[DOLORES DE CARVALHO]

Dolores de Carvalho
Enviado por Dolores de Carvalho em 29/05/2011
Reeditado em 29/05/2011
Código do texto: T3001827