A SANGUINÁRIA DITADURA DA APARÊNCIA

A presente obsessão por peso é uma forma de psicose que se dissemina através da moda, da televisão e demais meios de comunicação que disseminam a moda, ao mesmo tempo em que esses mesmos meios propagandeiam eficientes fórmulas para engordar e miraculosas fórmulas para emagrecer.

Quando eu era adolescente, gostava muito de vestir uma roupa nova, sentindo isso como um programa muito especial. Mas a expectativa maior e mais emocionante era poder sair com essa roupa elegante e ser visto pelas garotas, arriscando atrair alguma delas e conquistar uma namorada. Entretanto, embora muitas vezes tivesse saído com a roupa nova mais elegante, não arranjava namorada e não entendia porque mesmo muitas daquelas com quem eu fazia amizade se mantinham distantes.

A pensar hoje em uma jovem amiga virtual, que tem trauma da palavra peso e desmaiou por causa de remédios para emagrecer enquanto falávamos dia desses, descobri porque no tempo de adolescente eu não arranjava namorada com facilidade como os garotos da minha idade. No mesmo instante que eu lembrava do episódio da moça do desmaio, passava por mim uma mulher realmente acima do peso, mas vestida com roupas expoentes, muito justas, mais adequadas a alguém com menos sobras de gordura.

Segui a pensar porque seria que as pessoas se vestem de forma tão escandalosa, expondo de seus corpos justamente os defeitos que mais convém esconder, e nem se dão conta que estão horríveis. Lembrei por isso de quando eu era adolescente e recordei que eu me vestia de uma foram que eu achava que estava bonito, jamais me sentindo seguro ao estar vestido de uma forma que os outros achassem que eu estava bonito. Assim, sendo que eu mesmo me aprovara por meus próprios critérios, achava que todos também me achariam bonito. E, de fato, num conceito geral de elegante, eu ficava bonito, mas não interessante. Talvez, até já um pouco cafona para a época.

Em geral, as pessoas se preocupam em vestir-se e apresentar-se de forma que os outros as achem bonitas. A partir desse pressuposto, avaliam sua própria estética com base em padrões gerais ou populares de beleza, vestindo-se então, especialmente as mulheres, da mesma maneira e repetindo o figurino na maioria das vezes. Por isso a presente obsessão pela magreza. Os ditadores da moda e das aparências costumam apregoar com ampla autoridade própria que os conceitos de moral e ética variam de individuo para indivíduo, de sociedade para sociedade e assim por diante, mas o conceito de beleza eles manipulam de forma a não permitir que se independam de suas próprias opiniões.

Esquecemos que existem conceitos de beleza particulares e nisso as opiniões podem ser mais de acordo com o gosto pessoal. E, interessante é que a incidência de coincidências entre os conceitos de beleza particulares é muito maior que no conceito de beleza padrão. Quero dizer que muito mais pessoas preferem o mesmo conceito particular de beleza do que preferem o conceito padrão. Ou seja, o número de pessoas que gostam de um tipo particular de beleza muitas vezes é maior do que o número de pessoas que gostam do tipo padrão, estabelecido pela moda e meios de comunicação.

Um dos males do padrão de beleza é que o padrão nada mais é do que o gosto (o conceito de belo, de elegante, de simétrico) particular de umas poucas pessoas (pouquíssimas, algumas e, às vezes, até uma só), indivíduos com dinheiro e influência suficientes para impor, sugestionando suas opiniões nos meios de comunicação e assim ditar a moda. Outro dos males é que o padrão sugestiona em conjunto ou um a um os indivíduos a parecerem que são o que não são.

Em geral, somos inseguros, sem definição pessoal de quem somos, o que significamos e o que queremos; dependentes por demais da opinião dos outros sobre quem somos e o que significamos para definir o que queremos. Assim pensamos que somos obrigados e procuramos satisfazer padrões (conceitos pré-aprovados) para nos sentirmos aceitos, bem-vistos, importantes, amados, bacanas, atuais, etc.. Os padrões, porém, são exigências particulares alheias a nós, de outras pessoas, não as nossas próprias.

Precisamos ter uma definição própria do que devemos ser e isso deve estar baseado no que nos convém ser para sermos o que nos fará realmente satisfeitos; não satisfeitos porque estão satisfeitos conosco, mas porque estamos satisfeitos. A satisfação dos outros quanto a nós deve ser uma consequência de nossa satisfação com nós mesmos. O que deve importar para nós e o que realmente importará para o mundo é o que de fato nós somos; não o que parecemos que somos, pois, afinal de contas, todo benefício que o mundo usufruirá de nós será produzido pelo que somos e não pelo que parece que somos. Posso parecer mesmo um príncipe e ser um ótimo marceneiro. O mundo não lucrará nada com minha aparência de realeza, mas se deleitará com a qualidade e conforto dos móveis que produzo.

As pessoas podem se aproximar de nós por um momento por nossa aparência, mas somente permanecerão em nossa companhia e se beneficiarão do que há de bom em nós se formos o tipo de ser humano que elas se agradam. E daí a aparência não contará absolutamente nada. Ao contrário. É melhor que minha aparência não faça que pensem que sou mais do que sou, que sou melhor do que consigo ser e que tenho mais para dar do que realmente posso dar, senão viverei correndo atrás de compensar minha incapacidade para sustentar aparência e não decepcionar ninguém, sendo cobrado sempre.

Quando eu era adolescente e me vestia com uma roupa nova, mas não atraía, era porque me vestia de forma que eu achava que ficava bonito. Ou seja, me estampava da maneira como verdadeiramente eu era. Traduzia em minha aparência meu caráter clássico. Sendo que eu não sabia que tinha que parecer malandro, rebelde, magrinho, etc., para ser atraente e quando descobri que tinha que ser assim escolhi continuar como eu era, continuei me vestindo de um jeito que eu achava bonito e elegante. E então, quase não atraí paquera durante a adolescência, mas o que atraí foram pessoas do tipo que pensa como eu, que valoriza o interior, mas que também gosta do glamour, da sofisticação do clássico, do social e do requinte, pois é assim que eu sou e é assim que eu gosto de ser. Não me convinha atrair pessoas de outro gosto que não se interessassem por esse meu tipo de gosto. Isso, porém, só descobri nos últimos anos.

Poderia ter tido muito mais atração se tivesse me vestido diferente, mas teria que fazer de conta que era o que eu não era para sentir que estava preenchendo os requisitos das exigências dos outros e não os requisitos das minhas exigências ou das exigências do tipo que eu gostava de ser.

Assim, não atraí pessoas para satisfazer suas vontades, mas atraí uma pessoa cujas vontades são iguais as minhas, porque, com minha aparência atraí uma pessoa que gosta do que eu gosto.

Quanto a presente obsessão por magreza, trata-se de uma cultura imposta a partir de opiniões particulares do que é elegância. Todavia, gostos são particulares e, quanto a beleza feminina, cada homem tem suas preferências, sendo que sei que a aparência “palitinho” não é a preferência geral. Ao contrário, os homens brasileiros gostam de outro tipo.

Tudo o que escrevi não visa dizer como as pessoas devem ser, mas dizer que a preocupação com a aparência é sem importância, nada pesa no balanço da felicidade, não faz diferença nem antes, nem durante e nem depois da vida, importando mesmo as pessoas com quem nos relacionamos, o que fizemos de bom para elas e com elas e a quantidade de vezes que sorrimos, choramos e nos surpreendemos positivamente. O resto tudo são apenas marcas de pneu, que a chuva e a borracha dos outros pneus não deixarão nada restar.

Quanto as observações que as mulheres fazem umas para as outras de si e das outras, elas fazem por que centram a vida em torno da aparência física, usando as outras como referência para a regulagem da auto-estima, baseando sua auto-estima, o conceito de quem são, o que são e para que são apenas na aparência, que está baseada num conceito padrão de magreza, de esbelta, de beleza e de desejável. Por isso a atual psicose da magreza. E essa psicose somente terá fim quando os impiedosos ditadores da moda tornarem-se misericordiosos. Entretanto, misericórdia não produz business.

Wilson do Amaral

Autor de Os meninos da Guerra, 2003 e 2004, e Os Sonho não Conhecem Obstáculos, 2004.