Somos Racionais?



Somos Racionais?
 
Muitos, de forma positiva, sinceramente acreditam que somos (os superiores Homo Sapiens Sapiens) homens racionais por definição. Isto já começa pela forma arrogante que nos definimos: Homo Sapiens Sapiens.
 
Desde jovem, me custava crer nisto. Não entendia exatamente como, mas poderia ser devido a minha ingenuidade ou a algum “pseudo romantismo invertido ou revoltado” que preferia não aceitar que todos nós éramos racionais, bastava olhar o mundo que eu via uma profusão de irracionalidade. Passado muito tempo percebi que confundimos facilmente alguma inteligência maior com verdadeira racionalidade.
 
Hoje creio entender claramente serem duas facetas bem diferentes em nosso cérebro.
 
O animal homem, possuindo muito mais neurônios em relação nominal por massa corporal que os demais seres vivos, realmente possui alguma capacidade intelectualmente maior. Não há dúvidas sobre isto, e negá-lo seria um ato irracional.
 
Agora a evolução, pelo menos diretamente, não nos municiou com ferramentas verdadeiramente racionais. Várias foram as causas.
 
A evolução nunca, ou muito raramente apenas, joga fora alguma estrutura e reconstrói do zero algo novo. Ela normalmente reaproveita tudo, as vezes dando novos usos ao que já existe ou outras vezes criando algo novo mas sobre algo que já existia. Com nosso cérebro não foi diferente.
 
Há de ser assim, posto que na evolução não existe, nem nunca existiu plano ou projeto, tudo aconteceu por acaso e sob o risco de dar tudo errado. Alterações na estrutura corporal (na verdade são erros de cópia genéticos) ocorrem. Estes erros que não impossibilitam a gênese do novo ser, permite que assim a vida prossiga. Estas mutações (não se esqueçam erros de cópia) de alguma forma resultam em formas de vida mais adaptadas a sobrevivência e a reprodução, garantindo assim maiores descendências destes genes “mutados”, ao longo do tempo. Cabe lembrar que não são os componentes básicos dos genes que mutam, estes são os mesmos em todos os seres vivos existentes, o que muta é a estrutura final e/ou a atuação de cada gene em especial, dentro da estrutura genética.
 
Para que um erro de cópia não inviabilize a gênese e a formação de um novo ser, ela tem que ocorrer de forma mínima. A chance de que um erro de cópia em grande escala permitisse a manutenção da gênese deste novo feto é praticamente impossível.
 
Realmente, aqueles criacionistas que afirmam ser impossível algo como um olho nascer diretamente por erro de cópia, estão certos. Este tipo de evolução é totalmente improvável de ocorrer. Uma mutação desta envergadura implica em um erro de cópia tal que inviabiliza por si só esta argumentação. Principalmente porque algumas mutações decorrem somente porque outras ocorreram antes. Na verdade esta situação do: hoje nada tenho, e amanhã estou provido de olhos perfeitamente funcionais é praticamente impossível de ocorrer, em uma única passagem, e com certeza nunca aconteceu ainda.
 
A evolução é muito mais sutil. Pequenas mutações, algumas sequer afetando a estrutura corporal final, levam seqüencialmente a capacidades adaptativas sucessivamente melhores, isto ocorrendo ao longo de centenas de milhões e milhões de anos.
 
Tenhamos em mente, neste exemplo, que como diz o ditado popular: “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei.”. Em um mundo onde ninguém enxergava nada, mesmo um ser que conseguisse apenas  5 por cento de visão estaria muito mais bem provido para a sobrevivência do que o totalmente sem visão. Se meu predador nada vê, e se consigo vê-lo, totalmente sem foco que seja, e mesmo assim somente a curtíssimas distâncias, ainda assim eu teria muito mais chances de me esquivar dele e assim sobreviver, e ter maiores descendências.
 
Voltando a racionalidade, a evolução nos levou a uma maior inteligência, mas não nos levou diretamente a racionalidade. A capacidade racional é uma possibilidade e não uma funcionalidade nata de nosso cérebro.
 
Como entendo, a racionalidade é meio que um quebra galho possível, permitido pelo nosso cérebro, mas jamais é ela, um módulo padrão desenvolvido pela evolução. Nossa racionalidade assim é quase sempre inutilmente obscurecida por preconceitos e crenças prévias.
 
Nosso cérebro, a exemplo de todo o resto do nosso corpo, não sofreu por padrão, um processo de sai o velho e entra o novo, e sim, fica o velho, ajusta algo existente, e as vezes cria algo novo sobre o velho.
 
Desta forma nosso cérebro permite a lógica racional, mas requer esforço, não sendo invocado automaticamente. Assim o raciocínio verdadeiramente explícito, por recursos lógicos, não é algo que tenha evoluído ainda.
 
Conseguimos ser lógicos não porque nosso resultado mental esteja pronto para a lógica, mas apenas porque somos inteligentes o suficiente para aprender as regras da lógica.
 
Diferentemente da linguagem, que todos aprendemos, porque evolutivamente nossos circuitos neurais estão preparados para isto, a aquisição da lógica é muito mais complexa, alguns podem até jamais conseguir este feito. Sabe-se que crianças, com razoável certeza, têm esta facilidade de aprender lógica.
 
O que é espantoso, é que nos achando racionais, agimos de forma irracional com a certeza que estamos agindo racionalmente. Isto é um terror. Erramos na certeza que estamos acertando, e muitas vezes somos até capazes de lutar e morrer pela nossa irracional certeza de que somos racionais.
 
Posto isto, hoje entendo que a aquisição de uma lógica abstrata não é um fenômeno automático e natural como é a aquisição da linguagem. Assim sendo, racionalmente (ou crendo ser de forma racional) entendo que as ferramentas formais para refletir sobre nossas crenças são produto da evolução, apenas na mesma proporção em que podem ser aprendidas, e não que venham instaladas em nosso cérebro, apesar da crença da maioria de nós que se vêem como racionais por natureza.
 
Para terminar copio Gary Marcus: “Um ser humano racional, se é que este ser existe, apenas acreditaria no que é verdade, invariavelmente indo de premissas verdadeiras a conclusões verdadeiras. Um ser humano irracional, como produto evolutivo meio Kluge (quebra galho) que é, freqüentemente vai no sentido contrário. Começando com a conclusão para daí buscar razões para acreditar nela”.
 
 
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Um pequeno exemplo de um silogismo em que a maioria de nós inicialmente aceitaria como sempre verdadeiro, e que facilmente extrapolaríamos para uma forma generalizada de verdade, e que nos lavará a muitos erros.
 
A regra: se P, então Q; P; logo Q nem sempre é valida apesar das aparências:
 
Todas as coisas vivas necessitam de água.
Rosas precisam de água.
Logo, rosas são coisas vivas.
 
É uma seqüência simples, mas acarreta que muitos de nós tendêssemos a generalizá-la como sempre verdade, o que nos levará com certeza a verdadeiros absurdos. Esquecemos-nos, ou nosso cérebro passa batido em não racionalizar profundamente e questionar se o reverso da primeira argumentação é único e capaz de garantir a verdade final do silogismo.
 
“Todas as coisas vivas necessitam de água.”
Será o reverso único e capaz de manter como verdadeiro este tipo de silogismo? Será que tudo que necessita de água é uma coisa viva? É lógico que não... Mas nosso pseudo raciocínio lógico aceita o silogismo inicial como uma estrutura verdadeira posto que não estamos preparados naturalmente para raciocinar logicamente. A racionalidade requer esforço e aprendizado.
 
Agora ficou fácil de perceber que nem tudo que necessita de água é uma coisa viva. Fazer concreto necessita de água e não é uma coisa viva. A bateria de meu carro requer água e não é uma coisa viva, o radiador de meu carro requer água e não é uma coisa viva, a usina nuclear de Fukushima requer água e não é uma coisa viva...
 
Todas as coisas vivas necessitam de água.
Baterias de carro precisam de água.
Logo, baterias de carro são coisas vivas.
 
Mas devido a não formação natural para a racionalidade, não vamos fundo na análise lógica e caímos em erros primários. Agora pensemos isto em situações lógicas muito mais complexas, estaremos trabalhando muitas vezes em puro “achismo”.
 
A mesma estrutura lógica básica pode ser facilmente expandida pelos mortais, e aceita como verdadeira como em:
 
Todos os insetos precisam de oxigênio.
Moscas necessitam de oxigênio.
Logo, moscas são insetos.
 
Neste caso seria mais fácil ainda perceber a falácia lógica, posto que nós mesmos necessitamos de oxigênio e não somos insetos, assim seria errado também:
 
Todos os insetos precisam de oxigênio.
Coelhos necessitam de oxigênio.
Logo, coelhos são insetos.
 
 
Lembremo-nos sempre, racionalidade não é um princípio natural, devemos aprendê-la, e nos esforçar em utilizá-la sempre de forma o mais crítica e profunda possível, e isto nem sempre é fácil.
 

 
 


Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 26/04/2011
Código do texto: T2932471
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