Sobre o mensalão e a rota do luxo
O que há em comum entre a rota do mensalão e a rota do luxo no Brasil? Aparentemente, nada. Mas no fundo há uma semelhança desconcertante.
Para este texto não parecer ingênuo, não serão mencionados substantivos como ética, moral e consciência social - conceitos que, de tão abstratos e destoantes da realidade, já estão tornando-se adjetivos.
O mensalão é a prova de que é impossível fazer política sem fazer alianças. Até aqui, nenhuma novidade. Em política não há bons e maus; há os que ganham e os que perdem. E só. O maior problema, é que além do assalto ao erário, o mensalão concretiza uma dívida moral com os que acreditaram.
Há vários palpites sobre a perda do caminho. Eis um deles. Quando o discurso é apenas ideológico desperta paixão entre os seguidores e, por parecer muito aquém da realidade, deboche entre os opositores. Assim, para tornar-se factível, a ideologia é deixada de lado e as alianças estratégicas assumem papel principal. É nesse ponto que todos se perdem. Uns por ainda acreditarem que os propósitos de outrora, apesar de tudo, ainda estão inabalados; outros por abandonarem os antigos ideais em troca de algo mais substancial. Com isso, a ideologia arrastada por vários anos causa efeito cristalizador porque não prepara seus militantes para um plano contingencial de vitória e ao mesmo tempo incita o desânimo, a corrupção do caráter e o desvio de objetivos originais. E aí surgem arranjos como o mensalão, prática que prova que nosso Estado nacional foi rifado em troca de poder. E, como em toda crise há necessidade de um herói que aclara os fatos, o mensalão tem seu candidato: um acusado que assume a própria culpa e entrega outros envolvidos somente para desviar a atenção de si.
Contudo, o esquema mensalão pouco afeta uma elite que não se abala nem com uma crise econômica, o que dizer de uma crise política. É difícil de acreditar, mas há quem pague 20 mil reais em uma garrafa de vinho Chateau Pétrus e 75 mil reais em uma bolsa Louis Vuitton. Nada de ilegal nisso tudo. O problema é encontrar uma resposta razoável para algumas questões como: por que uns têm tanto e outros tão pouco? Se for uma questão de mérito, quais os critérios que balizam essas diferenças? De onde mesmo vem tanto dinheiro que tão poucos têm acesso?
Pagando impostos, a elite da elite não fere nenhuma lei jurídica e, menos ainda, lei de mercado; ao contrário, a indústria do luxo cria empregos. A Daslu necessita de vendedoras e copeiras; a Casa do Saber (Daslusp) também precisa de professores e assistentes; e aproveitando esse segmento, a FAAP até já tem um MBA de gestão do luxo. Diante disso, fica claro que todo novo sistema econômico empodera uma parcela e vitimiza outra. É assim desde sempre e, arriscando um pouco de determinismo, assim sempre será. Mas a questão é outra.
No Brasil, o mercado do luxo cresceu 38% em 2004. Qual outro setor cresceu tanto? O percentual que o crescimento do luxo apresenta é 8 vezes mais que o PIB nacional e 70% acima da média mundial do próprio segmento. Com isso, o Brasil apresenta um perfil sui generis na esfera internacional: um país enorme, pobre, com vergonhoso índice de desenvolvimento humano e educacional; mas com alto índice de cirurgia estética e consumo de artigos de luxo. Prova de que vivemos de aparências.
Costurando os temas, a diferença entre o esquema mensalão e a rota do luxo é que o primeiro é uma estratégia política criminosa e o segundo uma prática perfeitamente legal, mas socialmente condenável. A semelhança entre o mensalão e o luxo é que ambos, em processos diferentes, apresentam espetáculo (no sentido mais pejorativo da palavra) para uma mesma platéia, que assume sua parte no sistema na condição de vítima.