A ética da vida

O direito do paciente terminal em recusar tratamentos paliativos, que só irão prolongar uma vida condenada pela enfermidade reacendeu o debate sobre a ética da vida. A palavra de ordem é ortotanásia. Na verdade, a chamada bioética, que até há pouco tempo era tida como um terreno exclusivo dos médicos, mostrou-se mais ampla e interdisciplinar do que se julgava. Igualmente, os advogados entraram na questão, trazendo argumentos do biodireito, para opinar e criar foros privilegiados de debate. Em ambos os segmentos constata-se uma ética setorizada, deontológica, como uma “ética profissional”, nem sempre universal, nem sempre desinteressadamente ética.

De uns vinte anos para cá, a bioética ganhou status de disciplina, perdendo espaços restritos para ganhar o âmbito do interesse social, de cuja mesa participam médicos, cientistas, biólogos, filósofos, sociólogos, teólogos, antropólogos, advogados, jornalistas e outros profissionais. A Igreja, e não apenas a católica, mas todo o conjunto cristão, é vista como “especialista em humanidade”, ganhando assento privilegiado nesse debate sobre a vida humana. Se de um lado a eutanásia (no grego, eú, boa + thánatos, morte) é vista como um homicídio ou um suicídio assistido, de outro, a ortotanásia é sinônimo, pois como a anterior, trata-se de “morrer bem”, rapidamente, sem sofrimentos, higienicamente. Não era esta a prática de J. Kevorkian, o “doutor morte” ?

O ato de promover a morte antecipada, por motivo de compaixão e diante de um sofrimento penoso e insuportável, sempre foi motivo de reflexão por parte da sociedade. Na contrapartida, surgem cada vez mais tratamentos e recursos capazes de prolongar por muito tempo a vida dos pacientes, o que pode levar a um demorado e penoso processo de morrer. A medicina atual, à medida em que avança na possibilidade de salvar mais vidas, cria inevitavelmente complexos dilemas éticos que permitem maiores dificuldades para um conceito mais ajustado do fim da existência humana. Hoje falam equivocadamente em ortotanásia como o oposto de eutanásia. Os dois verbetes são sinônimos. O contraponto está na distanásia, que ao contrário das outras, é o prolongamento artificial da vida de um paciente terminal sem perspectiva de cura ou melhora.

Trata-se da morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo, lúcido ou sedado. A eutanásia é prover a morte do doente, retirando-lhe os equipamentos ou suprimindo a medicação. O respeito pela pessoa não implica, necessariamente, prolongar sua vida a qualquer preço. A distanásia, pelo ingrediente de egoísmo que concentra na atitude, em geral dos familiares, é tão cruel quanto a eutanásia. Assim como não é ético matar alguém, igualmente foge de qualquer parâmetro moral o conservar artificialmente uma vida que esteja comprovadamente fadada à morte.

O Papa João Paulo II impediu a distanásia, solicitando que não lhe fosse dada vida artificial. Ele tinha pressa em voltar à casa do Pai. O direito à vida é o valor mais importante do ser humano, pois constitui um princípio referencial às exigências éticas, às normas do direito, às práticas sociais e ao discurso das entidades voltadas para a defesa dos direitos humanos.

O autor é doutor em Teologia Moral, especialista em Bioética e autor do livro “Bioética: A ética a serviço da vida” (Ed. Santuário, 2005).

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 20/11/2006
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