O verdadeiro jejum

O VERDADEIRO JEJUM

Antônio Mesquita Galvão

A cada ano a “Semana Santa” nos desperta para essa ou aquela reflexão. Isto é muito bom e revela a diversidade de carismas que o Espírito de Deus suscita em nós, a partir de múltiplas interpretações que podemos dar aos mesmos fatos.

Em geral vem à nossa mente a saga libertadora de Deus, que arrancou com mão forte os hebreus que estavam no Egito, escravizados sob o imperialismo do faraó, que representa, em última análise, a opressão do poder e da força, presente em todos os tempos, nas relações entre os homens. Sempre houve – e a história é pródiga em no-lo revelar – faraós que sobre os mais diversos motivos oprimiram o povo.

Pois nesta “semana santa” de 2011, a mim, mais uma vez, se me suscita a questão do jejum como memorial de respeito ao generoso sangue de Cristo por nós derramado no Calvário. Ao invés do jejum, em nome da abstinência de carne, muitos transformam o dia de reflexão em oportunidade para comer melhor, um prato mais sofisticado (e mais caro até).

A partir de agora, já que estou beirando os setenta anos me é facultado não fazer mais jejum. Em homenagem à Paixão de Cristo, vou fazer um jejum mais consistente. Assim, vou jejuar de fazer julgamentos e descobrir que Deus vive nas pessoas. Quero jejuar de palavras que ferem, só proferindo palavras que curam; farei um rigoroso jejum do egoísmo vivendo mais para os outros; vou jejuar de toda maldade, tentando praticar o bem acima de tudo; quero fazer jejum contra o pessimismo, enchendo-me de confiança; para jejuar das preocupações não vou me preocupar com o dia de amanhã; quero me manter em jejum das queixas e da angústia, dando graças a Deus por tudo o que possuo; e, por fim, jejuar de toda a soberba, exercitando a modéstia e a humildade.

Jejum é uma atitude de respeito, interiorização e, sobretudo, de fé. Os santos e os místicos tinham no jejum o ponto alto de sua espiritualidade, na medida em que a privação do alimento lhes revelava a tragédia de uma vida sem a medida do transcendente e da solidariedade. Fazer jejum é buscar inspiração para uma aproximação com Deus através de atos concretos com o outro.

Jejuar é deixar de comer, mas também é pensar nos projetos de Deus. Ele mesmo é que nos diz: “O jejum que eu aprecio é acabar com a injustiça, libertar os oprimidos, repartir a comida com quem tem fome e mostrar-se solidário com quem sofre” (cf. Is 58, 1-12). Quando agimos com esse desprendimento e com essa visão de infinito, nossa luz brilha como a aurora. As feridas cicatrizam. Oramos e Deus responde: “Estou aqui!”.

Teólogo, biblista e Doutor em Teologia Moral.