SOM OU BARULHO?
Ao ler uma entrevista que o ex-rei da noite brasileira, Ricardo Amaral, concedeu à revista Bares & Restaurantes fiquei exultante. Não estou sozinho, pensei. Declara o criador da Jovem Guarda, da boate Hippopótamus e muitas outras casas e coisas: “Na década de 70 a noite tinha nome e sobrenome. Hoje é uma multidão de anônimos, ao som de uma música insuportável. Matam a boemia. Ela era feita de conversa, sedução e uisquinho.”
Hoje, numa casa noturna, é impossível manter uma conversa. Aliás, nem ouvir a própria voz é possível. Desenvolver uma conversa com começo meio e fim é uma tarefa impossível. Todo o relacionamento vocal fica por conta da música. Esta, dependendo do local que se freqüenta, vem de vários lugares. Sedução frases espirituosas devem ser gritadas nos ouvidos, assim perdem todo o efeito.
Quando a música é “ao vivo” sempre nos deparamos com o cantor tentando impor o som pelo volume, mesmo que seja num restaurante em pleno almoço. Outras vezes há uma disparidade entre o volume dos instrumentos e o da voz. Parece que se quer esconder a mediocridade da voz entre a barulheira dos instrumentos. É recurso usado por maus cantores ou por atores e apresentadores que se aventuram a incursionar pelo campo da música.
Manter a televisão ligada em restaurantes noturnos para que os comensais não percam nenhum capítulo da novela das oito ou das nove é um hábito brasileiro que acaba servindo mais para distração dos colaboradores que para entretenimento dos clientes. Afinal, quem quer assistir novela deveria ficar no conforto do seu lar. Mesmo porque, a maioria dos clientes não se interessa e mantém conversas paralelas que encobririam o volume da televisão se este não estivesse alto demais. O resultado é que um atrapalha o outro e a balbúrdia se instala. O que deveria ser dito numa fala normal é quase gritado e os diálogos da novela são mais adivinhados que distinguidos.
Provavelmente na época do Sr Ricardo Amaral nem tudo fossem uisquinhos. Também havia a cuba libre, conhaques e vermutes. Contudo, os tempos eram outros. As drogas ilícitas eram outras e o assédio dos traficantes era menor e havia mais facilidade em reconhecê-los. A explosão musical dos anos 60 e 70 estava no auge, os instrumentos eletrônicos começavam a fazer parte das bandas, mas, mesmo assim, era possível conversar em qualquer ambiente.
O que mudou? As pessoas estão fugindo cada vez mais e se escondendo atrás do volume altíssimo? A qualidade dos aparelhos de som vem melhorando constantemente de tal modo que já não há necessidade de volumes altos para se captar todas as notas.
Não vamos aqui falar de possíveis danos que o som excessivamente alto provoca nas pessoas, notadamente naquelas que trabalham em casas de show. Há maneiras de se protegerem. Vamos apenas reiterar que toda a música é feita para deleite, não para incômodo, ainda mais se o incomodado for o vizinho.
Luiz Lauschner - Escritor e empresário
lauschneram@hotmail.com